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Esse é o momento de sobreviver à crise, diz presidente do Itaú Unibanco

Candido Bracher acredita que o Brasil enfrentará uma grave crise econômica inevitavelmente, e que, no momento, a prioridade deve ser a saúde

"Quarentena é dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais para as pessoas morrendo em hospitais", disse o executivo (Germano Lüders/VOCÊ S/A)

"Quarentena é dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais para as pessoas morrendo em hospitais", disse o executivo (Germano Lüders/VOCÊ S/A)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 3 de abril de 2020 às 12h24.

Última atualização em 3 de abril de 2020 às 12h25.

O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirmou na quinta-feira, 2, em entrevista ao vivo ao jornal O Estado de S. Paulo, que o Brasil não vai conseguir fugir de uma forte crise econômica e de uma acentuada queda no PIB em 2020, na esteira da pandemia do novo coronavírus. Segundo ele, ainda é cedo para entender como será a retomada. Por isso, no momento, a prioridade deve ser a saúde. "Esse é o momento de sobrevivermos à crise." Bracher disse ainda que a quarentena é "dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais doloroso as pessoas morrendo em hospitais".

Segundo o executivo, o mundo tem dificuldades para lidar com a crise por sua origem em um fator de saúde pública - e não no mercado financeiro, como ocorreu em 2008. Para ele, os bancos podem ter um papel fundamental na retomada da economia: "É preciso irrigar a economia, permitindo que as cadeias econômicas continuem a funcionar. Isso coloca responsabilidade enorme nos bancos."

O sacrifício econômico, de qualquer forma, será forte, de acordo com o presidente do Itaú Unibanco. Ele acredita que a retração do Produto Interno Bruto (PIB) irá muito além da queda de cerca de 1% atualmente prevista pela instituição. "Eu peço desculpas ao meu economista-chefe, Mário Mesquita, mas tenho impressão que vai cair bem mais. Acho inevitável."

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

A crise do coronavírus é diferente das outras?

Vejo a crise com grande preocupação, pois sua duração e intensidade ainda são ignorados por todos. Depende de fatores médicos e econômicos. O que difere esta crise é que a maior parte das crises que vivemos - a de 2008, a asiática e a russa - foram financeiras. Essa é uma crise de produção. Ela tem origem em um vírus, na saúde pública, e interrompe a produção em diversos setores ao mesmo tempo. Isso impacta muito os bancos. Se na crise de 2008 o sistema financeiro era problema, nesta (o sistema financeiro) é parte importante da solução. O sistema financeiro é necessário para que a economia não estanque. É preciso irrigar a economia, permitindo que as cadeias econômicas continuem a funcionar.

Os bancos brasileiros estão preparados para agir?

Como nunca estiveram. Uma parte fundamental são recursos tecnológicos. Se não houvesse a quantidade de clientes digitalizados e recursos que os bancos têm hoje, seria impossível atender ao público. Depois da crise de 2008, houve no mundo inteiro um movimento de exigir maior capitalização dos bancos. As exigências de capital que os reguladores impuseram aumentaram muito, fazendo com que os bancos estivessem mais bem preparados para esta crise.

Como essa ajuda se dará?

Injetando liquidez na economia. Num primeiro momento, existe uma grande demanda de liquidez. Um colega meu de banco comparou isso ao álcool gel. As empresas entraram no banco pedindo liquidez, assim como as pessoas entraram nos supermercados em busca de álcool gel. Houve uma demanda difícil de atender. O Banco Central agiu rapidamente, através de liberação de compulsório e outras medidas para restaurar a liquidez. Além da liquidez, é necessário crédito. Primeiro passo, é conceder crédito a quem já tem crédito. Na abertura da crise, as dívidas foram roladas em 60 dias. Nós, do Itaú, já fizemos mais de 150 mil dessas renovações.

E no longo prazo?

No segundo momento, tem o crédito adicional. As condições se deterioraram, e o risco de crédito se elevou muito. É fundamental os bancos se manterem saudáveis na crise. O Banco Central foi rápido nisso. A ideia da MP é financiar 100% da folha de pagamento das pequenas empresas, com seis meses de carência e depois 30 meses para pagar a uma taxa de 3,75%. Bancos vão arcar com 15% do risco de crédito e o governo, com 85%.

Há uma discussão entre presidente e governadores sobre isolamento. Qual é a sua opinião?

É uma pergunta para médicos e infectologistas. Mas me oriento pelos especialistas. Todas as leituras que tenho feito mostram que não há alternativa razoável fora da quarentena horizontal (com toda a população confinada). Ela é dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais doloroso as pessoas morrendo em hospitais.

O Brasil tem muita gente que vive em favelas, fora de todos os cadastros oficiais. Os bancos terão o papel de fazer o dinheiro chegar a quem mais precisa?

Temos de nos empenhar ao máximo para fazer o dinheiro chegar a essas pessoas, aos que são bancarizados, com a abertura de contas-pagamento e pelas maquininhas, que atingiriam os autônomos. O sistema financeiro tem capilaridade suficiente para isso.

Os bancos aumentaram taxas de juros após o início da crise do coronavírus, como foi reportado ao longo da semana?

Nossas taxas de juros para pessoas físicas e micro e pequenas empresas estão em linha com as praticadas antes. Houve um momento de elevação para grandes empresas. Nas grandes empresas, a dinâmica é diferente, a taxa é decidida caso a caso.

Algumas empresas estão se mobilizando para ajudar o governo. O que o Itaú já fez?

Logo no primeiro momento, anunciamos uma doação de R$ 150 milhões, pelos nossos institutos, destinada à compra de equipamentos médicos e atendimento a comunidades. Com Bradesco e Santander, fizemos a importação de 5 milhões de testes da China, contando com a ajuda da mineradora Vale na logística. Agora temos um programa de R$ 50 milhões de compra de máscaras de microempresas. Tentamos comprar respiradores, mas foi impossível. E agora estamos dando uma fiança para duas pequenas empresas brasileiras, que estão se propondo a produzir 6,5 mil respiradores.

Algumas empresas já anunciaram demissões. Como o banco vai se comportar?

Como presidente do banco, tive a possibilidade de garantir a manutenção do emprego pela duração da crise. Antecipamos o 13.º salário, pois pode haver despesas excepcionais neste período de crise. Mesmo assim, tenho preocupação com os funcionários de atendimento ao público. O maior problema é nas agências, pois uma parte do público não é digitalizada. Hoje nós começamos a entrega de máscaras e na quarta-feira 100% dos funcionários já terão recebido máscaras.

Como o sr. vê o cenário da economia pós-pandemia?

Ninguém pode dizer isso com segurança. A duração da crise depende de fatores médicos. É uma relação entre a quantidade de espaço nos hospitais e a quantidade de doentes. E da intensidade da crise depende de quanto de política fiscal contracíclica. O governo está disposto. Mas a disposição é uma coisa. Capacidade de fazer medidas chegarem à ponta é outra. A última previsão de nossa área econômica era de que o PIB cairia um pouco menos de 1% este ano. Peço desculpas ao meu economista-chefe, Mário Mesquita, mas eu tenho impressão que vai cair bem mais.

Durante os últimos anos, a receita econômica era de corte de custos. É preciso entender que o cenário mudou - e que isso tem de ficar para trás agora?

Sem dúvida. Tem uma frase boa de Keynes: quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. Os fatos mudaram radicalmente e precisamos mudar de opinião. Não é momento de pensar em austeridade fiscal.

Algo de positivo pode sair da crise do coronavírus?

A gente só aprende alguma coisa de bom se a gente sobrevive à crise. É o momento de sobreviver à crise. E aqui eu acho importante que, na crise, haja esse sentimento de solidariedade, de que estamos na mesma trincheira. É o que tenho visto acontecer.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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