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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.
O que acontece com uma empresa que decide congelar a tarifa básica de seu serviço por dez anos, em um país cuja inflação acumulada nesse período beirou os 100%? O que parece uma perigosa contramão das boas práticas administrativas para a maioria do mercado foi a estratégia da Localiza para crescer, ampliar margens e engordar lucros. Desde 1998, a tarifa básica da maior locadora de veículos do país é de 29,90 reais por dia - sem seguro. Não bastasse isso, o valor médio da diária está em queda. Em 2004, era de 81,68 reais. No ano passado, ficou em 76,42 reais. O bom desempenho operacional, contudo, contrasta com a situação das ações da Localiza (RENT3) na Bolsa de Valores de São Paulo. Após dois anos de forte valorização - 2005 e 2006 -, a empresa fechou 2007 em queda, arrastada, entre outros motivos, pela crise das hipotecas americanas, que vem surrando os papéis das small caps nos últimos meses. A desvalorização persiste nos primeiros meses de 2008.
Do lado da gestão do negócio, não há mágica na façanha da Localiza. O segredo da sua expansão operacional e financeira é um velho conhecido dos administradores de empresa. "Para compensar a tarifa fixa, a empresa buscou diluir custos por meio do aumento da escala", afirma Renato Prado, analista de investimentos da Fator Corretora. Os ganhos de escala sustentam toda a operação da Localiza - da compra de veículos em condições mais vantajosas à diluição do custo com funcionários nas agências de locação.
Entre 2004 e 2007, por exemplo, a empresa mais do que dobrou sua frota operacional - os veículos disponíveis para locação, que incluem aqueles em fase de licenciamento ou os postos à venda. Nesse período, a frota saltou de 10.979 unidades para 22.542. A primeira vantagem que a companhia tira do porte que sua operação atingiu é a aquisição de carros a preços melhores. Hoje, a Localiza é a maior compradora individual de veículos do país, negociando diretamente com as montadoras. Somente em 2007, a locadora comprou 29.094 veículos, ante 17.894 em 2004.
"Sozinha, ela absorve 4% da produção anual da GM e 3% da Fiat", diz Caio Dias, analista de transportes do Santander. Essa posição lhe garante um grande poder de barganha junto às montadoras. Os descontos atingem até 25%. Além disso, como frotista, a Localiza também tem vantagens tributárias na compra de veículos - o que só amplia as margens.
Produtividade
Adquirir carros em condições vantajosas é apenas o primeiro passo da estratégia da Localiza. O segundo é aumentar a produtividade da frota. Um automóvel permanece, em média, 12 meses com a Localiza, antes de ser vendido. Aí, também está incluído o tempo necessário para o licenciamento do carro e a entrega na agência em que ficará disponível para os clientes. Uma das medidas da empresa foi reduzir esse prazo "ocioso", liberando o máximo de dias para locação.
A empresa também investiu no aumento da taxa de ocupação da frota. Em quatro anos, conseguiu elevá-la de 60,6% para 70,7%. O primeiro motivo é o próprio congelamento das tarifas. "Em valores reais, a tarifa básica está mais barata", afirma Prado, da Fator. Entre 1998 e 2007, o IPCA, índice oficial de inflação do Brasil, acumulou uma alta de 90,41%. Isso é o mesmo que dizer que a tarifa básica, hoje, deveria ser de quase 57 reais para acompanhá-la. Assim, ao congelar a tarifa básica e reajustar as demais por índices abaixo dos da inflação, a Localiza aproximou-se de um maior número potencial de clientes. "A Localiza conseguiu, de fato, baratear o aluguel de veículos no país", afirma Dias, do Santander.
O outro fator que elevou a taxa de ocupação da frota foi a expansão da rede de agências. Nos últimos quatro anos, a rede saltou de 83 para 178 agências próprias. A diversificação dos lugares onde elas são implantadas também ajuda. A empresa investe, cada vez mais, em cidades com vocação para negócios ou turismo, mesmo que não conte com um aeroporto. Em 2004, 47% da receita de locação vinha de agências instaladas em aeroportos. No ano passado, essa proporção caiu para 38%.
Apostar em escala e produtividade fortaleceu o caixa da empresa. No ano passado, a receita líquida de locação atingiu 442,7 milhões de reais - há quatro anos, era de 197,1 milhões. O lucro líquido da área de locação mais do que dobrou também - de 52,3 milhões de reais para 126,9 milhões no mesmo período. E a margem de ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) subiu de 40,1% para 44,5%. Detalhe: entre 2004 e 2007, os combustíveis subiram 29% e o preço médio dos automóveis, 22%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Integração
Os analistas observam que a integração entre as áreas de negócio da Localiza é muito grande, o que permite ganhos de sinergia. A porta de saída dos veículos comprados é a revendedora de semi-novos da empresa. Essa divisão gerou, no ano passado, 687 milhões de reais em receita líquida, o que elevou a receita total da empresa a 1,129 bilhão de reais.
Embora contribua com mais receita que a divisão de locação, as margens envolvidas no negócio são menores - cerca de 5%. A Localiza calcula a margem com base no valor de aquisição do carro, já descontada a taxa de depreciação relativa a um ano. Assim, se um carro comprado por 70.000 reais tiver uma taxa de depreciação de 20% ao ano, seu valor líquido será de 56.000 reais para efeitos de contabilidade. Se o veículo for vendido por 59.000, terá deixado uma margem de cerca de 5%, com base no valor de compra já excluída a depreciação.
Ações
A Localiza foi uma das estrelas da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) nos dois primeiros anos de operação. Em 2005, quando abriu o capital e foi listada no pregão, viu suas ações (RENT3) acumularem alta de 149%, ante os 38% do Ibovespa, principal indicador para o mercado. No ano seguinte, um novo salto: 124%, contra 33% do Ibovespa.
No ano passado, porém, as ações da empresa ficaram bem para trás. Enquanto o Ibovespa subiu 44%, as ações da Localiza perderam 12% do valor. Apresentando um resultado operacional positivo, a queda das ações é atribuída pelos analistas a dois fatores. O primeiro é a própria crise das hipotecas americanas, que levou os investidores a buscarem ativos mais seguros e, de quebra, embolsarem algum lucro vendendo os papéis da Localiza após dois anos de forte alta. O segundo foi o apagão aéreo. Como uma boa parcela da receita da empresa vem de locadoras instaladas em aeroportos, parte dos investidores temeu que a queda do número de passageiros refletisse em menos clientes para os veículos da Localiza.
A deterioração dos papéis continua nos primeiros meses de 2008. De 2 de janeiro, primeiro pregão do ano, até esta segunda-feira (24/3), as ações acumulam uma perda de 10,5%, desta vez pressionados pela crise americana, que empurra a Bovespa para baixo.