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Lobby do refrigerante silencia organizações de saúde na Colômbia

Médica de organização que discute os riscos do consumo do açúcar sofreu ameaças; indústria conseguiu barrar propagandas contrárias aos refrigerantes

Organização que apoiou o alerta contra o consumo de bebidas açucaradas vem sofrendo ameaças

Organização que apoiou o alerta contra o consumo de bebidas açucaradas vem sofrendo ameaças

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Da Redação

Publicado em 4 de dezembro de 2017 às 11h25.

Última atualização em 4 de dezembro de 2017 às 11h34.

Bogotá, Colômbia – Começou com telefonemas ameaçadores, estranhos problemas nos computadores do escritório e homens em carros estacionados fotografando a entrada dos pequenos escritórios do grupo de defesa do consumidor.

Em dezembro do ano passado, a Dra. Esperanza Cerón, que chefia a organização, disse que dois homens em motocicletas pararam ao lado de seu carro e bateram na janela.

“Se não fechar a boca, você sabe quais serão as consequências”, ela se recorda de um dos homens ter gritado.

O episódio lembrou a intimidação usada contra aqueles que desafiaram os cartéis de drogas que antes dominavam a Colômbia.

Mas Cerón e seus colegas haviam perturbado uma outra indústria de vários bilhões de dólares: os fabricantes de bebidas açucaradas.

Sua organização, a Educar Consumidores, apoiou um imposto de 20 por cento sobre as bebidas açucaradas.

O grupo advertiu os consumidores em um anúncio que as bebidas carregadas de açúcar podem levar à obesidade e a doenças relacionadas à alimentação, como o diabetes.

A reação foi feroz. Uma agência do governo colombiano, respondendo a uma queixa da principal empresa de refrigerantes do país, que afirmou que a propaganda era enganosa, ordenou que fosse tirada do ar. Então, proibiu Cerón e seus colegas de discutir os riscos do açúcar.

“A indústria vê os impostos sobre bebidas açucaradas como uma ameaça existencial”, disse o Dr. James Krieger, diretor executivo da Healthy Food America, que acompanha as iniciativas de taxar essas bebidas. Nos Estados Unidos, a indústria gastou pelo menos US$107 milhões nos níveis estadual e local desde 2009 para combater os impostos sobre refrigerantes. Comparado com as táticas nos Estados Unidos, Krieger disse, no exterior “é muito mais sujo, muito mais violento”.

Nunca foi provado que o assédio a Cerón e seus colegas tenha vindo da indústria, e os promotores federais se recusaram a investigar.

Em resposta a perguntas do New York Times, a Coca-Cola e a Pepsi disseram que não estavam envolvidas, e a Postobón, empresa de refrigerantes que apresentou a queixa sobre o anúncio da organização, dirigiu as questões para a Associação Nacional de Empresários da Colômbia.

A América Latina superou os EUA como o maior mercado mundial de refrigerantes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, com vendas as duplicando na região desde 2000, enquanto diminuíam nos Estados Unidos.

“Colocar um imposto sobre nossos produtos e não fazer mais nada não vai resolver o problema da obesidade neste país ou globalmente”, disse William Dermody, porta-voz da American Beverage Association, grupo comercial da indústria.

Na Colômbia, o refrigerante é muitas vezes mais barato do que a água engarrafada. O volume de vendas de bebidas carbonatadas aqui aumentou mais de 25 por cento nos últimos 15 anos; na mesma época, nos Estados Unidos, caiu 12 por cento, de acordo com a Euromonitor, uma empresa de pesquisa de mercado.

A Postobón, empresa nacional de bebidas da Colômbia e distribuidora da Pepsi, faz parte de um enorme conglomerado que inclui produtores de cana-de-açúcar, usinas de açúcar e a maior empresa de mídia do país, a RCN Televisión, que ajudou a divulgar a mensagem antitributária. Postobón e RCN recusaram os pedidos de entrevista.

Em março de 2016, o ministro da Saúde da Colômbia, Alejandro Gaviria Uribe, propôs um imposto de 20 por cento sobre refrigerantes e bebidas açucaradas que se tornou parte de uma revisão fiscal ainda maior apoiada pelo presidente colombiano e pelo Ministério das Finanças.

A medida foi projetada para injetar US$340 milhões por ano no sistema nacional de saúde subfinanciado da Colômbia, mas Gaviria tinha um objetivo maior: reduzir o consumo de refrigerantes em um país com uma taxa de obesidade que triplicou desde 1980, chegando a 19 por cento dos adultos.

Incentivada, a organização de 10 funcionários de Cerón formou uma coalizão chamada Aliança para a Saúde Alimentar.

Pesquisas de opinião mostraram que 70 por cento do público apoiou o imposto. No entanto, apenas 42 legisladores no Congresso de 268 cadeiras disseram apoiar a medida.

O debate aumentou em agosto de 2016, quando os canais de televisão de todo o país começaram a exibir um anúncio, produzido pelo grupo de Cerón, que usava dados da OMS. Quatro copos de bebidas açucaradas por dia, dizia o anúncio, podiam equivaler a até 47 colheres de chá de açúcar.

A Postobón apresentou uma queixa junto à agência governamental de proteção ao consumidor.

A Escola de Saúde Pública de Harvard relatou estudos múltiplos que respaldaram a afirmação da propaganda.

“Cada fato e dado citados nesse anúncio tem base na ciência convencional”, disse Luis Fernando Gómez, professor de Medicina Preventiva na Universidade Javeriana de Bogotá, que apoiou a medida tributária.

Mas apenas duas semanas depois, a agência colombiana de proteção ao consumidor ordenou que o comercial fosse retirado do ar. A decisão também impediu que os funcionários da Educar Consumidores falassem publicamente sobre os vínculos entre açúcar e obesidade.

“Fomos completamente calados. Censurados”, disse Cerón.

A Postobón, a RCN e aliados como a Associação Nacional de Negócios da Colômbia levaram a mensagem de que o imposto custaria empregos, dizimaria proprietários de lojas de conveniência independentes e sufocaria a economia.

“Na Colômbia, a indústria açucareira e as principais empresas de mídia pertencem aos mesmos conglomerados econômicos. Seu poder é intimidador. E eles o usam”, disse Gaviria, ministro da Saúde.

No final de 2016, pelo menos 90 lobistas trabalharam para influenciar os legisladores, de acordo com um registro de visitantes recorde obtido pela Educar Consumidores.

Os empregados dos escritórios da Educar começaram a achar difícil usar a internet no trabalho. “Às vezes, não conseguíamos trabalhar porque os laptops deixavam de obedecer e o mouse só fazia o que queria”, disse Diana Vivas, advogada do grupo.

Andrés Erazo, consultor de tecnologia de longa data da Educar, disse que descobriu que o software antivírus em computadores no local de trabalho havia sido desativado. Ele também encontrou um spyware no roteador do escritório que deu abriu o acesso ao tráfego da internet e à comunicação on-line da organização.

Um exame independente dos computadores da Educar feito a pedido do New York Times pela CSIETE, empresa de segurança na internet em Bogotá, não apresentou nenhum malware. Giovanni Cruz Forero, diretor executivo da empresa, disse que os funcionários da Educar formataram um dos dois laptops do escritório que a empresa examinou, o que teria apagado evidências de adulteração.

Uma madrugada em meados de novembro, Cerón ficou assustada às 5 da manhã com uma ligação.

“Cale a boca, sua velha”, gritou a pessoa do outro lado, de acordo com um relatório que ela arquivou na procuradoria da Colômbia.

No início de dezembro, Cerón estava caminhando para a academia quando um homem com um casaco com capuz a abordou. “Cállese”, gritou ele antes de se afastar, ou “fique com a boca fechada”.

Enquanto isso, os editores do jornal mais antigo da Colômbia, o El Espectador, tenta cobrir a luta fiscal dos refrigerantes de forma imparcial nas páginas de notícias, mesmo apoiando o imposto em seus editoriais.

Os executivos da indústria ficaram especialmente aborrecidos quando o jornal produziu um vídeo provocando aqueles que se opunham ao imposto.

A apresentadora, María Paulina Baena, com cristais de açúcar salpicados nos lábios, atacou a indústria e os membros do Congresso por divulgarem informações erradas sobre o imposto proposto. Ela terminou o vídeo com a imagem de uma garrafa de Sprite e um slogan de um dos anúncios populares da bebida: “As coisas são como são”.

O vídeo foi publicado pouco antes da meia-noite em 15 de dezembro, chegando rapidamente a 500 mil visualizações. De manhã, Fidel Cano, editor do El Espectador, disse ter recebido um telefonema de um executivo de publicidade do jornal que lhe disse que um representante da Coca-Cola ligou reclamando e exigiu que a garrafa de Sprite fosse removida.

Cano não gosta de se lembrar do que veio depois. Com a perspectiva de litígio e perda de receita de anúncios, ele diz ter ordenado que a garrafa fosse editada.

No último dia de 2016, os adversários do imposto saíram vitoriosos. Usando uma manobra processual complexa, líderes do Congresso acabaram com o imposto de refrigerantes.

Cerón e seu time obtiveram uma vitória há duas semanas, quando o Tribunal Constitucional do país anulou a decisão da agência do consumidor de silenciar a Educar.

“A única pena é que ela chegou muito tarde”, disse Cerón.

No verão passado, a Postobón lançou o Kufu, uma nova bebida com sabor de manga formulada para crianças. A Postobón disse que as vitaminas e minerais adicionados à fórmula “promoverão o desenvolvimento cognitivo, fortalecerão a imunidade e deixarão os ossos saudáveis”, de acordo com uma brilhante nota do evento publicada pelo jornal La República, adquirido no ano passado pela empresa dona da Postobón.

A Postobón disse que iria distribuir Kufu de graça diariamente a milhares de crianças carentes em uma região pobre.

O artigo do jornal La República, no entanto, não mencionou um ingrediente chave: de acordo com o rótulo da bebida, uma caixa do suco contém 13 gramas de açúcar, mais de metade da quantia diária recomendada para crianças.

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