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Jack Dorsey fica no Twitter, mas precisa provar que rede social pode mais

O presidente quase foi expulso da própria empresa que fundou. Agora, será cada vez mais pressionado a aumentar base de usuários da rede social

Jack Dorsey: presidente do Twitter fez acordo para ficar na empresa (Cole Burston/Bloomberg via Getty Images/Getty Images)

Jack Dorsey: presidente do Twitter fez acordo para ficar na empresa (Cole Burston/Bloomberg via Getty Images/Getty Images)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 10 de março de 2020 às 11h27.

Última atualização em 10 de março de 2020 às 13h55.

Depois de quase ser expulso da empresa que fundou, o presidente do Twitter, Jack Dorsey, conseguiu um acordo para continuar à frente da rede social. Mas não sem um preço: o Twitter deve ser cada vez mais pressionado a aumentar sua base de usuários e mudar algumas de suas estratégias no negócio.

O anúncio de que Dorsey ficaria na empresa foi feito nesta segunda-feira, 9, por meio de um comunicado oficial. A crise começou há algumas semanas em meio a embates diretos com o fundo Elliott, dono de 1 bilhão de dólares em ações do Twitter e que vinha pressionando por mudanças na gestão.

Um dos argumentos do Elliot contra Dorsey era de que o executivo é também presidente da empresa de pagamentos Square -- que também ajudou a fundar e na qual tem mais participação do que no Twitter. Deste modo, Dorsey trabalha meio período em cada uma das empresas, o que vinha desgradando o Elliot. Também atrapalhou na relação o fato de o executivo ter anunciado no ano passado um plano de morar e trabalhar na África durante uma parte do ano. Na semana passada, Dorsey afirmou que estava reavaliando a ideia da temporada na África, e disse que o objetivo era pesquisar o mercado de criptomoedas no qual a Square vem ingressando.

O acordo com o Elliot obriga o Twitter a estabelecer um programa de 2 bilhões de dólares em recompra de ações (quando uma empresa compra de volta ações que estavam públicas, aumentando sua própria participação), além de dar ao fundo uma cadeira no conselho de administração. A empresa de investimento em tecnologia Silver Lake também vai investir 1 bilhão de dólares no Twitter como parte do acordo.

O conselho precisará contratar ainda um outro novo membro, o que deve diminuir o poder de Dorsey junto aos conselheiros. O atual presidente do conselho do Twitter é Omid Kordestani, ex-Google e que está no cargo desde 2015. Kordestani defendeu junto ao Elliot a permanência de Dorsey. O Elliot se reuniu neste mês com Kordestani e um diretor independente do Twitter, Patrick Pichette, para debater a proposta de remover Dorsey, mas a dupla argumentou que uma saída do executivo neste momento desestabilizaria a empresa.

Ao falar em uma conferência do banco Morgan Stanley em São Francisco na semana passada, Dorsey defendeu sua gestão à frente do Twitter. "Eu tenho equipes ótimas... Pela primeira vez na nossa história no Twitter, sinto que temos tanto foco que podemos ignorar um monte de barulho e continuar a trabalhar e trabalhar e trabalhar", disse. Sobre o cargo duplo com a Square, afirmou que "eu tenho flexibilidade o suficiente na minha agenda para focar nas coisas mais importantes e tenho um bom senso do que é crítico em ambas as companhias".

Twitter: na casa dos 300 milhões de usuários desde 2015 (Mike Blake/Reuters)

O dilema do crescimento

O "barulho" ao qual Dorsey se refere vem sobretudo do crescimento exponencial da concorrência -- e aos problemas que isso trouxe, como questionamentos sobre privacidade -- enquanto o Twitter segue praticamente estagnado. A empresa tomou nos últimos anos a decisão de focar em seu negócio principal, os pequenos posts que nasceram sendo chamados de "microblog" em 2006. Enquanto isso, rivais como as redes sociais do Facebook e mesmo os novatos Snapchat e TikTok criaram novas ferramentas e conquisataram os mais jovens.

O Twitter tinha 330 milhões de usuários da última vez em que revelou este número, no começo de 2019 -- a faixa se mantém na casa dos 300 milhões desde 2015. Agora, a empresa divulga em seu balanço apenas número de usuários monetizáveis ativos diários, que eram 152 milhões no fim de 2019, mais de 70% fora dos Estados Unidos. A título de comparação, o grupo Facebook tinha em sua rede social de mesmo nome mais de 2 bilhões de usuários no fim do ano passado, além de 1 bilhão de usuários no Instagram e no WhatsApp.

A rede social fechou 2019 com receita de 3,46 bilhões de dólares, alta de 14% ante 2018. O lucro foi de 1,47 bilhão de dólares, com margem líquida de 42% (acima dos 40% de 2018). No quarto trimestre, a empresa também afirmou que o engajamento de usuários com anúncios subiu 29%. Os resultados são consistentes, mas não mostram o crescimento exponencial dos concorrentes. A receita do Facebook terminou 2019 a 70,7 bilhões de dólares, alta de 27%.

Neste cenário, a gestão do Twitter pode ser pressionada a implementar mais ferramentas e se usar de outros artifícios para aumentar sua base de usuários e gerar mais receita com ela. Por outro lado, a rede social tem na manga o fato de ter usuários extremamente fieis. “O valor do Twitter para os anunciantes não é o tamanho da sua audiência, mas o engajamento de seus usuários”, diz Jasmine Enberg, analista sênior da eMarketer, em comentários enviados a EXAME no ano passado. “O forte crescimento em usuários monetizáveis mostra que os usuários do Twitter são fiéis à plataforma, e que isso deve repercutir entre os anunciantes.”

Em tempos de domínio do Facebook, ter uma rede social sobrevivendo firme e forte pode ser considerado uma jóia da internet. Mas não se sabe até quando a rede social vai resistir às pressões. O Twitter está testando desde semana passada, por exemplo, o recurso de "stories" em sua plataforma -- que, no Twitter, foram chamados de "fleets". Os stories foram primeiro criados pelo Snapchat, depois implementados em Instagram, Faceboook e WhatsApp, além de ser também o formato que levou o chinês TikTok a ter mais de 800 milhões de usuários, sobretudo jovens abaixo de 20 anos. No ano passado, a rede inaugurou ainda uma mudança histórica: aumentou de 140 para 180 o número de caracteres permitidos em postagens da plataforma.

O Twitter também vem implementado nos últimos trimestres ferramentas para melhorar o que chama de "saúde" na plataforma, combatendo os chamados trolls e comentários ofensivos, assim como as notícias falsas, um dos principais alvos de críticas à plataforma. A mais recente ação veio com a epidemia de coronavírus. Ao procurar por "covid-19" ou "coronavirus" na rede, o usuário receberá resultados de uma série de fontes confiáveis listadas pelo Twitter, como organizações de saúde -- a ação foi tuitada com orgulho pelo fundador Dorsey em seu perfil pessoal.

 

A rede preferida de Trump

Assim como os balanços do Twitter, o controle acionário do Elliot e seus interesses no embate com Dorsey também vem sendo colocados em cheque. O dono do Elliot é o bilionário Paul Singer, historicamente um grande doador do Partido Republicano, do presidente americano Donald Trump. De acordo com o jornal britânico The Guardian, após uma visita à Casa Branca em 2017, Trump afirmou que Singer lhe deu total apoio. O Elliot é conhecido por exigir mudanças em empresas nas quais é acionistas. No Brasil, um dos embates recentes do fundo foi durante a recuperação judicial da Avianca, que parou de operar em maio do ano passado.

O Twitter, por sua vez, é praticamente a plataforma oficial de comunicação de Trump com seus eleitores, a imprensa e mesmo outros líderes mundiais. A rede vem sendo usado também por outros políticos -- incluindo nomes como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e seus ministros.

Jack Dorsey comprou uma briga grande com políticos, especialmente apoiadores de Trump, ao anunciar no ano passado que o Twitter iria parar de aceitar anúncios de políticos. Em seu perfil no próprio Twitter, Dorsey afirmou que o alcance de anúncios deve ser “conquistado, não comprado”. “Uma mensagem política conquista alcance quando as pessoas decidem seguir uma conta ou retuítam”, escreveu o executivo. “Acreditamos que essa decisão [de usuários de engajarem com o conteúdo] não deveria ser influenciada por dinheiro.”

Na época, o Facebook, que tem mais de 1 bilhão de usuários em suas redes sociais (Facebook, Twitter e Instagram), anunciou que não iria barrar anúncios por achar que a decisão iria contra a liberdade de expressão. “Há muito mais anúncios sobre questões [políticas] do que anúncios de eleições. Nós banimos anúncios sobre saúde, imigração ou empoderamento feminino?”, questionou. “Se não vamos banir assuntos sobre esses temas, realmente faz sentido dar a todo mundo uma voz no debate político, menos aos próprios candidatos?”, disse Zuckerberg.

Como não cobram dos usuários, tanto Twitter quanto Facebook têm em anúncios ou compra de alcance em posts patrocinados mais de 80% de suas receitas. Assim, mexer nesta seara é um vespeiro. As ações do Twitter caíram mais de 3% após o anúncio de Dorsey.

O posicionamento das redes em relação aos casos políticos é importante nos EUA à medida em que se aproximam as eleições presidenciais americanas, que acontecem em novembro deste ano. As feridas da anterior ainda mal cicatrizaram. Em 2016, opositores ao presidente apontam que ajudaram Trump a se eleger. O Congresso e a Justiça americana até hoje investiga uma possível interferência da Rússia no pleito que levou à derrota da democrata Hillary Clinton frente a Trump, além de haver constantes discussões sobre o que as redes sociais americanas poderiam ter feito para impedir esse cenário. E estudos mostram que o uso de notícias falsas se repetiu, em ambos os lados do espectro político, nas eleições legislativas (as midterms) de 2018.

O caso de Dorsey com o Elliot também acontece em um momento em que os investidores do Vale do Silício começam a se voltar contra fundadores das empresas. Nos últimos anos, caíram nomes como Travis Kalanick, da Uber, e Adam Neumann, da WeWork. Neumann e Kalanick foram acusados de gestões tóxicas e de ter um modelo de negócio muito longe do lucro. São situações relativamente diferentes, uma vez que o Twitter de Dorsey já atingiu o patamar de lucro há muitos anos. Dorsey, até onde constam os relatos, também é querido entre os funcionários, apesar de seu modelo excêntrico de gestão. A hashtag #WeBackJack (nós apoiamos o Jack, em inglês) esteve entre os assuntos mais comentados no Twitter na cidade de São Francisco no último dia 2 de março.

Diante da polêmica com Dorsey nas últimas semanas, outro dos "excêntricos" do Vale do Silício, o fundador e presidente da Tesla, Elon Musk, saiu em defesa do fundador do Twitter usando a própria rede social. "Só quero dizer que eu apoio @jack [username de Jack Dorsey] como CEO do Twitter. Ele tem um bom coração", escreveu Musk, usando o emoji de coração no lugar da palavra.

Nem Elliot nem Twitter comentam sobre possíveis mudanças a serem feitas na plataforma, tampouco deixam claro qualquer eventual conflito de interesse ou relação com Trump que levaram ao embate da semana passada. Qualquer argumento de que Singer possa tentar tirar Elliot do poder na empresa por algo menos do que questionamentos acerca de performance do executivo, por ora, não passam de algumas teorias da conspiração. Mas que o Twitter -- e Dorsey -- terão uma vida diferente a partir de agora, terão.

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