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Empresas de tecnologia também devem 'alfabetizar' sua mão de obra, segundo líder de RH da SAP

Em entrevista à EXAME, a líder de recursos humanos da gigante de software global SAP, Sabine Bendieck, fala sobre a responsabilidade de grandes empresas em incentivar o aprendizado tecnológico e sobre habilidades profissionais do futuro

Sabine Bendieck, líder global de RH da SAP: "educação é algo que precisa ser levado para fora das empresas" (SAP/Divulgação)

Sabine Bendieck, líder global de RH da SAP: "educação é algo que precisa ser levado para fora das empresas" (SAP/Divulgação)

Para Sabine Bendieck, líder de recursos humanos da gigante de tecnologia e software para gestão de empresas SAP, não basta falar de habilidades profissionais do futuro, tampouco de sustentabilidade corporativa, se não houver um consenso entre o uso do capital humano e tecnológico como boa prática na gestão de pessoas. O racional está em perceber que gerenciar equipes qualificadas e diversas é um desafio para companhias de diferentes portes, especialmente empresas de tecnologia que se valem de recursos high tech para recrutar e monitorar o dia a dia dos funcionários. E, nesse cenário, as fronteiras entre as atribuições da tecnologia e das habilidades humanas tornam-se cada vez mais borradas.

No conselho adminstrativo da SAP, o tema já é questão de ordem. Um time enxuto de sete líderes que coordena áreas chave da empresa batalha para criar estratégias conjuntas capazes de integrar as tecnologias desenvolvidas pela própria SAP sem abandonar o lado humano da gestão de pessoas e também para pôr em prática os requisitos ESG (sigla ambiental, social e governança) quando o assunto é lidar com os mais de 100.000 talentos espalhados pelo mundo.

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Bendieck é a primeira mulher a chegar ao conselho da SAP, há cerca de um ano. Antes disso, teve passagens por empresas como Dell e Microsoft. Agora, parte de sua missão na companhia alemã é liderar programas de desenvolvimento e educação executiva para os funcionários, além de coordenar programas de aprendizado tecnológico para o público geral e que hoje impactam mais de meio milhão de pessoas por ano. 

Para ela, está claro que é de responsabilidade das grandes empresas desenvolvedoras capacitar suas forças de trabalho e todo o entorno para que pessoas sejam capazes de lidar com novas ferramentas e acompanhar a revolução no mercado de tecnologia. "É preciso capacitar pessoas para desempenharem novas habilidades. Nenhum talento aparece do nada", disse, em entrevista exclusiva à EXAME.

A executiva falou sobre as habilidades profissionais do futuro, sobre como líderes devem gerenciar conflitos geracionais e culturais com a finalidade de gerar e reter talentos em meio a um cenário competitivo por profissionais experientes e a responsabilidade de grandes empresas globais — como a SAP — de serem protagonistas nas mudanças do mercado de trabalho a partir do apoio à mão de obra e aos clientes finais. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Uma das discussões mais comuns quando falamos em gerenciamento de pessoas hoje é o conflito entre a gestão humana e tecnológica e como unir esses dois pontos sem perder o quesito “humano” do RH, ao mesmo tempo em que se usa a eficiência da tecnologia. Na sua opinião, até onde vão os limites da atuação tecnológica, para que comece a jurisdição humana?

A tecnologia que usamos internamente, os sistemas de dados, os processos e também todo o time de funcionários, a cultura corporativa e suas jornadas de aprendizado. Mas por que faz sentido combinar essas coisas? Primeiro porque quando olhamos para essa jornada de transformação, concluímos que a SAP está encarando isso como qualquer outra empresa no momento. Estamos constantemente reimaginando nossos negócios, e isso significa fazer mudanças pensando em como sermos mais ágeis e melhores e, ao mesmo tempo, criar novas habilidades em quem está aqui dentro.

O grande erro das companhias é achar que a transformação digital se resolve apenas com tecnologia. Essa parte é importante, claro, e não vou contrariar isso estando uma empresa que vende tecnologia. Mas ela é só um dos componentes, se como empresa você precisa atualizar seus processos, é preciso também capacitar pessoas para desempenharem novas habilidades. Uma coisa está ligada a outra, e elas não andam separadamente.

Não parece algo fácil de se fazer. Que tipos de desafios surgem no meio do caminho?

Uma vez que você tem esse elo entre a atualização constante dos processos e uma mentalidade voltada à criação dessas habilidades, é preciso olhar para o principal componente de todos: a cultura. Aí está o desafio. Nada daquilo funciona se uma empresa for incapaz de levar seu time consigo. O desafio está em fazer todos questionarem se já chegaram aos seus limites criativos e sempre se perguntar se já fizeram todas as perguntas necessárias. Fazer as pessoas entenderem que a jornada da empresa pode andar em conjunto com a sua própria jornada de sucesso e auto realização é uma provocação constante. Tudo começa com as pessoas e termina com elas.

A liderança tem papel importante nesse quesito. É dela o papel de incentivar os funcionários a se verem parte da transformação de uma empresa, mesmo que ela seja uma gigante em seu setor?

É impossível falar de cultura sem mencionar a liderança. O foco da liderança e as habilidades certas destravam a mudança. Uma das coisas que temos feito é incentivar os nossos líderes a aprenderem. O interessante de se observar é que, não apenas aqui na SAP, mas no mercado como um todo, muitos líderes já estão encarando essa necessidade gigantesca de aprendizado, de mudança — justamente por esse também serem desejos dos empregados. Seguindo a lógica de que um líder tem de ser o melhor naquilo que faz, é dele o papel de engajar seus times a também serem os melhores que podem ser. Temos um compromisso recente de alcançar todos os líderes da SAP pelo menos a cada dois anos para entender seus desafios individuais e criar programas educacionais “taylor made”.

Com tanta informação à disposição e as mudanças nos canais de acesso à educação, como criar um programa educacional “taylor made” que realmente funcione para líderes do futuro?

Quando falamos em educação, muitas pessoas ainda pensam somente nas salas de aula. Sem dúvida, elas são muito importantes, mas só uma parte da maneira como os líderes aprendem. Líderes aprendem a partir de feedbacks, de erros e acertos. É importante destacar isso.

Aproveitar a rede e alcance global para também fomentar a educação profissional entre parceiros e clientes é também uma tarefa entre as multinacionais?

Criar oportunidades para os funcionários, parceiros, clientes e comunidades do entorno tem tudo a ver com o compromisso com a educação. Temos pensado muito em como escalar nossas jornadas de aprendizado para além do nosso próprio ecossistema. Um dos passos para isso aqui é entender como nossas soluções tecnológicas ajudam empresas a resolverem seus problemas. O outro é ser visível. O conteúdo de informação e educação precisa estar acessível, e não escondido em algum site. Precisa ser algo que possa ser encontrado facilmente no Google. Na SAP, temos uma plataforma de conteúdos gratuitos e também um programa de formação tecnológica em ferramentas da SAP para jovens em comunidades desassistidas. Depois de se formarem, 80% deles conseguem um emprego. É um dado incrível e que mostra a importância de escalar a educação para além das paredes da empresa.

Em relação às habilidades para líderes da nova geração, é possível dizer que elas são diferentes de região para região? O que mudou?

As necessidades e habilidades podem não ser, mas precisam se tornar globais. É claro que o cenário e desejos dos clientes são diferentes. O cenário do Brasil é diferente da Índia, assim como na Alemanha. Mas quando olhamos para o tema de desenvolvimento de lideranças, os valores têm de ser o mesmo no caso de companhias globais, mesmo que respeite essas diferenças.

E quais são essas habilidades globais indiscutíveis para os líderes do futuro?

A disposição em motivar e despertar o desejo e curiosidade em aprender constantemente com certeza é uma delas. Acredito também que boa parte dessas habilidades são as chamadas “soft skills”. Um exemplo é ter a capacidade de construir bons times e dar feedbacks e acompanhar de perto a evolução individual de cada um. No final do dia, essa habilidade de ouvir é vital e provavelmente uma das coisas mais difíceis. Empatia também está na lista — e meio que vem junto com a habilidade de escuta. Mas por trás de todas essas questões tem de estar a pergunta: “como sou capaz de despertar o melhor dos meus funcionários e fazê-los sentir que sempre podem elevar o nível?”.

Além, é claro, do foco e da clareza. Do lado das hard skills, acho que o interesse em entender o que há de mais novo em tecnologia é muito importante, principalmente em empresas da área de software. É preciso entender como as tecnologias impactam o dia a dia da sua função e da sociedade. Isso é, inclusive, algo que impacta qualquer área. Não conheço nenhuma indústria que não precise de tecnologia para inovar.

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