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Herdeiro da Chanel vê Brasil como celeiro de moda sustentável

David Wertheimer está em fase de captação para fundo de R$ 1,3 bilhão e tem planos para negócios no Brasil

Desfile da marca Osklen em 2018: símbolo de moda sustentável no Brasil (Agência Fotosite/Divulgação)

Desfile da marca Osklen em 2018: símbolo de moda sustentável no Brasil (Agência Fotosite/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 30 de agosto de 2020 às 11h39.

Herdeiro da grife francesa Chanel, uma das principais marcas de luxo do mundo, David Wertheimer acredita que o Brasil pode ser um celeiro para exportar práticas sustentáveis aplicadas à moda para o mundo todo. Membro da quinta geração da família à frente do império de luxo, o executivo lidera um fundo de investimentos que vai garimpar práticas sustentáveis para produção de roupas, sapatos e acessórios — e já está de olho em pelo menos dois negócios no Brasil.

Embora os contratos ainda não estejam fechados, por aqui o fundo que Wertheimer montou em parceria com o banco suíço Mirabaud tem interesse em tecnologias extraídas da cana-de-açúcar que possam substituir outros materiais usados em sapatos, como o plástico e a borracha não orgânica. "Estamos olhando para um conjunto de marcas que são completamente sustentáveis, ligadas à cana-de-açúcar, usando couro reciclável e outros materiais reciclados", disse o empresário, em entrevista ao Estadão.

O fundo, que está em fase adiantada de captação, deve concentrar o equivalente a 1,3 bilhão de reais. Na mira de Wertheimer estão tanto marcas já estabelecidas quanto iniciativas em estágio mais embrionário, que receberiam cheques menores, dentro do conceito de venture capital. Para encontrar boas práticas no País, o fundo procurou a ajuda do Instituto E, comando pelo empresário Oskar Metsavaht, dono da Osklen, que há mais de 20 anos desenvolve práticas ambientalmente corretas.

A busca do fundo pela moda sustentável vai se espalhar também pela Europa e pela Ásia. E canais de venda que reforcem o posicionamento sustentável das marcas também estão na mira de Wertheimer. "Também procuramos novas formas de vender online, de comunicação para facilitar as negociações e olhamos como as pessoas vão abordar o consumo daqui em diante", disse o empresário. Entre as referências do empresário nesse sentido é a marca francesa de calçados Veja, que montou linha de produção sustentável no Brasil (por aqui, a marca chama-se Vert).

O esforço para unir moda e sustentabilidade faz sentido, já que o setor é o segundo mais poluente do mundo. De acordo com artigo publicado na revista Nature em abril, 20% da poluição de água pelo setor industrial está concentrada na produção de têxteis, que responde por 35% das micropartículas de plástico que vão parar no fundo do mar todos os anos. As redes de fast-fashion, que pregam uma moda de uso rápido e descartável, contribuíram para que a produção de roupas dobrasse em 20 anos - o que amplia o desafio de descarte de materiais.

Luxo acessível

Sem se afastar totalmente do DNA da Chanel, Wertheimer quer focar no que se chama de "luxo acessível" — conceito que, cada vez mais, estará ligado a empresas que têm um impacto reduzido para a sociedade e a natureza. "O novo luxo é ser sustentável. A minha visão é que sustentabilidade é a chave para todas as marcas que virão no futuro."

Wertheimer acompanha as discussões sobre o desmatamento da Amazônia, mas não quis comentar o tema diretamente. "O que eu posso dizer é que, no meu setor, vou tentar fazer os melhores investimentos, os mais sustentáveis e os que têm melhor impacto para a população."

Osklen, Vert e a sustentabilidade ‘possível’

Uma das principais referências quando o assunto é a associação de moda e sustentabilidade, o empresário Oskar Metsavaht, fundador da Osklen, diz que as marcas devem abraçar a causa sustentável sem perder de vista a viabilidade financeira do negócio. É melhor escalar a montanha pouco a pouco do que tentar atingir o topo em um tiro só — assim, não se regride na busca de práticas menos poluentes nem a empresa é obrigada a fechar as portas.

O conceito defendido por Metsavaht é “as sustainable as possible”, ou seja, uma atuação tão sustentável quanto possível. Ele lembra o caso de um desenvolvimento, anos atrás, de uma camiseta da Osklen feita 100% de algodão orgânico, mas cujo preço final — mesmo para uma marca premium — era inviável para o cliente. Depois disso, ele percebeu que é melhor dar passos mais curtos.

“A gente tinha duas opções: ou parar o projeto ou fazer de outra forma. E com 80% de algodão normal e 20% orgânico, vimos que era viável”, lembra Metsavaht. “O importante é ser transparente: é a pessoa olhar e ter a informação sobre a composição daquela peça.”

A orientação sustentável da Osklen começou em 1998, a partir de uma parceria da Embrapa para plantar algodão orgânico. Desde então, a companhia evoluiu sua cadeia produtiva para trabalhar com uma variedade de matérias-primas e processos alternativos - como tecido feito a partir de garrafas pet recicladas, “couro” de escama de peixe e desenvolvimento de tinturas naturais - e recebeu vários reconhecimentos internacionais por seu trabalho.

Apesar de a Osklen ter sido vendida para o grupo Alpargatas — que também é dono das sandálias Havaianas —, Metsavaht continua a atuar como diretor criativo da marca. Ele não dá apenas o direcionamento sobre as últimas tendências de moda, mas continua a tocar projetos para ampliar a “pegada” sustentável da empresa.

Brasil + França

Transparência também é o nome do jogo na marca francesa Veja - que é conhecida no Brasil como Vert. A companhia, que é sucesso entre os jovens “descolados” na Europa, desenvolveu toda a sua cadeia de produção no Brasil. O algodão é orgânico, plantado no Nordeste, e a borracha é extraída de forma sustentável na floresta Amazônica. “Mas isso não quer dizer que sejamos perfeitos. E a gente deixa isso claro”, afirma o gestor de cadeias produtivas e inovação da marca, Beto Bina.

Além de olhar de perto sua cadeia de produção, a Veja também tem cuidado para que seu êxito de vendas não acabe gerando impacto desproporcional no meio ambiente. “O crescimento foi bem orgânico, a empresa nunca foi alavancada por investidores externos ou investiu em marketing para trazer consumidores de maneira artificial”, diz. “A gente nunca vai fazer anúncio pago.”

O conceito se estende ainda à questão da governança e do tratamento dos funcionários. O fato de o Brasil ter leis trabalhistas sólidas influenciou a escolha da Veja pelo País. “Isso seria mais difícil de fazer na China ou na Índia, por exemplo”, explica Bina.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

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