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Gaúcho cria transportadora de quase R$ 1 bi: 'Todos os motoristas têm meu celular'

Gabardo fatura alto após superar várias crises. O destaque está numa gestão ambiental azeitada — ela é a primeira transportadora carbono negativo no mundo

Sérgio e Sérgio Miguel Gabardo: empresa administrada por motoristas (Divulgação/Divulgação)

Sérgio e Sérgio Miguel Gabardo: empresa administrada por motoristas (Divulgação/Divulgação)

Karla Dunder
Karla Dunder

Freelancer

Publicado em 10 de dezembro de 2025 às 18h57.

Última atualização em 10 de dezembro de 2025 às 20h33.

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Um setor pressionado por custos, juros altos e retração no volume de cargas tenta entender como crescer em meio a tanta incerteza. No transporte rodoviário, onde diesel, manutenção e mão de obra comprimem margens, poucos players conseguem sustentar expansão contínua.

A Transportes Gabardo, empresa sediada em Porto Alegre e especializada no transporte de veículos, entra nesse cenário como exceção. Criada pelo agricultor Sérgio Gabardo, a companhia deve fechar 2025 com 900 milhões de reais em receita e projeta chegar a 1 bilhão de reais no próximo ano, mesmo com o recuo de 4,6% no segmento de cargas em 2024, segundo a CNT.

A história ganha força agora porque a empresa se tornou a primeira transportadora Carbono Negativo do mundo, certificada pela Global Certification System, e porque começa a estruturar uma área de marketing e inovação para sustentar a nova fase de crescimento.

“A gente sempre diz que ser Carbono Negativo não é apenas uma certificação ou um título para expormos aos nossos clientes; é um modelo de negócio”, afirma Sérgio Gabardo.

O fundador também resume, sem rodeios, por que não enxerga crise à frente: “A crise só existe para algumas pessoas. Se a gente faz a lição de casa e se compromete um pouquinho mais, a crise está resolvida”.

História e viradas de percurso

Sérgio Gabardo nasceu agricultor e nunca abandonou o campo. “Eu amo agricultura, defendo o agro, vivo o agro”, diz. A entrada no transporte veio quando ele se mudou do interior para Porto Alegre para fazer vestibular e acabou trabalhando numa fábrica de veículos. Ali conheceu os caminhões que guiaria por 12 anos.

Começou transportando carros esportivos — antes restritos a quem tinha poder aquisitivo elevado — e virou referência quando o Brasil abriu o mercado para importados na era Collor. “Eu vi que o importante era atender o cliente em primeiro lugar”, afirma. O negócio cresceu com motoristas de confiança: “A empresa Gabardo é administrada por motoristas”.

A trajetória inclui rupturas profundas. Em 2002, perdeu um contrato estratégico com a Renault. Em 2005, o filho mais velho, que assumiria a empresa, foi assassinado. “Nós tivemos que começar tudo de novo”, relembra. O período só foi superado pela união da equipe e da família. “Toda a empresa se uniu ao meu lado e da minha esposa”.

Sérgio sempre se incomodou com a cultura predominante no setor. “Minha prioridade era ver um caminhão andando só 80 quilômetros por hora, com preventivas, limpo e motorista uniformizado — e não é o que o setor prega hoje”, diz.

A obsessão por padrão ajudou a abrir portas. A Gabardo se tornou a primeira empresa gaúcha certificada com a ISO 39001, dedicada à segurança viária. “Isso é controle de fumaça, é olhar a pressão e a glicose do motorista, é ter uma psicóloga para eles conversarem”, explica.

O impacto ambiental virou outro pilar. A empresa separa e vende todo o lixo — vidro, papel, plástico e ferro — e trata a água usada na lavagem da frota.

“Aquecer a água com nossa energia fotovoltaica reduz até o sabão”, afirma Gabardo. Todas as filiais operam com energia solar.

O conjunto das ações levou à certificação de Carbono Negativo. O resultado combina gestão operacional, energia limpa e práticas agrícolas de baixo carbono, como plantio de árvores e manejo do solo. A companhia remove mais gases do que emite — saldo positivo de cerca de 23 mil toneladas por ano, segundo os certificados auditados.

A atuação no campo segue viva e virou fonte de inovação ambiental. Para entender como pequenos produtores paulistas sobreviviam, Sérgio foi a Atibaia para aprender mais sobre estratégias para o agronegócio. De lá surgiram as estufas, a agroindústria e a diversificação com seringueira, mogno, criação de gado de raça e compostagem.

O sistema reaproveita esterco, restos de mexerica e materiais orgânicos recolhidos na região. “Eu quero criar boi tendo como base o bem-estar animal, acho até que o confinamento deveria ser proibido, acredito no cuidado com a natureza”, explica.

Pressão por gente qualificada

Apesar dos números robustos, a empresa cresceria mais se encontrasse mão de obra alinhada. “O mais importante dentro da empresa são as pessoas, e é difícil encontrar quem pense como a gente”, afirma Sérgio. Ele não abre mão de preventiva, revisão e cumprimento rigoroso da jornada. De qualquer maneira, o vínculo com motoristas segue próximo. “Todos os motoristas têm meu celular. Eles são o cartão postal da empresa”, diz.

O foco agora é evoluir processos. “Estamos buscando eficiência, e melhorar fluxo de todos os nossos processos, porque sempre vai ter alguma coisa que vai dar errado. Mas sempre faremos o possível para evitar qualquer tipo de problema”, diz Sérgio Miguel, responsável pelas iniciativas de futuro.

A empresa também começa a estruturar uma área de marketing, com site novo e mais interação com clientes. No campo técnico, testa soluções que não existem no mercado brasileiro, como uma cegonha bitrem de sete eixos e projetos com fabricantes para produzir 50 a 100 cegonhas de inox. “Uma cegonha de inox vai durar a vida inteira”, afirma Sérgio Miguel.

A busca por eficiência leva a outras frentes, como estudar engenharia e IA em eventos internacionais, como o Nada Show, nos Estados Unidos. “A gente vai para ver como diminuir 1 centímetro, aumentar 1 centímetro, ter mais capacidade de carga”, diz o fundador.

Com diesel em alta e Selic em 15%, o transporte vive ambiente de cautela mesmo para 2026. Ainda assim, o fundador mantém a lógica simples que repete desde que ouviu do filho ainda pequeno:

“Crise é só acordar um pouquinho mais cedo e dormir mais tarde”.

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