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No Rio, CEO do Grindr fala do reposicionamento do app: de encontros casuais para comunidades

George Arison subiu ao palco do evento de inovação Web Summit Rio para anunciar mudanças no app voltado a homens gays por onde passaram 121 bilhões de chats só no ano passado

George Arison, CEO do aplicativo gay Grindr: "Há mais sentimentos de solidão na nossa base de usuários do que em outros círculos. Isso é fato, não estou dizendo que é bom ou ruim. É assim que é." (Web Summit Rio/Divulgação)
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 17 de abril de 2024 às 15h46.

Última atualização em 17 de abril de 2024 às 15h51.

O georgiano George Arison é um sujeito afeito à ideia de liberdade – sobretudo a sexual. Nascido em 1977, em pleno regime comunista da União Soviética, ele emigrou aos Estados Unidos com 14 anos. Após estudar ciência política e viver por um tempo em Washington, onde tentou uma carreira na política e em think tanks ligados a movimentos políticos, em 2014 ele deu uma guinada para a carreira executiva. Após mudar-se para São Francisco, ele empreendeu com a Shift, uma revenda online de veículos listada na Nasdaq através de um SPAC desde 2020.

Desde setembro de 2022, ele é o CEO do Grindr, o principal aplicativo de relacionamento entre homens. Fundado em 2012, o Grindr virou um fenômeno global de engajamento sem fazer muito esforço. Atualmente, 13 milhões de usuários usam a ferramenta para, principalmente, buscar um parceiro para encontros fortuitos. Em 2023, 121 bilhões de conversas passaram pelo app.

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O que começou como um aplicativo para encontros hoje virou um monte de outras coisas. Por ali, gays trocam dicas de cuidados de saúde, indicações de restaurantes e hoteis. Há ainda a oferta de toda sorte de serviços. Alguns controversos, como prostituição, outros ilegais, como drogas, à revelia dos 200 moderadores humanos e dos robôs que tentam com algoritmos derrubar do ar os perfis infratores.

Gaybourhood para pessoas solitárias

Arison vê esse turbilhão online com o olhar de negócios. Ele está à frente de uma campanha de reposicionamento do Grindr. Daqui para frente, o app quer ser visto como uma comunidade de usuários com interesses compartilhados. Em certa medida, a ideia é emular o senso de comunidade em certos territórios escolhidos como morada por homens gays ao redor do mundo. Ou seja, nas palavras de Arison, a ideia é criar um ‘gayborhood’ – junção de ‘gay’ e ‘neighbourhood’, nome que será dado a módulos para oferta de produtos e serviços a serem lançados no app nos próximos meses.

O Brasil está no centro dessa nova estratégia. O Brasil é um dos top 10 países com mais usuários na ferramenta. Apesar disso, mantém um perfil discreto por aqui. Ao contrário de concorrentes como Hornet ou Scruff, cujo marketing é constante em boates e outros eventos voltados à comunidade LGBTI+, o Grindr segue o app mais comentado entre os gays brasileiros mesmo sem muito esforço.

Arison quer mudar isso. Para isso, viajou de São Francisco, onde mora com o marido e dois filhos, para falar sobre a estratégia do Grindr no Web Summit Rio, evento de inovação e empreendedorismo que vem sendo realizado esta semana no Rio de Janeiro. No evento, a companhia anunciou a criação de um serviço chamado Roam, em que usuários poderão listar seus perfis em outras cidades. A ideia é aumentar a interação entre homens de lugares com pouca concentração de gays e a de usuários dos grandes centros, onde a densidade desse público é maior.

As novidades vêm num bom momento da empresa, que foi comprada pelo grupo chinês de games Kumlun Tech em 2016 e é listada na New York Stock Exchange desde 2022 após a pressão de autoridades americanas forçar a saída dos sócios chineses em 2020. Em 2023, a empresa faturou 260 milhões de dólares, e teve um lucro operacional de 55 milhões de dólares e com uma margem Ebitda de 42%. Para 2024, o guidance é de uma expansão de 23% nas receitas e a manutenção de uma margem de Ebitda acima de 40%.

Na entrevista a seguir, concedida no estande da empresa, um dos mais concorridos do evento, Arison fala sobre os desafios do modelo de negócios do Grindr. Entre eles, o de manter um app de relacionamentos num mundo de pessoas solitárias. “Há mais sentimentos de solidão na nossa base de usuários do que em outros círculos. Isso é fato, não estou dizendo que é bom ou ruim. É assim que é”, diz ele. “ A solidão pode ser abordada para as pessoas de diferentes maneiras. Algumas procuram satisfação em ferramentas digitais. Quem sou eu para impedi-las?”

O que o Grindr veio fazer numa feira de inovação e empreendedorismo?

O motivo de estarmos aqui, em primeiro lugar, é porque estamos comemorando 15 anos. Queríamos fazer um evento para celebrar e agradecer a todos. Estamos lançando uma ativação num ônibus que percorrerá todo o Estados Unidos nos próximos meses. Uma das coisas que percebemos ao conversar com nossos usuários no último ano é que o Grindr é usado de muitas maneiras diferentes da funcionalidade original.

O que mudou em 15 anos?

O aplicativo foi fundado para facilitar encontros casuais entre homens que fazem sexo com homens. Atualmente, o aplicativo é usado para isso, mas também para relacionamentos de longo prazo ou mesmo amizades. Uma pesquisa recente mostrou que quatro entre dez casais gays dos Estados Unidos usaram o Grindr como forma de os parceiros se conhecerem. Eles podem até ter usado outros aplicativos, mas o Grindr fez parte em algum momento do flerte. É um engajamento muito alto. Além disso, muitos usuários usam para fazer networking.

Como?

Muitos relatam, por exemplo, estar em viagem e abrir o app para perguntar coisas do tipo em qual restaurante deveria comer ou onde ficar. Além disso, muita gente usa o app para obter informações sobre a própria saúde, como dicas de prevenção ao HIV ou vacinas a ISTs como varíola dos macacos. A verdade é que na vida real há décadas existem essas comunidades que chamamos de gayborhoods (bairros gays) para onde as pessoas se mudam para viver sua sexualidade de maneira mais livre dentro de sua jornada de autoaceitação. Ali, estão mais perto de pessoas como eles. Eles têm bares, boates, lugares divertidos para ir, provedores de saúde que tratam de um jeito diferente de um médico que não é gay. A nossa visão do Grindr é a de que conseguimos recriar um gayborhood dentro do telefone dos nossos usuários.

Como vocês pensam em explorar a ideia do gayborhood dentro do modelo de negócios do Grindr?

Essa visão está no nosso planejamento de longo prazo, do que queremos ser nos próximos 15 anos. Queremos ser muito mais do que apenas um aplicativo de namoro, e por isso estamos lançando a ideia de gayborhood como parte da missão do Grindr. Nos próximos meses deveremos ter novidades no app ligados a essa ideia. Vamos estrear uma função Roam, na qual um usuário poderá ter um perfil numa cidade diferente da que vive. Hoje, para aparecer na lista de pessoas no Rio ou em São Paulo é preciso estar fisicamente nas duas cidades. Isso restringe as chances de socialização de quem vive longe desses grandes centros. Temos muitos usuários tímidos e que têm dificuldades em iniciar conversas. Com a ferramenta, o perfil deles vai aparecer para muito mais gente. E as chances de eles encontrarem parceiros no app pode aumentar.

O app tem uma base de 13 milhões de usuários que abrem o app por mês. Dá para monetizar essa base de outras maneiras, virando um marketplace por exemplo?

Virar um mercado para compra e venda de produtos e serviços talvez não. Vejo nosso produto como um motor de distribuição de produtos e serviços. Por exemplo: queremos no futuro criar listas com recomendações de hoteis, restaurantes e festas para pessoas gays em determinadas cidades e fazer negócios a partir destas recomendações.

Vocês monitoram comportamentos de usuários em regiões específicas, como o Brasil? Há alguma particularidade dos brasileiros no Grindr?

A gente roda um negócio global e não por regiões. Honestamente, nunca estivemos muito focados num país específico. Mas queremos mudar isso. Nossa linguagem no aplicativo pode ser mais localizada. Sobre o Brasil, o que posso dizer é que o país é um dos nossos 10 principais mercados, o que faz sentido em função do tamanho do país, nível de renda e desenvolvimento. O surpreendente é que conseguimos isso praticamente sem marketing. Tudo foi orgânico. Essa ação de marketing que estamos fazendo no Web Summit é a primeira do Grindr no Brasil em pelo menos três gestões do aplicativo.

Como é a política do Grindr sobre o uso do app para atividades controversas, como ofertas de prostituição dentro do app, ou mesmo ilegais, como a venda de drogas?

Temos uma política de tolerância zero para venda de drogas e pedofilia. Temos 200 moderadores humanos e usamos a inteligência artificial para rastrear esse tipo de ocorrência. Sobre a prostituição, ela também não é permitida no Grindr. O que acontece, contudo, é a oferta desse tipo de serviço escondida dentro de outras ofertas, como a de usuários oferecendo-se para fazer massagens em outros usuários, por exemplo. Contamos também com o apoio da comunidade para denunciar esse tipo de comportamento. A denúncia de usuários do Grindr é muito mais ampla do que em outros aplicativos de relacionamento. As pessoas realmente se importam com a qualidade do produto. Entendo que temos avançado nesse ponto. As denúncias de atividades ilegais na ferramenta caíram 50% nos últimos três anos.

Em paralelo, muitos usuários reclamam que os bugs aumentaram consideravelmente nos últimos meses no app. O app inclusive tem uma nota baixa nas lojas virtuais do Android e da Apple. Qual é o motivo?

Estamos passando pela maior mudança tecnológica do aplicativo desde, pelo menos, 2012. O app foi construído sobre uma infraestrutura de armazenamento em servidores locais. De lá para cá, o volume de tráfego aumentou muito. No ano passado, 121 bilhões de chats foram enviados pelos usuários do Grindr. As pessoas falam muito no aplicativo (risos). Agora, estamos movendo toda a nossa infraestrutura para uma nuvem da Amazon. Começamos a mudança com um grupo pequeno de usuários e estamos levando o processo para toda a base neste início de 2024. A mudança vai permitir fazer coisas novas na ferramenta, como por exemplo permitir aos usuários personalizarem suas caixas de entrada de mensagens.

Pesquisas mostram que as novas gerações estão fazendo menos sexo do que gerações passadas. Ao mesmo tempo, o consumo de pornografia é um fenômeno global, sobretudo entre os mais jovens. Muita gente fala, aqui e ali, que os relacionamentos estão em crise. Qual é o papel de um aplicativo como o Grindr num mundo de muita gente com frustração sexual?

Sou uma pessoa muito sortuda na vida. Nasci na Geórgia, então uma república soviética e comunista, e tive a oportunidade de viver na América, e de desfrutar das bênçãos de uma sociedade muito livre. Acredito que todos devem ter o direito de ter uma sociedade livre. E, francamente, acho muito difícil defender o casamento gay se você não acredita em liberdade. Entendo que, em primeiro lugar, não é meu trabalho dizer às pessoas como elas devem viver. Partimos do pressuposto que os usuários do Grindr são adultos fazendo escolhas. Agora, a realidade é que muitas vezes as pessoas têm solidão. Há mais sentimentos de solidão na nossa base de usuários do que em outros círculos. Isso é fato, não estou dizendo que é bom ou ruim. É assim que é.

Há algo a ser feito sobre a solidão de homens gays que entram no Grindr?

Entendo, portanto, que podemos desempenhar um papel realmente ativo em ajudar a abordar a solidão e há várias medidas que estamos fazendo para ajudar nossos usuários nesse sentido. Quando me mudei para São Francisco, vindo de Washington, em 2010, eu tinha muitos amigos heterossexuais, mas não tinha amigos gays. O Grindr e outros aplicativos me ajudaram a conhecer muitos dos meus amigos. Construí uma rede. Eu não saí com nenhum deles, mas até hoje esses são amigos muito próximos meus com quem eu saio muito e você sabe que eles são parte da minha vida. Tipo, eles resolveram minha solidão. A solidão pode ser abordada para as pessoas de diferentes maneiras. Algumas procuram satisfação em ferramentas digitais. Quem sou eu para impedi-las?

Atualmente, como você usa o Grindr?

Olha, eu sou casado. Eu sou muito feliz casado. Eu tenho dois filhos. Eu sou muito sortudo. Ter filhos e ser casado foi meu objetivo por anos. Eu nunca farei nada para prejudicar isso ou para danificar isso. Mas eu estou no Grindr. Falo com as pessoas o tempo todo lá. É valioso para mim do ponto de vista da pesquisa. Eu não digo às pessoas quem eu sou porque, se eu dissesse, elas falariam comigo de maneira muito diferente. Então, eu realmente só quero saber o que eles pensam. Então, muito poucas pessoas no Grindr sabem quem eu sou de propósito, o que eu acho que é realmente útil porque algumas das funcionalidades que serão lançadas este ano. Eu obtive de usuários conversando com eles no Grindr, incluindo a ferramenta de Roam que iremos lançar.

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