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Em tempos de demissões em massa, negociações coletivas podem ser solução nas PMEs. Por quê?

Advogado Rodrigo Soares fala sobre a importância das negociações coletivas como políticas para atração e retenção de talentos, evitando pedidos de demissão em massa

Acordos coletivos: especialista afirma que negociações podem ser ferramenta para atração e retenção de talentos (Thomas Barwick/Getty Images)

Acordos coletivos: especialista afirma que negociações podem ser ferramenta para atração e retenção de talentos (Thomas Barwick/Getty Images)

Durante a pandemia, por volta de 4 milhões de americanos, na maioria jovens com menos de 30 anos e do setor de serviços, pediram demissão de seus empregos. O fenômeno passou a ser conhecido como Great Resignation, que traduzo livremente por “Grande Demissão”, para melhor alcance do conceito trabalhista.

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Elevado número de pedidos de demissões, em um cenário de grande percentual de desemprego, demonstra uma mudança de visão. No Canadá, alguns empregados utilizam a expressão just a job para se referir ao trabalho como “questão secundária”, priorizando a vida pessoal, o relacionamento com a família, amigos e parentes, além de outros objetivos de vida, que entendem ser mais relevantes, à frente do trabalho. Para essas pessoas, o “trabalho é só um trabalho”.

O leitor pode provavelmente se perguntar: “mas o Canadá é país de primeiro mundo. E o Brasil?”.

Bom, no Brasil, o fenômeno da “Grande Demissão” também está presente, indicando que muitos empregados passaram a dar prioridade a outras questões, que não propriamente todo e qualquer trabalho, mas — ao que tudo indica — optando por um emprego que, aparentemente, esteja mais alinhado aos propósitos de vida pessoal, como morar no interior, fora do país, ter maior tempo de convivência com os filhos, cuidar dos pais ou parentes, entre outros objetivos individuais.

Estima-se que até fevereiro de 2022, o país registrou 500 mil empregados que pediram demissão, o dobro do número comparado ao período anterior à pandemia

As pesquisas divulgadas, baseadas em fontes governamentais, contudo, não especificam os motivos pelos quais tantos empregados pediram demissão. Este ato, por definição, é uma modalidade de rescisão contratual por vontade unilateral do empregado, sem direito a receber o percentual do FGTS de multa, levantamento de seguro-desemprego ou mesmo impedindo de sacar seu FGTS.

O que pode ser feito, de acordo com a lei

Recorde-se que o Butão, país asiático no sul da China, adota políticas públicas de bem-estar social que levam em consideração a felicidade dos cidadãos, não por critérios subjetivos, mas objetivos. Trata-se do Índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), que mede a satisfação pessoal do cidadão, a partir de critérios como educação, saúde e segurança. Naquele país, caso a média da população não esteja satisfeita com um desses critérios, conclui-se que é preciso fazer mudanças.

A Constituição Federal brasileira define como direitos sociais fundamentais: a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados.

Há emendas que pretendem inserir o direito à felicidade como garantia constitucional, ironizada por alguns. Contudo, até o momento, não há inserção desta previsão expressa à felicidade no ordenamento jurídico, assim como ocorre no Butão, ou mesmo em procedimentos empresariais.

Tal como mencionado em meu livro “Gestão de Conflitos Entre Empregados” (Editora Mizuno, 2022), entretanto, não basta que a empresa possua apenas um canal de denúncia para tutelar o meio ambiente e à felicidade, consequentemente. É necessário dar efetivo tratamento, por meio de um procedimento que preveja mecanismos de solução de conflito.

Enquanto isso não ocorre por iniciativa de empresas, a negociação coletiva se mostra como uma importante aliada na política de retenção e atração de talentos, em busca da felicidade, ainda que eventualmente esteja distante da forma considerada como ideal por parte dos trabalhadores.

Do ponto de vista legislativo, o melhor é dar efetividade à norma constitucional de reconhecimento da negociação coletiva de trabalho, art. 7º, XXVI, CF.

Negociação coletiva como reflexo da realidade empresarial

As assembleias de trabalhadores funcionam como exemplo prático de como uma negociação coletiva pode influenciar na política de retenção e atração de talentos. Em uma das oportunidades que tive a possibilidade de estar na mesa de negociação, o sindicato ressaltou a prioridade dos empregados por um reajuste maior no vale-alimentação, porque o valor pago pela empresa concorrente era maior.

A empresa se adaptou à reivindicação, concedendo um significativo reajuste do benefício, com a contrapartida de um reajuste salarial menor, e a negociação coletiva foi fechada dentro das expectativas dos empregados, contribuindo para a redução da rotatividade naquele ano da data-base, somada a outras políticas empresariais.

Nesse sentido, é necessário que os sindicatos sejam percebidos como instrumento de compliance para identificação de falhas e constatação dos anseios dos trabalhadores, na busca de um relacionamento a ser estabelecido de forma perene.

Logo, como vimos, a negociação tem o potencial de estabelecer regras que reflitam e acomodem as expectativas de trabalhadores, com o propósito de retenção e atratividade de talentos.

Nomadismo digital

Outro exemplo prático de que as negociações são importantes aliadas nas políticas de retenção e atratividade é a circunstância nascida com o advento do trabalho remoto: muitos empregados passaram a trabalhar em outros municípios, estados e mesmo países (passando a ser denominados “nômades digitais”).

Apesar do local da prestação dos serviços ser a regra para aplicação das normas coletivas aos contratos de trabalho, verifica-se que acordos coletivos passaram a ser negociados para regulamentar essa nova modalidade de trabalho à distância, em razão da omissão legislativa.

Normas coletivas foram negociadas para regulamentar questões como:

  • A forma da prestação dos serviços (síncrono ou assíncrono — ou seja, no mesmo horário de funcionamento da empresa ou em horário distinto);
  • Feriados aplicáveis aos empregados, de acordo com localidade da prestação dos serviços;
  • Regulamentações para definir conceitos alheios à expatriação;
  • Além de outros aspectos que a norma coletiva poderia, e deveria, normatizar.

Ou seja, ninguém melhor do que as próprias partes envolvidas para negociar suas realidades. A Medida Provisória nº 1.108/2022, recentemente aprovada e aguardando sanção presidencial, porém, ao determinar ser aplicável a norma coletiva relativa do lugar onde está o estabelecimento empresarial que o empregado esteja lotado, vinculado contratualmente, e para qual preste serviço, vem em sentido contrário, pois, em nosso entender, tal previsão poderia ser deixada à vontade das partes.

Em mais uma constatação do Direito ser, novamente, desafiado pela realidade da sociedade, especialmente em tempos de pandemia, a preferência por um local flexível para a prestação de serviços parece traduzir-se, dentre outras, em uma das reivindicações importantes para as milhares de pessoas que se demitem, mesmo em uma conjuntura de elevada taxa de desemprego.

O momento exige que o empresariado se preocupe com as políticas de atração e retenção de trabalhadores. A visão de que o “patrão existe para explorar o trabalho” perde espaço, em certa medida, para a nova conjuntura da “Grande Demissão” ou “Grande Resignação”, em que milhares de empregados pedem demissão, diariamente, à procura de um trabalho que esteja mais alinhado aos seus projetos de vida.

Independente do nome que se queira atribuir ao fenômeno, ele é a comprovação de que a negociação coletiva é fundamental para adequação da realidade das empresas às expectativas dos empregados, a fim de reter e atrair talentos.

O Princípio da Adequação Setorial Negociada — em resumo, negociação coletiva para a realidade de determinado setor em específico — ganha, nessa medida, ainda mais relevância.

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