Pantanal agora tem um dos maiores projetos de detecção precoce de incêndios do mundo
A iniciativa garante vigilância 24h por dia, unindo câmeras de monitoramento, inteligência artificial e brigadas para proteger 2,5 milhões de hectares do bioma
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Publicado em 30 de novembro de 2022 às 07h30.
Última atualização em 30 de novembro de 2022 às 09h38.
Todo ano, de julho a outubro, fica aceso o alerta máximo contra focos de incêndio no Pantanal. Este é o período mais crítico da temporada de seca na região, o que aumenta consideravelmente os riscos de o fogo se espalhar, ameaçando todo o bioma, um dos mais ricos e singulares do planeta.
Prevenir incêndios florestais é hoje um desafio mundial, agravado pelas mudanças climáticas, e o Pantanal vem sendo duramente atingido pelo problema nos últimos anos. Por isso, os esforços de monitoramento e combate a incêndios na planície têm sido ampliados e aprimorados.
Um dos novos aliados no enfrentamento da questão é um moderno sistema capaz de detectar em 3 minutos o local exato de uma pequena fonte de calor, a quilômetros de distância, gerar o alerta e acionar brigadas para combater as chamas, impedindo que atinjam grandes proporções.
Batizado de Abrace Pantanal, o projeto inédito no Brasil, lançado em junho, é um dos maiores do mundo quando se trata de preservação ambiental por meio da identificação rápida e melhor combate a incêndios. O plano é proteger 2,5 milhões de hectares de área nativa, o equivalente ao território da Bélgica.
A implementação da inovadora solução, que garante vigilância 24 horas por dia em tempo real, é fruto de uma força-tarefa que une comunidade local, Organizações Não Governamentais e setor privado, associando diferentes expertises e tecnologias.
Nessa articulação estão o sistema de detecção precoce de focos da startup Umgrauemeio; a capacidade de comunicação, mobilização e planejamento de combate ao fogo das centrais de gestão independentes – Brigada Aliança, Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e Polo Socioambiental Sesc Pantanal –; e o financiamento da JBS na aquisição e instalação dos equipamentos e na estruturação de brigadas.
Para que 2020 não se repita
A estratégia de monitoramento começou a ser desenhada depois dos trágicos incêndios de 2020, os piores da história do Pantanal. Mais de um quarto de todo o bioma foi destruído, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ).
“Foi inquietante ver 26% do Pantanal, uma das principais reservas mundiais da biosfera da Unesco, ser consumido pelo fogo, comprometendo mais de 4 milhões de hectares, matando cerca de 17 milhões de vertebrados e emitindo milhões de toneladas de CO2na atmosfera”, recorda o Chief Innovabilty Officer (CIO) e cofundador da Umgrauemeio, Osmar Bambini.
Com o Abrace Pantanal apoiando as instituições locais que historicamente combatem incêndios no bioma, o objetivo é evitar que eventos extremos como o de dois anos atrás se repitam.
O momento para implementação não poderia ser mais oportuno: em 2022, a estiagem chegou antes do previsto na região e com muita intensidade, deixando o cenário ainda mais favorável para a propagação de incêndios florestais, conforme nota técnica do instituto SOS Pantanal.
Como funciona o sistema de monitoramento
A identificação precoce dos focos de incêndio é feita pelo software Pantera®, plataforma integrada para gestão do combate a incêndios florestais desenvolvida pela Umgrauemeio.
Câmeras instaladas no topo de torres de comunicação captam imagens de alta resolução e, com base nelas, um algoritmo de inteligência artificial detecta o fogo automaticamente e notifica os operadores do sistema.
Cada câmera consegue reconhecer e localizar automaticamente focos de calor em apenas 3 minutos, em um raio de 15 km, abrangendo 70 mil hectares.
Com a triangulação das imagens – mais o apoio de informações vindas de satélites, dados meteorológicos e histórico da área – é possível indicar o lugar exato do foco e, com tecnologia de ponta, emitir o alerta para as brigadas entrarem em ação, acelerando os protocolos de combate.
Primeira fase do projeto
Nessa etapa inicial, os equipamentos foram instalados em 11 torres já existentes, distribuídas nas regiões sul, norte e central, começando pelo território da Serra do Amolar, sob governança do IHP.
Essa é uma das áreas mais isoladas do Pantanal e que teve mais de 90% de sua rede de proteção afetada nos grandes incêndios de 2020.
Segundo o presidente do IHP, Ângelo Rabelo, diante das particularidades da região, com áreas de serra que chegam a mais de 3 mil metros de altura, o combate e o monitoramento dos focos sempre foram um desafio. A nova ferramenta vai facilitar a ação da Brigada Alto Pantanal, que atua na Serra do Amolar.
“Com a iniciativa, vamos ter mais clareza na identificação dos focos, o que permitirá uma resposta mais rápida de nossos brigadistas. O trabalho da Brigada Alto Pantanal será ainda mais eficiente e conseguiremos atingir nosso objetivo: preservar a fauna e a flora pantaneira”, acrescenta.
Investimento de R$ 26 milhões
Esta fase 1 do projeto, que tem duração de três anos, é patrocinada pela JBS, maior empresa de alimentos do mundo. O aporte da companhia soma R$ 26 milhões, distribuídos em quatro anos, dos quais R$ 8 milhões foram usados para financiar a instalação das torres.
“Ações como essa beneficiam toda a cadeia de valor da pecuária, já que os incêndios devastam o ecossistema, prejudicam seriamente as propriedades rurais e lançam à atmosfera gases poluidores que provocam o aquecimento global”, destaca Liège Correia, diretora de sustentabilidade da Friboi, uma das marcas da JBS.
A iniciativa integra a estratégia Net Zero 2040 da companhia, que assumiu em 2021 o compromisso de zerar o balanço líquido de suas emissões de gases de efeito estufa até o fim da próxima década. Foi a primeira empresa global do setor de proteína a se comprometer com tal meta.
Alinhado com esse objetivo da empresa, de contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas, Abrace Pantanal prevê a redução de CO2em 15 milhões de toneladas ao longo do projeto.
Além do financiamento das torres de vigilância, essenciais agora no período da seca, a JBS também atua no período da cheia oferecendo treinamento para os produtores rurais e a comunidade, por meio de parcerias com entidades regionais, como SOS Pantanal, Sesc Pantanal e PrevFogo.
Uma rede viva e integrada
O envolvimento da comunidade local, aliás, é peça-chave nesta e em outras soluções voltadas para a conservação do bioma.
De 2020 para 2021 houve uma considerável redução dos incêndios e grande parte disso se deve ao engajamento da população e de proprietários rurais, que têm trabalhado em conjunto com diversas instituições, formando uma rede de vigilância e reporte rápido das ocorrências.
No ano passado, a Brigada Aliança, parceira do Abrace Pantanal treinada pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos, cadastrou e monitorou 150 propriedades na região, mais de 330 mil hectares de fazendas. O resultado foi evidente: dos 104 incêndios combatidos em 2021 pela Brigada, 60% contaram com envolvimento direto dos produtores rurais e da comunidade em geral.
“Mais que uma equipe altamente especializada na ciência do fogo, o grande diferencial do trabalho no último ano foi a tecnologia social”, afirma Caroline Nóbrega, pesquisadora e gerente-geral da Aliança da Terra, entidade responsável pela organização e manutenção das brigadas.
O Abrace Pantanal integra uma iniciativa ainda maior chamada Abrace a Floresta que, por meio da plataforma Pantera®, traz um olhar abrangente de monitoramento e gestão do combate a incêndios em tempo real, junto à proteção da biodiversidade.
A ideia é, em uma segunda etapa, triplicar o alcance do projeto no Pantanal, além de futuramente estendê-lo a outros parques e reservas nacionais, como a Chapada dos Veadeiros (Goiás), Chapada dos Guimarães (MT) e áreas da Amazônia.