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Por que a Netflix investe tanto em busca de prêmios como Oscar e Emmy

No Globo de Ouro, a empresa de streaming tinha 34 indicações para prêmios, mais que qualquer outra produtora

A Netflix afirma que mais de 26 milhões de assinantes assistiram O Irlandês na primeira semana de exibição por streaming (Imdb/Divulgação)

A Netflix afirma que mais de 26 milhões de assinantes assistiram O Irlandês na primeira semana de exibição por streaming (Imdb/Divulgação)

DC

David Cohen

Publicado em 11 de janeiro de 2020 às 10h58.

Era para ser o primeiro passo da consagração da Netflix em 2020. Mas a cerimônia de premiação dos Golden Globes, no último domingo à noite, dia 5, esteve mais para fiasco. A empresa de streaming tinha 34 indicações para prêmios – metade para as categorias de filmes, outra metade para as categorias de TV.

Eram mais indicações que qualquer outra produtora. Saiu com apenas duas vitórias: atriz coadjuvante para Laura Dern, no filme História de um Casamento, e melhor atriz de séries, para Olivia Colman, por The Crown (A coroa, em tradução livre).

Na categoria mais importante, de melhor filme, a Netflix tinha três dos cinco nomeados para o prêmio: O Irlandês, História de um Casamento e Dois Papas (dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles). Mas quem levou foi 1917, um filme sobre a Primeira Guerra Mundial da Universal Pictures, dirigido por Sam Mendes.

Isso apesar de a Netflix ter gastado uma pequena fortuna em marketing. Supostamente, foram 50 milhões de dólares apenas na campanha de O Irlandês, do premiado diretor Martin Scorsese, com Robert de Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel no elenco. Houve até acusações de que a empresa tentou influenciar os jurados com viagens luxuosas e mimos.

O Golden Globe é uma premiação da associação de críticos estrangeiros, e vários deles teriam sido convidados para visitas a artistas em Los Angeles e Nova York. Embora isso seja normal na indústria, a Netflix aparentemente exagerou no luxo e, pior, as viagens não eram vinculadas a reportagens.

Houve também um convite para os membros da associação de jornalistas estrangeiros de Holywood para uma festança na casa de Ted Sarandos, o diretor de conteúdo da Netflix.

A extravagância, segundo rivais citados pelo jornal The Washington Post, ultrapassou a de um produtor conhecido por jogar pesado para influenciar jurados: Harvey Weinstein, acusado por mais de 80 casos de assédio sexual e atualmente sendo processado em Nova York e Los Angeles. A ligação faz algum sentido: a campanha de marketing para as premiações é liderada por Lisa Taback, uma executiva que já trabalhou para Weinstein.

Desejo pelos prêmios

Isso é uma amostra de quanto a Netflix deseja angariar premiações. À primeira vista, esta não seria uma meta assim tão importante para a empresa. Afinal de contas, os prêmios costumam ser usados pelas distribuidoras como chamariz de público, para aumentar a bilheteria nos cinemas.

E a Netflix não vive de bilheteria; seu modelo de negócios é baseado em assinaturas. Só que, em vez de libertá-la da pressão, isso a torna ainda mais ávida por reconhecimento. Por três grandes motivos. Primeiro, a Netflix tem uma valorização desproporcional a seus lucros na bolsa de valores.

Os prêmios servem para validar sua estratégia de investimentos, convencer analistas e investidores de que ela caminha para o domínio da indústria (não só de distribuição, mas de produção de conteúdo também). Em segundo lugar, a empresa precisa construir uma imagem poderosa para atrair talentos da indústria cinematográfica – roteiristas, diretores, atores de primeira linha que se interessam por trabalhos que possam ser vistos e apreciados como arte com A maiúsculo.

Finalmente, embora o modelo de assinaturas dê à empresa mais latitude para fracassos aqui e ali, é crucial que o conjunto de obras oferecidas aos espectadores seja de encher os olhos. E nada melhor que os prêmios (Oscars e Emmys, especialmente) para dar respeitabilidade à seleção de programas da empresa.

Por isso a semana passada não começou nada bem para a Netflix. Menos mal que, dois dias depois, na terça-feira, tenha vindo uma chuva de novas indicações de prêmios. Para a cerimônia da Bafta (a academia de artes do cinema e da TV do Reino Unido), a Netflix recebeu um recorde de 23 nomeações.

O Irlandês também foi indicado para melhor filme na premiação da associação de produtores de Hollywood e para melhor direção no prêmio da associação de diretores. Ainda mais auspicioso: todos os três são considerados prêmios com mais chance de prever o vencedor do Oscar (historicamente, o filme aclamado pelos jornalistas estrangeiros só ganha o Oscar em metade dos anos). Mas, é claro, nomeações não bastam.

A Netflix persegue um Oscar com afinco desde 2015, quando comprou os direitos de Beasts of no Nation, sobre um garoto africano sequestrado e forçado a lutar numa guerra civil. Em 2017, o investimento foi com a compra de Lágrimas sobre o Mississippi, que havia sido aclamado no festival Sundance.

No ano passado, a aposta foi em Roma, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, que recebeu três estatuetas (melhor diretor, melhor fotografia e melhor filme em língua estrangeira), mas não venceu a cobiçada categoria de melhor filme.

Mais investimentos

Agora, o investimento foi potencializado. Não apenas com um time estrelado e “oscarizado”, mas com uma produção ambiciosa, que usou técnicas de rejuvenescimento para retratar De Niro, Pesci e Pacino mais novos (embora este efeito tenha sido ridicularizado como pouco eficiente numa época em que fazer isso é razoavelmente simples) e apresentou uma história de gângsteres em 3 horas e 29 minutos.

Depois do Globe, o filme já não é visto como favorito absoluto ao Oscar, mas ainda é um forte concorrente, não só a 1917 como a Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino, com o magnetismo de Brad Pitt e Leonardo DiCaprio.

Seria uma vitória e tanto para a empresa, vista com desconfiança pela indústria porque seu modelo de negócios desafia uma das premissas básicas do cinema – o impacto da tela grande, do escuro, da concentração total na fuga da realidade durante o tempo em que se está numa sala fechada. Não à toa, em seu discurso de agradecimento na cerimônia do Globe, o diretor Sam Mendes afirmou que torce para que o prêmio ajude a levar as pessoas a ver 1917 na tela grande dos cinemas, “do modo como ele foi concebido para ser visto”.

Guerra com os donos de cinemas

A guerra entre donos de cinemas e a Netflix é acirrada. No ano passado, a exibidora britânica Cineworld retirou seu apoio à Bafta, e a exibidora Vue ameaçou fazer o mesmo, em protesto pelos prêmios recebidos pela Netflix. O grande pecado da empresa, segundo eles, é não respeitar a janela de exibição exclusiva de um filme nos cinemas antes de passar para outros meios (tradicionalmente, primeiro a venda em DVD, depois aluguel, depois TV a cabo e finalmente TV aberta).

Em sua ofensiva para conseguir nomeações (os prêmios de cinema exigem, compreensivelmente, que os filmes seja exibidos nos cinemas), a Netflix fez um contrato de leasing com o Paris Theatre, em Nova York, de forma a conseguir cumprir as demandas do Oscar – de o filme passar em Nova York ou Los Angeles.

A obrigatoriedade de exibição em salas de cinema pode soar anacrônica nesses tempos em que as pessoas assistem todo o tipo de programas em telas de celular, mas faz sentido. Um dos critérios levados em conta pelos jurados é a aceitação que os filmes tiveram entre os espectadores.

Nesse ponto, nada bate a bilheteria. A Netflix afirma que mais de 26 milhões de assinantes assistiram O Irlandês na primeira semana de exibição por streaming, mas esse número tem dois problemas. Um, não há auditoria independente.

Dois, essa audiência não se compara à ida ao cinema. Além de o deslocamento e o preço denotarem que ir ao cinema é uma escolha mais enfática do que assistir em casa, ainda há o fato de a fruição ser diferente: a empresa de pesquisas Nielsen estimou que apenas 18% dos espectadores que assistiram a O Irlandês nas primeiras 24 horas de exibição o fizeram em uma transmissão contínua.

Se a batalha pelo nobre terreno dos filmes de cinema é complicada, as premiações de TV demonstram que os serviços de streaming viraram completamente o jogo tradicional. Embora a Netflix tenha levado apenas um Golden Globe, junto com Amazon e Hulu os serviços de streaming tiveram cinco vitórias, o mesmo número de HBO e Showtime, empresas de cabo por assinatura.

A FX levou um único prêmio para as empresas de TV a cabo básicas (cujo pacote não é exclusivo), e as TVs abertas, que antes dominavam a indústria, não levaram nenhum prêmio.

Aqui, a luta da Netflix é menos difícil. Basicamente, precisa vencer a rival HBO, que este ano não conta com seu megassucesso Game of Thrones, já que os serviços da Disney e da Apple ainda são incipientes. A grande batalha será em julho, quando são anunciadas as indicações do Emmy.

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