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Petrobras e usinas de cana são impactadas pelo mercado da eletricidade

Disputa judicial entre empresas de energia e governo pelas regras do chamado "risco hidrológico" tem deixado bilhões de reais em aberto em acerto de contas

Petrobras: Pelas regras da CCEE, os valores não pagos são descontados dos créditos de quem tem recursos a receber na operação (Paulo Witaker/Reuters)

Petrobras: Pelas regras da CCEE, os valores não pagos são descontados dos créditos de quem tem recursos a receber na operação (Paulo Witaker/Reuters)

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Reuters

Publicado em 22 de agosto de 2018 às 20h41.

São Paulo - Uma disputa judicial entre empresas de energia e o governo pelas regras do chamado "risco hidrológico" tem deixado bilhões de reais em aberto em um acerto de contas mensal do mercado de eletricidade e provocado revolta entre os impactados pelo "rombo", que incluem desde a estatal Petrobras até usinas de cana-de-açúcar e comercializadoras de energia.

A União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), que representa as usinas do centro-sul, estima que o setor tem 300 milhões de reais a receber, enquanto a Petrobras, apesar de ter ingressado na Justiça, não recebeu cerca de 40 milhões de reais na última liquidação financeira do mercado de curto prazo de eletricidade, promovida pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Já a unidade de comercialização de energia do BTG Pactual chegou a acumular crédito de 2 bilhões de reais antes de também ir à Justiça.

A liquidação do mercado de junho, a mais recente realizada pela CCEE, envolveu 10,2 bilhões de reais em operações, mas arrecadou apenas 1,99 bilhão para pagar os agentes com créditos a receber.

Operadores de hidrelétricas questionam custos com a compra de energia mais cara no mercado para compensar uma menor geração de suas usinas por questões como o baixo nível dos reservatórios. Com liminares, esses agentes conseguiram evitar 7 bilhões de reais em pagamentos na liquidação do mercado.

Pelas regras da CCEE, os valores não pagos são descontados dos créditos de quem tem recursos a receber na operação, o que levou outras empresas a buscarem liminares para assegurar prioridade nos recebimentos, acirrando a briga.

"Com a judicialização do mercado por conta das liminares... nos últimos 12 meses, 98 por cento dos agentes da CCEE receberam cerca de 10 por cento de seus créditos, sendo que nas últimas liquidações esse grupo não conseguiu receber qualquer valor", disse a CCEE em nota à Reuters.

A Petrobras, que opera termelétricas e conta com recursos das liquidações na CCEE para pagar custos de combustível, foi uma das empresas que buscou prioridade nos tribunais, com uma liminar obtida pela Associação Brasileira de Geradores Termelétricos (Abraget), mas ainda assim tem sido impactada.

"Na liquidação financeira ocorrida em 7 de agosto, a Petrobras foi exposta a uma inadimplência de 25,1 por cento de seus créditos totais, o que equivale a 39,4 milhões de reais... o problema da inadimplência na CCEE compromete o correto funcionamento do mercado e afeta todos os agentes", disse a estatal em nota.

Outras empresas, sem liminares, têm sido muito mais afetadas, como usinas de cana-de-açúcar que produzem energia com biomassa, o que levou a uma movimentação da Unica junto ao governo em busca de soluções.

O gerente de bioeletricidade da Unica, Zilmar de Souza, disse que as usinas estimam ter 300 milhões de reais em créditos retidos na CCEE devido aos valores em aberto no mercado.

"Essa situação está ficando insustentável... nossa estimativa é que neste ano a gente tenha, por conta desse imbróglio, deixado de estimular algo como no mínimo 10 por cento de geração adicional para a rede pelas usinas de biomassa. Não é estimulante buscar essa geração se você não vai receber, só vai ter o custo", explicou.

Comercializadoras de eletricidade também têm reclamado muito dos impactos da briga de liminares, em um clima de insatisfação que aumentou ainda mais depois que algumas empresas do setor, como o BTG Pactual, conseguiram decisões judiciais para prioridade nos créditos, enquanto outras seguem sem receber.

Uma fonte com conhecimento do assunto disse que a unidade de comercialização do BTG decidiu ir à Justiça depois de não ver perspectiva de solução de curto prazo para o problema e diante de quase 2 bilhões de reais em créditos acumulados pela empresa em suas operações no mercado.

Procurado, o BTG não comentou.

A Abraceel, associação que representa as comercializadoras, tentou uma liminar em nome de todos agentes da categoria, que foi negada, mas o presidente da entidade, Reginaldo Medeiros, disse que considera injusto criticar a busca de algumas comercializadoras por soluções individuais na Justiça.

"Alguém não pagou uma conta, foi para a Justiça para não pagar e a conta sobrou para quem era credor. É uma situação de absoluta injustiça, o credor leva um calote e ainda é visto como criminoso", afirmou.

Ele adicionou que o risco hidrológico "não é um problema dos comercializadores" e acusou o governo de ser "absolutamente omisso" na busca de uma solução para o problema no mercado.

O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, rebateu a fala de Medeiros e disse à Reuters que "o governo não está omisso" na discussão do risco hidrológico. Segundo ele, o tema é prioritário e a pasta tem trabalhado junto a senadores para a aprovação de um projeto de lei que viabilizaria um acordo para encerrar a briga.

A proposta que consta do projeto oferece uma compensação parcial para as perdas dos geradores hídricos pelos custos com o risco hidrológico, desde que eles em troca retirem as liminares que travam o mercado. O acerto seria viabilizado com a extensão de contratos de concessão das hidrelétricas envolvidas no embate, o que exige alteração legal.

O problema é que o projeto sobre o assunto trata também da privatização de distribuidoras de energia da Eletrobras, um tema polêmico e que tem atrasado a deliberação da matéria em ano eleitoral.

"Estamos voltados para isso, tomando a iniciativa que o momento que vivemos nos oferece, que é o projeto de lei. Perseverança não nos falta", adicionou Moreira.

Ele afirmou ainda que o acordo resolve os débitos do passado, mas que o governo avalia que é preciso rever o marco regulatório do setor elétrico para evitar uma nova discussão como essa no futuro. "Temos que rediscutir esse modelo, ele não está dando conta das nossas necessidades", afirmou.

A CCEE já disse que o rombo no mercado pode ultrapassar 13 bilhões de reais até o final do ano se não houver um acerto com os geradores.

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