HIDRELÉTRICA DE FURNAS, DA ELETROBRAS: empresa anunciou um lucro de 12,7 bilhões de reais no segundo trimestre / Divulgação
Letícia Toledo
Publicado em 8 de julho de 2016 às 22h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.
No balanço, prejuízos e dívidas; na bolsa, ações suspensas; na Justiça, o nome de ex-presidentes envolvidos em esquemas de propina; nas operações, funcionários em greve. Junte todos esses problemas e o resultado é o buraco em que se meteu a maior companhia de energia elétrica do país, a Eletrobras.
Os prejuízos são marca registrada nos balanços da estatal desde 2012. Foram 30 bilhões de reais de perdas nos últimos três anos. O prejuízo de 2015 foi o maior da história de uma empresa do setor de energia no Brasil – 14,4 bilhões de reais. A dívida é de quase 40 bilhões de reais. Pra fechar, a empresa foi suspensa em maio da bolsa de Nova York por atraso de entrega de documentos. Até o fim do mês a bolsa americana deve avaliar se as ações da estatal deixarão de vez a bolsa.
Esta semana foi especialmente caótica: os funcionários das 17 empresas do grupo cruzaram os braços durante 72 horas reivindicando aumento salarial. Na Justiça, os desdobramentos do chamado Eletrolão, que investiga irregularidades no setor elétrico, voltaram a assombrar a companhia com um mandado de condução coercitiva do então presidente da Eletronuclear, Pedro Diniz Figueiredo, que foi afastado do cargo. Figueiredo é acusado de atrapalhar o andamento das investigações sobre o ex-presidente da empresa, Othon Pinheiro, em uma comissão independente de investigação instituída pela Eletrobras.
As distribuidoras
Um dos primeiros passos para reorganizar a Eletrobras deve ser dado em agosto, quando um antigo projeto para livrar a estatal de suas distribuidoras terá início. Só no primeiro trimestre deste ano, as sete distribuidoras do grupo foram responsáveis por quase um terço de todo o prejuízo de 3,9 bilhões de reais da Eletrobras.
No dia 19 de agosto está marcado o leilão da Celg Distribuidora, de Goiás, por um valor mínimo de 2,8 bilhões de reais. Só as dívidas da companhia são estimadas em mais de 2,4 bilhões de reais. O leilão da empresa, em que a Eletrobras detém 51% do capital e o governo de Goiás outros 49%, deve servir como termômetro para destravar a venda das outras.
O valor exigido é considerado alto por especialistas. Para tornar a Celg e as outras distribuidoras mais atrativas, o governo de Michel Temer aprovou, no fim de junho, a Medida Provisória 735. Um dos pontos mais importantes da MP, segundo especialistas, foi a mudança de 20 para 30 anos da vigência do contrato de concessão da distribuidora. “A ampliação torna essas empresas mais atraentes porque dá mais tempo ao comprador para atingir metas de qualidade da Aneel”, diz Fernando Camargo, sócio-diretor da LCA Consultores.
Se a situação da Celg já não é das mais propícias para venda, as outras seis distribuidoras podem representar um desafio ainda maior. Juntas, elas têm um patrimônio de 2,3 bilhões de reais negativos. “Quem comprar essas companhias nesta situação pagará apenas um valor simbólico para assumir suas dívidas e tentar recuperá-las”, diz Camargo.
Ciente do desafio que as subsidiárias têm pela frente, o conselho da Eletrobras quer um aporte de 8 bilhões de reais do governo para organizar as distribuidoras e prepará-las para as privatizações que, segundo a companhia, precisam ocorrer até o fim do próximo ano.
O governo não gosta muito da ideia. “Na situação fiscal que o país vive hoje é muito difícil pensar que vamos mobilizar 8 ou 10 bilhões de reais de recursos da União para aportar [na Eletrobras]”, disse Paulo Pedrosa, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia em entrevista coletiva na quinta-feira 07 após uma reunião. Caso não cheguem a um acordo, a estatal pode decidir devolver o comando das distribuidoras à União.
Comando novo
Para executivos do setor e analistas ouvidos por EXAME Hoje, o novo presidente a caminho pode ser a salvação para o impasse das distribuidoras. O engenheiro Wilson Ferreira Junior foi confirmado no dia 22 pelo governo para ocupar a presidência da Eletrobras e deve assumir o posto ainda este mês. Ferreira foi presidente da distribuidora de energia CPFL durante 16 anos, cargo que ocupou até o fim de junho. Preparou a empresa para a abertura de capital, em 2004. Hoje, ela é a maior companhia privada do setor. Sua receita passou dos 3,30 bilhões em 2002 para 19 bilhões de reais no ano passado.
O desempenho chamou a atenção da maior empresa de energia elétrica do mundo, a estatal chinesa State Grid, que anunciou no fim da semana passada a compra de 23,6% da empresa por um valor de 6 bilhões de reais. Na bolsa, o valor de mercado da CPFL é de 23 bilhões de reais, maior do que o valor da Eletrobras que não chega aos 20 bilhões de reais.
“O Wilson tem uma grande experiência na distribuição de energia. Acredito que ele vai melhorar a qualidade das distribuidoras e prepará-las para vendas”, diz a advogada e economista Elena Landau, que comandou o processo de privatizações no país nos anos 1990. O mercado também parece otimista. Desde que o nome de Ferreira foi anunciado, no último dia 22, as ações preferenciais da companhia já subiram quase 40%; nas ordinárias, o salto foi de 55%.
A venda das distribuidoras, avaliam especialistas, deve atrair sobretudo a atenção de empresas chinesas. Além da State Grid, que estaria avaliando a compra de mais ativos, especialistas citam a China Three Gorges, que recentemente concluiu a compra de duas hidrelétricas em São Paulo, por 13,8 bilhões de reais, como possível interessada nos ativos. “Enquanto as companhias de energia nacionais não estão em uma situação muito boa, as empresas chinesas são potenciais compradoras de tudo que a gente tem aqui”, diz Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora de energia Comerc.
Parte dos problemas
A venda das distribuidoras é apenas o começo da recuperação da Eletrobras. Para estancar a sangria no caixa, será preciso se desfazer de outros ativos. “Primeiro é preciso pensar o que se quer da Eletrobras no setor elétrico brasileiro daqui pra frente e a partir daí traçar um plano para os demais desinvestimentos”, afirma Landau.
Quando foi criada, em 1962, a Eletrobras era, ao mesmo tempo, uma operadora e uma espécie de reguladora do sistema elétrico. Por isso, atuava em geração, transmissão e distribuição. A empresa tem mais de 180 usinas hidrelétricas, termelétricas, eólicas e nucleares e metade de todas as linhas de transmissão do Brasil. Tem ainda seis subsidiárias de geração, entre elas Furnas e Eletrosul, metade do capital da usina Itaipu Binacional, sete subsidiárias de distribuição, uma empresa de participações, a Eletropar, e um centro de pesquisas, o Cepel.
Com tantas empresas, é claro, fica difícil manter o controle. “A Eletrobras é um grande banco em que o governo foi depositando tudo que queria”, afirma David Zylbersztajn, ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo e que comandou a Secretaria de Energia de São Paulo nos anos 90.
A necessidade de diminuir de tamanho pode levar à abertura de capital ou à venda da geradora Furnas, que tem 17 usinas hidrelétricas, duas termelétricas, três parques eólicos e aproximadamente 24.000 quilômetros de linhas de transmissão espalhados por 12 estados brasileiros. Furnas é vista como um dos ativos mais valiosos da Eletrobras, avaliada em 10 bilhões de reais. A estatal também pode vender as participações que tem em consórcios montados em parcerias com investidores privados. Os maiores exemplos seriam a participação da Eletrobras na hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, e a participação em um dos linhões da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Procurada, a Eletrobras disse que qualquer novidade sobre os planos futuros será anunciada por meio de comunicado ao mercado.
O governo de Michel Temer afirmou que pretende levantar 20 bilhões de reais com a venda de algumas das participações que a Eletrobras tem em mais de 170 Sociedades de Propósito Específico. Quando isso será feito, entretanto, ainda não está claro. O governo afirma apenas que os desinvestimentos “serão colocados à venda no momento oportuno”.
Os outros riscos
Wilson Ferreira também terá de lidar com problemas mais incontroláveis. Um deles é o risco de novas descobertas de corrupção envolvendo a companhia ou uma de suas subsidiárias.
A Operação Lava-Jato chegou ao setor elétrico em abril do ano passado, depois que Dalton Avancini, ex-presidente da construtora Camargo Corrêa, declarou em delação premiada ter pago propina à diretoria da subsidiária Eletronuclear para ganhar a obra de Angra 3. Em julho de 2015, Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear de 2005 a 2015, foi preso acusado de receber 4,5 milhões de reais de propinas de empreiteiras.
Na última quarta-feira 6 o Eletrolão voltou a mirar a companhia com a operação Pripyat, que teve como principal alvo novamente o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, que cumpria prisão domiciliar, desta vez acusado de cobrar 12 milhões de reais em propinas em contratos com a construtora Andrade Gutierrez nas obras da usina de Angra 3. A operação incluiu um mandado de condução coercitiva para o atual presidente da Eletronuclear, Pedro Diniz Figueiredo, que foi afastado do cargo e prendeu ainda outros cinco ex-funcionários da empresa.
Assim como a Petrobras, a Eletrobras virou ao longo das décadas um cabide de emprego para aliados do governo de plantão. Com Fernando Henrique Cardoso, as empresas ficaram, em sua maioria, nas mãos de nomes indicados pelo Partido da Frente Liberal (atual DEM), até então aliado do PSDB. Nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os cargos de peso foram divididos entre indicados do PT e do PMDB. O atual presidente, José da Costa Carvalho Neto foi nomeado pelo ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão (PMDB). Em Furnas, Flávio Decat de Moura foi nomeado em 2011 também sob o aval de Lobão. Já a Binacional Itaipu é presidida há quase 13 anos pelo petista Jorge Samek.
Os envolvimentos da Eletrobras em corrupção prejudicam a parte financeira da companhia. A suspensão da negociação de seus papéis na Bolsa de Nova York (Nyse) aconteceu após a empresa de auditoria KPMG, responsável por aprovar o balanço da estatal, se recusar a assinar o documento por indícios de irregularidades. Por enquanto, não há previsão de quando o impasse, que é referente ao balanço de 2014, será finalizado. Enquanto isso, a Eletrobras evitar que suas ações deixem permanentemente a bolsa de Nova York. Embora a saída não tenho muito impacto no momento, pode prejudicar a empresa no futuro.
“A saída da companhia da NYSE pode dificultar uma tomada de crédito da Eletrobras no mercado lá fora no futuro ou ainda dificultar a oferta de ações de uma de suas subsidiárias”, diz Fernando Camargo, da consultoria LCA.
Esta semana, trabalhadores de todas as 17 empresas da Eletrobras paralisaram as atividades nas áreas administrativas e de manutenção durante 72 horas. Os funcionários pedem um reajuste salarial de 9,28%. Segundo a Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel) representantes da associação estão em negociação com diretores da companhia. É apenas o mais recente de todos os nós que o governo vai precisar desatar.
(Letícia Toledo)