Super Bowl: neste domingo (3), a disputa marca sua 53ª edição trazendo o reencontro do New England Patriots e Los Angeles Rams (Jason Hanna/Getty Images)
Mariana Martucci
Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 06h10.
Domingo é dia de Super Bowl, o evento esportivo que desafia a dominância do streaming no maior mercado de entretenimento do mundo, os Estados Unidos. Em 2018, o tradicional encerramento da Liga Nacional de Futebol Americano (NFL) teve seu terceiro ano consecutivo de declínio de público, atingindo a menor audiência desde 2009. Mesmo assim, o campeonato faz mais dinheiro do que nunca: 14 bilhões de dólares por ano. E, apesar do declínio no número de assinantes nos Estados Unidos, sustenta contratos multimilionários — e duradouros — com a TV a cabo.
Não é para menos. Quatro dos dez programas mais vistos de todos os tempos nos EUA são Super Bowls, segundo Nielsen Media Research. “A NFL tem, de longe, um dos contratos mais caros de esportes nos Estados Unidos. Eles estão satisfeitos com o status quo”, diz Andrew Zimbalist, professor de Economia da Smith College, especialista em negócios esportivos. Os últimos acordos firmados - com a CBS, ESPN, Fox e NBC - tiveram um aumento de 66% nos valores cobrados. Sozinha, a ESPN paga 1,9 bilhão de dólares por ano pela transmissão do Monday Night Football, num contrato que irá expirar apenas em 2021.
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Os conteúdos de esporte são caros o suficiente para aumentar os custos gerais dos pacotes vendidos pelas empresas de TV por assinatura. O problema é que eles elevam os preços aos consumidores, tornando o negócio cada vez mais caro e menos sustentável na competição com os serviços de streaming como a Netflix.
Apesar da lua de mel com as TVs a Cabo, a NFL vem flexibilizando os contratos de transmissão com as emissoras nos últimos anos e a fila andou. Na temporada de 2017, a plataforma de conteúdo sob demanda Verizon Communications Inc. pagou centenas de milhões de dólares pelo direito de exibir os jogos da liga exclusivamente para seus clientes móveis. Há dois anos, o Twitter pagou 10 milhões de dólares pelos direitos de transmissão de dez jogos — os quais seriam transmitidos também pela TV.
A ascensão de serviços streaming divide a demanda por conteúdos de entretenimento doméstico. Em 2017, a plataforma global de filmes e séries superou o número de assinantes da TV a cabo nos Estados Unidos, considerado o maior mercado do mundo no segmento. Entre 2017 e 2018, os serviços de TV via streaming nos Estados Unidos aumentaram em 292% o número de execuções. Dentro deste universo, a capacidade de sintonizar conteúdos ao vivo, como esportes, é o que mais atrai os usuários.
A NFL apresentou um aumento de 72% nas visualizações via streaming no terceiro trimestre de 2018, em relação ao mesmo período de 2017. Mesmo com a TV a cabo dominando as transmissões, o streaming responderá por 11% das exibições do Super Bowl 2019, segundo uma pesquisa da PCMag. Ainda não está claro o que a distribuição dos jogos da liga em várias plataformas significa para a audiência da NFL, mas, para Zimbalist, “ela vai resistir à incerteza que as novas plataformas online irão trazer para seu reino”.
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O sucesso do streaming não se restringiu apenas ao território americano. No Brasil, a Netflix terminou 2018 com 10 milhões de usuários, aquecendo o mercado dos aplicativos on demand. A ESPN entrou no jogo, com o como Watch ESPN, “para atendermos o fã de esporte onde quer que ele esteja”, explica o diretor geral do canal no Brasil, German Hartenstein.
Aqui, o futebol americano é um esporte de nicho e cresce não só na audiência como também no número de praticantes no território nacional. Segundo dados da ESPN, a audiência da NFL entre os brasileiros cresceu 78% entre 2014 e 2018, quebrando recordes pelo terceiro ano consecutivo.
O Brasil já é o segundo maior mercado da NFL fora dos Estados Unidos, ficando atrás apenas do México. “O futebol americano já é um esporte maduro nos Estados Unidos, sendo normal sua estagnação. Já no Brasil, é diferente, observamos um crescimento contínuo da audiência”, completa German.
Apesar dos gordos contratos de transmissão, a NFL enfrenta uma crescente onda de desafios -- boa parte deles originado no fato de que a liga parece ter os dois pés fincados no século 20, enquanto uma crescente geração de consumidores cobra o esporte por posturas que até pouco tempo não entravam em campo.
O ex-quarterback do San Francisco 49ers, Colin Kaepernick, é o mais ruidoso dos problemas. Protestando contra a violência policial e intensificando o discurso do movimento Black Lives Matter, Kaepernick passou a ajoelhar-se em campo durante a execução do hino nacional americano. A atitude do jogador foi seguida por outro companheiro do time, Eric Reid, e também por uma série de outros jogadores da liga.
A cena foi vista por parte dos americanos como um desrespeito à bandeira dos EUA e ao próprio país. Um dos defensores desta opinião foi o presidente americano, Donald Trump, que afirmou “Vocês não adorariam ver um desses donos da NFL, quando alguém desrespeita nossa bandeira, dizer ‘tirem esse filho da puta do campo agora. Fora. Está demitido. Demitido!’?”.
Desde 2017, Kaepernick está fora dos campos e não chegou a renovar seu contrato com o San Francisco 49ers. O jogador acusou a NFL de boicote em razão de sua posição política. O gesto gerou polêmica dentro e fora dos campos, abrindo discussão para temas como liberdade de expressão, racismo e patriotismo.
Outra questão que até pouco tempo não geraria celeuma: lesões. Após exames em cérebros de jogadores de futebol americano que já haviam morrido, pesquisadores descobriram que 99% deles apresentavam sinais de doenças degenerativas. Acredita-se que as pancadas na cabeça sofridas pelos jogadores tenham causado ETC (encefalopatia traumática crônica), o que causa sintomas como perda de memória, vertigem, depressão e demência.
Nos últimos anos, a liga enfrenta críticas e processos ligados às concussões. Em 2015, a NFL fechou um acordo de mais de 1 bilhão de dólares para resolver as questões judiciais de antigos jogadores que sofriam de problemas neurológicos. Desde de 2012, estima-se que o número de crianças que pratica o esporte caiu 22%, após a repercussão dos casos envolvendo os jogadores da liga.
Está tudo bem com o SuperBowl 53, apesar da Netflix. O desafio de longo prazo, porém, continua bem vivo na "end zone".