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O homem que não entendia de vinho

Como Ângelo Salton Neto transformou a Salton na vinícola que mais fatura no Brasil

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Última atualização em 23 de outubro de 2019 às 21h39.

O escritório do empresário Ângelo Salton Neto é tudo o que não se pode esperar da sala do presidente de uma das maiores produtoras de vinho do Brasil, a Salton. Da janela ele não vê nada parecido com videiras espalhadas em vales verdejantes. A poucos metros dali fica a famigerada Casa de Detenção, no bairro do Carandiru, na zona norte de São Paulo. O ambiente é apertado e desconfortável. Não há ar-condicionado. Em dias quentes, Salton recorre a um velho ventilador de metal com pás azuis. Na parede há calendários ganhos de brinde de fim de ano, e a única referência visível à Itália, terra de seus antepassados, é a foto de um polonês, o papa João Paulo II. Amontoam-se numa estante garrafas de vinho vazias e troféus. Na mesa de trabalho de Salton, pilhas de papéis desorganizados, copos vazios, um frasco de adoçante. O computador, permanentemente desligado, tem função pouco ortodoxa. O teclado serve de base à (mais uma) pilha de papéis. Os cerca de dez e-mails diários que recebe são impressos e trazidos pela secretária.

Com produção anual de 18 milhões de litros de vinho e 22 milhões de litros de conhaque, a Salton obteve faturamento de 105 milhões de reais no ano passado, o maior entre as vinícolas nacionais. Em volume, é a segunda, atrás da Cooperativa Aurora. Salton quer que a receita cresça em torno de 10% neste ano. Para isso a empresa está na fase final de construção da maior cantina do país, em Tuiuty, na Serra Gaúcha -- um investimento de 20 milhões de reais que permitirá aumentar a produção para 30 milhões de litros por safra. (Observação necessária: no mundo da enologia, uma cantina é uma fábrica de vinhos, não um restaurante.) Quase metade do faturamento da empresa, porém, não vem de nenhum de seus vinhos. Nos últimos 40 anos, seu principal produto tem sido o Conhaque Presidente, o segundo mais consumido no Brasil, atrás apenas do Dreher. Outro produto importante no catálogo da Salton é o Chalise, também um campeão de vendas. Vendido nos supermercados por cerca de 5 reais, o Chalise representa 23% da receita.

Os tempos da Salton como sinônimo de bebida barata e popular podem estar ficando para trás. Seguindo o mesmo caminho de algumas vinícolas nacionais, a empresa decidiu, no final dos anos 90, investir na produção de vinhos e espumantes finos. Esses novos produtos representam ainda 10% do faturamento -- e é neles que Salton pretende apostar. Seu plano é que daqui a cinco anos vinhos e espumantes finos como o Classic, o Volpi e o Prosecco, vendidos por cerca de 15 reais cada um, cheguem a 20% do faturamento. "Quero ser a referência do vinho nacional de qualidade", diz Salton. "E que o consumidor brasileiro tenha orgulho de pôr uma garrafa da Salton na mesa."

O que esse engenheiro mecânico de 51 anos entende de vinhos? Não muito. Salton está longe de ser um conhecedor dos mistérios da bebida. "Na juventude, não tomava vinho", diz. "Preferia uísque." Ele tropeça na pronúncia do nome de uvas, como a alemã gewürztraminer, usada para produzir um tipo de vinho branco. Mas está se esforçando para entender um pouco mais do produto que fabrica. Recentemente, Salton freqüentou aulas de enologia na Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) e participou de degustações. Em seu vocabulário já entram expressões como "corpo" e "aroma". Há dois anos, tomou um Château Pétrus, um dos vinhos mais desejados e caros do mundo, em circunstâncias peculiares. Ele jantava no restaurante Na poleone, em São Paulo, quando viu na mesa de um conhecido empresário do setor de ensino uma garrafa do célebre vinho francês, safra 1985. Preço: 6 600 reais. Ao ir embora, o empresário deixou uma parte do conteúdo intocada. O vinho foi repartido entre os garçons e os clientes, Salton entre eles. O que ele achou: "Mais ou menos".

Mesmo dando opiniões desconcertantes como essa, Salton parece ser respeitado por seus pares. "Gosto do Salton porque, com o jeito dele, ajuda a chamar atenção para o vinho brasileiro", diz o gaúcho Adriano Miolo, produtor dos vinhos que levam seu nome. Salton é um antiexemplo do fabricante nacional de vinho. Não é gaúcho nem vive perto das vinícolas, como seus principais concorrentes. Nasceu e mora em São Paulo, a quilômetros de distância de sua videira mais próxima. Criado num sobrado de quatro quartos em Santana, na zona norte de São Paulo, cresceu ouvindo tango. "Nada de tarantela", diz Salton.

Fundada em 1910, na cidade de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, a empresa tem um pé em São Paulo desde o final dos anos 30. José Salton, tio-avô de Ângelo e um dos quatro fundadores, abriu uma filial na capital paulista, principal mercado da empresa. Os vinhos eram mandados de navio em barris até o porto de Santos e engarrafados em São Paulo. O negócio prosperou até meados dos anos 40, quando entraram no mercado os vinhos populares feitos na cidade paulista de Jundiaí. Até hoje a produção vinícola jundiaiense é responsável por alguns sucessos na faixa de preço de 5 reais -- o Chapinha, líder de venda na rede Pão de Açúcar, por exemplo, é de lá.

Com a concorrência, a Salton precisou diversificar. Aproveitou as uvas de Bento Gonçalves para fazer um destilado: o Conhaque Presidente, produzido na fábrica do Carandiru. A família Dreher, também de Bento Gonçalves, seguiu o mesmo caminho. O Presidente fez sucesso, principalmente no interior de São Paulo, movido por campanhas publicitárias veiculadas em transmissões de futebol no rádio. Pouco a pouco, a produção de vinho foi sendo reduzida a quantidades ínfimas. Até dez anos atrás, o Presidente representava 90% do faturamento da Salton. Os funcionários da área de vendas tinham ordem de atender a telefonemas com a saudação: "Conhaque Presidente, bom-dia!" O nome da família sumiu na sombra do sucesso de seu carro-chefe. Salton era diretor de vendas da empresa quando foi escolhido pela família para assumir a presidência, há 21 anos. Os vinhos estavam praticamente esquecidos. Algumas marcas de vinhos -- sempre baratos -- foram lançadas pela empresa nos anos 80 e no início da década de 90.

Em meados dos anos 90, com a abertura do mercado, a Salton presenciou a enxurrada de vinhos importados a preços competitivos. Como ela, todos os produtores nacionais sofreram com essa concorrência, que veio para ficar -- hoje os importados representam metade do mercado de vinhos finos, ante cerca de 20% dez anos atrás. Para enfrentá-la, algumas vinícolas nacionais fizeram investimentos para se tornar mais competitivas. Com o fortalecimento da qualidade, do marketing e uma distribuição eficiente, a Miolo, por exemplo, conseguiu levar um vinho fino nacional, o Seleção, ao topo da lista dos mais vendidos. Em cinco anos, o faturamento da Miolo pulou de 3 milhões para 45 milhões de reais.

Casos bem-sucedidos, como o da Miolo, levaram Salton a explorar esse pedaço nobre do mercado. Havia outro motivo: as vendas do conhaque estavam estagnadas. Com margens de lucro até oito vezes maiores que as dos vinhos populares, os vinhos finos tinham a missão de trazer dinheiro -- e mais glamour à empresa. Foram criadas as marcas Classic, Volpi e a linha de espumantes finos -- sempre com uvas viníferas européias, como os concorrentes. Hoje, o preço médio dos melhores vinhos da Salton é 15 reais. Os espumantes são encontrados por mais de 20 reais. São bons? "Em poucos anos, a Salton conseguiu produzir alguns vinhos que estão entre os melhores do Brasil", diz o jornalista Saul Galvão, um dos maiores especialistas brasileiros em vinho. "Os espumantes têm relação qualidade/preço excepcional, muito acima da média." Atualmente, a empresa é a quinta maior produtora de vinhos finos do país, e a segunda em espumantes, depois da Chandon.

A nova cantina de 25 000 metros quadrados, localizada em Tuiuty, deverá cumprir dois objetivos, além de aumentar a produção. Um é dar origem a um parque temático que vai inaugurar um novo negócio da família Salton, o enoturismo. Como ocorre em vinícolas européias, os turistas poderão passear entre os parreirais. De uma passarela a 3 metros de altura, dentro da cantina, eles acompanharão todo o processo de produção do vinho, feito em maquinário de última geração.

A mudança para a nova cantina servirá também para racionalizar a logística. Hoje, a Salton mantém três cantinas separadas e um depósito. "Com a unificação do processo de produção, vamos diminuir os custos em cerca de 20%", diz Antônio Salton, primo de Ângelo, único remanescente da segunda geração da família na empresa, responsável pelas operações na matriz, em Bento Gonçalves.

A qualidade da produção é outro item importante da agenda. A empresa, que já possuía 100 hectares de vinhedos e comprava cerca de 15 toneladas de uva de 1 100 produtores na Serra Gaúcha, expandiu a plantação de uvas para Bagé, na fronteira com o Uruguai -- região onde a Miolo já está instalada --, cultivando 165 hectares de parreiras importadas. Com as uvas de Bagé, a Salton espera produzir vinhos tintos de qualidade superior. Isso porque, ideais para espumantes, a terra e o clima da Serra Gaúcha não são favoráveis à produção de tintos.

A Salton, assim como as concorrentes, investe num mercado incerto. Há muito tempo o consumo per capita de vinho está estagnado em 1,8 litro por ano. O volume de vinhos finos comercializados no país caiu de 54 milhões de litros, em 1996, para 49 milhões em 2002. Caso seja deduzido o aumento da participação dos importados, verifica-se que as vendas dos nacionais caíram cerca de 30% nesse período. "O crescimento do consumo de vinhos finos esbarra, principalmente, na baixa renda média da população", diz Letícia Costa, presidente da consultoria Booz Allen Hamilton. "Há também o velho entrave cultural: o brasileiro ainda não tem o hábito de beber vinho."

Os vinhos importados do Chile e, especialmente, da Argentina têm boa qualidade e preços baixos. "O dólar de importação é subsidiado, por volta dos 2,30 reais, e a Argentina se beneficia das tarifas de importação do Mercosul", diz Danilo Cavagni, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra). Segundo a Uvibra, a carga tributária sobre o vinho nacional chega a 46%. "Antes, investíamos em qualidade para ganhar dinheiro", diz Adriano Miolo. "Hoje, é questão de sobrevivência: quem não tiver qualidade e preço competitivo está fora do mercado."

Salton não aparenta preocupação com o cenário não muito promissor. Caso o consumo total não cresça, ele já decidiu investir com mais vigor para roubar mercado dos importados de baixa qualidade e de concorrentes nacionais, como a Miolo e a Chandon -- uma tarefa para lá de difícil para quem não é especialista em vinhos e espumantes. Mas ele não se intimida. "De tocar a empresa para a frente, eu entendo", diz Salton.

DESTAQUES DA ADEGA
Participação dos maiores produtores nacionais e suas principais
marcas no mercado brasileiro de vinhos finos, estimado em 800 milhões de
reais em 2002
Importados
48,8%
Outros
16,3%
Cooperativa Aurora Marcus James
10%
Miolo* Seleção, Reserva
7,5%
Pernod Ricard Almadén, Forestier
6,8%
Bacardi-Martini Baron de Lantier, Château Duvalier
5,5%
SALTON Classic, Volpi
5,1%
*Inclui a produção no Nordeste
Fonte: Uvibra

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