Negócios

O que o Fortaleza tem a ver com a aprovação da fusão de AT&T e Warner

Promessa feita pela AT&T ao Cade em 2017 virou argumento do Fortaleza. Clube diz que Turner tem conduta discriminatória no pagamento de direitos de TV

Partida entre Fortaleza e Ceará: os dois clubes venderam direitos do Brasileirão à Turner até 2024 (Jarbas Oliveira/AllSports/Fotos Públicas)

Partida entre Fortaleza e Ceará: os dois clubes venderam direitos do Brasileirão à Turner até 2024 (Jarbas Oliveira/AllSports/Fotos Públicas)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 13 de outubro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 21 de fevereiro de 2020 às 23h49.

A aprovação da fusão dos conglomerado norte-americanos de mídia AT&T e Time Warner, um negócio de 85 bilhões de dólares, está em discussão no Congresso, na Anatel, na Ancine e até nas reuniões do presidente americano Donald Trump com o governo brasileiro. Mas, ao mesmo tempo, é assunto também no mundo do futebol

Tornou-se público há algumas semanas que o Fortaleza Esporte Clube, time de futebol do Ceará, abriu reclamação no Cade, o conselho de defesa da concorrência, contra a Turner, dona de canais como Esporte Interativo, Cartoon e TNT e uma das empresas da Time Warner. O clube reclama que a Turner teria pago ao Fortaleza 31 milhões de reais a menos na comparação com os outros seis times da série A que lhe venderam seus direitos pela transmissão do Campeonato Brasileiro

O caso, contudo, vai além e chega à discussão sobre a fusão entre Time Warner e AT&T. Conforme divulgado pela coluna Primeiro Lugar da Revista EXAME nesta semana, a reclamação tem como uma das bases justamente a fusão: em 2017, para fazer com que o Cade aprovasse a operação, a AT&T se comprometeu a não ter “conduta discriminatória”, exatamente o que o Fortaleza a acusa de estar fazendo. 

A princípio, a promessa para o Cade tinha em vista não o futebol ou o Brasileirão, mas a DirecTV, dona da operadora Sky, outra das empresas da AT&T. Uma lei brasileira de 2011 (a chamada Lei do Seac) proíbe que operadoras (como NET, Sky, Oi ou Vivo) tenham mais de 30% do capital votante em empresas distribuidoras (donas dos canais de televisão), de modo a evitar a concentração de propriedade. Assim, sendo dona da Sky, a AT&T não poderia ser também dona dos canais da Warner. 

Agora, o advogado do Fortaleza, Eduardo Carlezzo, argumenta que o caso dos bônus de televisão é também uma conduta discriminatória praticada pela Turner como empresa da Time Warner e do grupo AT&T. 

O Fortaleza recebe da Turner 9 milhões de reais fixos ao ano, pelos direitos da TV fechada. Enquanto isso, os demais times da série A que fecharam com a empresa dividiram cerca de 140 milhões de reais da Turner, ficando com cerca de 23 milhões de reais cada. Os times ainda conseguiram obter outros 17 milhões de reais cada um, depois que descobriu-se, neste ano, que o atual campeão brasileiro Palmeiras tinha ganho sozinho 100 milhões de reais em bônus da Turner. 

Sete times da série A venderam à Turner direitos de transmissão de seus jogos na TV fechada — a TV aberta e o pay-per-view continuam sendo da Rede Globo na totalidade. De 2019 a 2024, o grupo norte-americano tem os direitos de Palmeiras, Santos, Internacional, Ceará, Fortaleza, Bahia e Athetico-PR. Na série B, fecharam com a Turner Ponte Preta, Paraná, Criciúma, Guarani, Juventude, Paysandu, Sampaio Corrêa, Santa Cruz e Joinville.

Partindo do pressuposto de que um time de futebol consegue mais de 30% de suas receitas por meio de direitos de televisão, a AT&T estaria contribuindo para atrapalhar a concorrência dentre os clubes, segundo o entendimento do Fortaleza. “Entendemos que não vamos ter o mesmo bônus que o Palmeiras, mas ter tanto a menos que todos os times, incluindo os de posicionamento na tabela similar ao do Fortaleza, não faz sentido”, diz Carlezzo.

O Fortaleza também alega falta de diálogo da Turner em renegociar. Durante a negociação devido ao bônus do Palmeiras e ao fato de a empresa se desfazer no ano passado do canal de televisão Esporte Interativo (que hoje só existe na internet e por meio do streaming EI Plus), a Turner recebeu os seis clubes para uma conversa, menos o Fortaleza. 

Com o fim do Esporte Interativo na TV, os jogos do Brasileirão comprados pela Turner passaram a ser transmitidos no EI Plus na internet e, na TV, nos canais TNT e Space, também da empresa norte-americana. Os canais mesclam a programação futebolística com outros programas, como filmes. 

Os contratos foram fechados em 2016, antes do fim do Esporte Interativo e quando o Fortaleza ainda estava na série C. Mas o time teve uma guinada no desempenho e, em dois anos, voltou à série A após ser campeão da série B no ano passado. 

"A Turner entrou no mercado pregando igualdade a todos os clubes, inclusive, que aconteceria uma democratização nos direitos televisivos. O que aconteceu unicamente com o Fortaleza foi justamente o oposto disso", disse em comunicado o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz. 

Paz afirma que se reuniu “algumas vezes” com representantes da Turner, no intuito de chegar a um acordo, mas sem sucesso. Procurada por EXAME, a Turner não quis se pronunciar sobre o caso. 

Times na “mesma condição”

Além do parecer de 2017 do Cade, estão na argumentação de Carlezzo a lei brasileira de defesa da concorrência, de 2011 (nº 12.529), e um processo contra a Rede Globo aberto pelo próprio Cade para investigar se o grupo teria tido conduta discriminatória contra os clubes que assinaram com a Turner.

O processo foi aberto em meados de 2016, logo que a Turner começou a negociar com os clubes uma eventual compra dos direitos. Entre 2017 e 2018, mesmo os clubes que haviam assinado com a Turner continuavam exibindo os jogos na Rede Globo, em vista do contrato anterior. 

O Cade emitiu em março deste ano uma nota técnica arquivando o caso e afirmando que não havia nenhuma irregularidade. Na conclusão do órgão, todos os times, mesmo os que firmaram com a Turner, eram pagos de forma semelhante pela Globo: 40% em valores fixos, 30% pela classificação final e 30% pela audiência dos jogos. Dessa forma, times na “mesma condição” ganharam valores parecidos — clubes maiores e com melhor classificação ganharão mais, porém, de forma considerada justa pelo Cade. 

“Esse processo é de extrema relevância para o caso, porque parte do mesmo princípio: o Cade quer apurar conduta discriminatória de cadeias de televisão em relação aos clubes”, diz Carlezzo. 

No negócio com a Turner, o Fortaleza alega que o conterrâneo Ceará, por exemplo, pode ser considerado um clube “na mesma condição”. Os dois times são os maiores do estado e disputaram a final do Campeonato Cearense deste ano, com vitória do Fortaleza. O Ceará terminou a série A do Brasileiro em 2018 em 15º lugar e, em 2017 e 2016, disputou a série B. O Fortaleza disputou a série C em 2016 e 2017 e a série B em 2018. 

No fechamento desta reportagem, na sexta-feira 11, antes da 25ª rodada do Brasileirão, os dois times brigavam para se afastar da zona de rebaixamento na série A: o Fortaleza estava na 13ª posição da tabela, e o Ceará, na 17ª posição, já na zona de rebaixamento.  

Segundo a argumentação da defesa do Fortaleza, do ponto de vista da concorrência, ao dar a um concorrente direto contra a zona da degola mais de 31 milhões de reais de vantagem, a Turner estaria interferindo na livre concorrência futebolística e desfavorecendo um competidor.

É a primeira vez na história brasileira que um time de futebol denuncia ao Cade uma emissora de televisão por prática anticompetitiva nos direitos de transmissão. 

AT&T: conglomerado de telecomunicações norte-americano aguarda aprovação do Brasil para concluir fusão com a Time Warner (Toby Jorrin)

Fusão enrolada

Embora aprovada pelo Cade, a fusão da AT&T e da Warner está atualmente parada na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e também precisa do aval da Ancine (Agência Nacional do Cinema). 

Dos 17 países em que os grupos operam (mais União Europeia), o Brasil é o único que ainda não autorizou a operação. O presidente americano, Donald Trump, fez pressão no deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, para acelerar o caso. O presidente brasileiro pressionou a Anatel para aprovar rapidamente a fusão, mas a votação está parada depois que um conselheiro pediu vista do processo. 

Enquanto isso, o Congresso também discute alterar a lei do Seac, a mesma que hoje impede a fusão. O projeto é complexo porque a lei atual inclui pontos como a exigência de conteúdo nacional na programação. Uma das principais polêmicas é que a nova lei trata também da regulação para serviços de audiovisual na internet, como a Netflix — empresas de streaming hoje não têm as mesmas obrigações das que operam na TV, mas o setor audiovisual nacional defende uma melhor regulação. Como este ponto é polêmico, o governo tenta separá-lo do ponto mais consensual, que é o caso AT&T. 

Outra possibilidade é que a AT&T venda as operações da Sky no Brasil. Com 30% do mercado, a Sky é a segunda maior operadora de TV paga do Brasil. Já a Warner é líder no segmento de programação e dona de 26,32% do mercado, segundo a Ancine. 

Embora o provável é que o caso do Fortaleza não interfira nas discussões sobre a fusão, é possível que o Cade, se julgar a reclamação procedente, aplique algum tipo de multa à Turner, que pode ser de até 20% do faturamento. A multa poderia até mesmo, na teoria, incorrer sobre a Time Warner inteira ou mesmo sobre o grupo AT&T, já que a Turner faz agora parte do conglomerado. No ano passado, a AT&T teve faturamento global de 170,8 bilhões de dólares.

Enquanto o imbróglio jurídico se desenrola, o Fortaleza entre em campo neste domingo, às 16h, em partida contra o Vasco. E tenta se manter na série A, com ou sem bônus. 

Acompanhe tudo sobre:BrasileirãoCearáFortalezaFutebolJogadores de futebolTelevisãoTime WarnerWarner

Mais de Negócios

Uma vaquinha de empresas do RS soma R$ 39 milhões para salvar 30.000 empregos afetados pela enchente

Ele fatura R$ 80 milhões ao transformar gente como a gente em palestrante com agenda cheia

A nova estratégia deste grupo baiano para crescer R$ 1 bilhão em um ano com frotas

Experiente investidor-anjo aponta o que considera 'alerta vermelho' ao analisar uma startup