Mudanças na cervejaria AB InBev aceleram sucessão no 3G
Trio de investidores liderado por Jorge Paulo Lemann tem desafio de se conectar com consumidor do século 21
Lucas Amorim
Publicado em 20 de março de 2019 às 12h30.
Última atualização em 11 de julho de 2019 às 17h26.
A fabricante de cervejas Anheuser-Busch InBev ( AB InBev ) anunciou nesta terça-feira uma série de mudanças em seu conselho de administração que sinalizam uma aceleração nas mudanças na condução tanto da companhia quanto de seus investidores. A cervejaria é o principal negócio do trio de investidores brasileiros que nos anos 80 começou a construir um império empresarial a partir da cervejaria Brahma e das Lojas Americanas: Jorge Paulo Lemann , Marcel Telles e Beto Sicupira, sócios do fundo 3G.
Dos três, Lemann está há mais tempo está afastado do dia-a-dia dos conselhos. Atualmente ele recupera-se de uma cirurgia nos joelhos que o deixará em casa, na Suíça, pelo menos até meados abril. Mas seus sócios históricos ainda ocupavam posições importantes no comando das principais companhias do grupo, e vem tratando de passar o bastão nos aos poucos.
O movimento ganhou força em abril do ano passado, quando o megainvestidor americano Warren Buffett, sócio do 3G na fabricante de alimentos Kraft Heinz, deixou o conselho da companhia. Em fevereiro deste ano foi Marcel Telles quem deixou o conselho da companhia. Um ano antes Marcel já havia deixado sua cadeira no conselho da cervejaria brasileira Ambev.
Nesta terça-feira foi a vez de Carlos Alberto Sicupira deixar o conselho de administração da AB InBev. Alexandre Behring, sócio do 3G e responsável pelas principais negociações internacionais do grupo, também anunciou sua saída. Além deles, estão de saída do conselho Olivier Goudet, sócio da empresa de investimentos JAB Holding e Stéfan Descheemaeker, presidente da empresa de alimentos europeia Noman Foods. As mudanças devem ser chanceladas numa assembleia de acionistas marcada para o dia 24 de abril. Em nota, a AB InBev agradeceu os executivos “pelo notável empenho e pelas valiosas contribuições à empresa”, e desejou “grande sucesso em seus futuros empreendimentos”.
A saída de Sicupira é a mais emblemática do pacote, sobretudo pela substituta indicada: sua filha Cecilia. Ela já ocupa uma cadeira nos conselhos da cervejaria Ambev e das Lojas Americanas, e também já foi conselheira da RBI, dona da rede de restaurantes Burger King e outro negócio importante do 3G.
Pessoas próximas às empresas do grupo afirmam que as mudanças recentes reforçam a necessidade de renovação na estratégia de negócios. “Eles precisam ter mais contato com clientes, usar mais inteligência artificial e novas tecnologias”, diz um investidor. Além de recuperar as empresas já investidas, o trio tem novos investimentos que apontam para o futuro. Lemann, por exemplo, é sócio da empresa de pagamentos Stone e da Movile, conglomerado de tecnologia dono de negócios como o aplicativo de entregas iFood.
As mudanças acontecem após um ano especialmente desafiador para as empresas do trio. A queda no valor de mercado sobretudo da Kraft Heinz derrubou em 13 bilhões de dólares a fortuna acumulada dos três em 2018, segundo levantamento da revista Forbes.
Enquanto a Kraft Heinz sofre para conseguir se conectar com consumidores do século 21, os desafios da AB InBev estão mais no campo financeiro. Com a compra de uma série de cervejarias nos últimos anos, como a americana Goose Island e a brasileira Colorado, a cervejaria conseguiu embarcar na onda da cerveja artesanal, que vem mudando a cara do setor.
Mas a companhia sofre com endividamento alto desde a aquisição da concorrente SAB Miller por 108 bilhões de dólares em 2015. Como consequência, a dívida líquida chegou a 5,5 vezes o Ebitda (resultado antes de impostos e taxas), e baixou para 4,6 vezes, segundo resultado divulgado ontem. Ainda assim num patamar considerado desafiador por analistas.
No campo operacional, a batalha com as artesanais e com concorrentes que vêm ganhando tração, como a holandesa Heineken, deve manter a vida dura. As ações da AB InBev chegaram a crescer 6% em um só dia no início de março com o anúncio de um amento anual de 8% no resultado operacional em 2018, mas ainda acumulam queda de 25% desde a compra da SAB Miller. Nos Estados Unidos, os brasileiros sofrem por não ter conseguido implantar um modelo que alia capacidade comercial e de distribuição, como estão acostumados no Brasil, por barreiras regulatórias.
Em novos mercados, como o chinês, ainda estão no período de aprendizado. Ontem, na leva de mudanças no conselho, foi indicada a engenheira Xiaozhi Liu, nascida na China, para ajudar neste processo. O analista Edward Mundy, do banco de investimentos Jefferies, afirmou que a nova composição do conselho da AB InBev mostra o quão importante é para o grupo manter a continuidade de sua cultura de gestão.
A cultura permanece. Mas se a geração atual do 3G conseguiu deixar o Brasil e vencer na América, o sucesso da próxima passa obrigatoriamente pela Ásia.