Felipe Abraovay, CEO da Pilar: “O corretor é um empreendedor. Ele tem renda incerta, altos e baixos" (Pilar/Divulgação)
Freelancer
Publicado em 23 de dezembro de 2025 às 07h07.
O mercado imobiliário de alto padrão atravessa um momento raro no Brasil. Mesmo com juros altos e incertezas macroeconômicas, a demanda segue firme, puxada por compradores de alta renda menos dependentes de crédito. Entre 2022 e 2024, o segmento de luxo cresceu em média 12%, segundo a Euromonitor.
É nesse cenário que a Pilar, imobiliária de alto padrão fundada em 2021, construiu um modelo pouco comum no setor: colocar o corretor no centro do negócio — e dividir mais valor com ele.
A história ganha relevância agora porque os números começam a mostrar o efeito prático dessa estratégia. Em 2025, mais de 20 corretores da rede superaram 1 milhão de reais em comissões. Outros 80 passaram da faixa de 500.000 reais. Em um mercado conhecido por concentração de renda e informalidade, o dado chama atenção.
“O corretor é um empreendedor. Ele tem renda incerta, altos e baixos. Se ele não vende, não ganha”, diz Felipe Abraovay, CEO da Pilar. “Quando você muda a lógica de incentivos e deixa o corretor com a maior parte da comissão, o impacto é direto.”
O desafio, agora, é sustentar esse modelo enquanto a empresa cresce, expande para novos mercados e tenta profissionalizar um setor historicamente resistente à mudança.
Abramovay se formou em administração na FGV e em direito na PUC-SP. Começou a carreira no mercado financeiro e passou por fundos de investimento, incluindo a Canary, onde atuou no time de venture capital.
A ideia da Pilar surgiu da interseção entre tecnologia e mercado imobiliário, em conversas com dois sócios: Luiz Gilbert, com experiência em fundos imobiliários, e Raphael Sampaio, engenheiro e ex-executivo da Conduto.
A empresa foi fundada em 2021 e começou a operar em 2022. Desde o início, a tese era clara: criar uma estrutura completa — tecnológica, jurídica e operacional — para que o corretor pudesse focar apenas na venda e no relacionamento com clientes.
“No primeiro ano, operamos como white label. A marca não aparecia. A gente construía a marca do corretor”, diz Abramovay.
Em 2022, a Pilar movimentou 250 milhões de reais em vendas. Em 2023, chegou a 1 bilhão. Em 2024, fechou o ano com 2,5 bilhões de reais em valor geral de vendas.
O crescimento acelerado veio com uma mudança cultural. O mercado imobiliário brasileiro, diferente do americano, sempre foi marcado pela baixa cooperação entre corretores. Nos Estados Unidos, o modelo de MLS, sigla para Multi-Listing Service, incentiva parcerias e compartilhamento de ofertas. No Brasil, a prática era oposta.
“A cultura era de passar por cima do outro corretor”, afirma Abramovay. “A gente começou a construir uma rede baseada em parceria.”
A chamada Rede Pilar foi lançada em 2023. Hoje, reúne mais de 800 corretores e mais de 200 imobiliárias parceiras em São Paulo e Curitiba. O portfólio soma mais de 30 mil imóveis acima de 2 milhões de reais.
Para Cintya Poppi, primeira corretora parceira da empresa, a lógica de rede muda o jogo. “A Pilar oferece uma valorização, onde o corretor é o protagonista do negócio”, diz. Com quase 30 anos de atuação nos Jardins, ela já superou 100 milhões de reais em vendas em 2025.
O modelo começa a produzir um efeito raro no setor. Segundo Abramovay, 23 corretores da rede já ultrapassaram 1 milhão de reais em ganhos apenas com comissões em 2025.
“Falta vender no mercado imobiliário que isso é um mercado de oportunidade”, diz. “O corretor bom é muito importante numa venda. Ele atua como consultor, ajuda a ler o bairro, o imóvel, o contexto.”
Para Denise Molinaro, corretora focada nos Jardins, o ganho está menos em volume e mais em precisão. “Corretor que diz que atende São Paulo inteira não conhece nada direito”, afirma. “Não é sobre estar sempre disponível. É sobre ser prática, objetiva e otimizar o meu tempo e o do cliente.”
Ela destaca que, no alto padrão, alinhar expectativa e realidade virou parte central do trabalho. “Atualmente o produto que atende esse público já está na faixa de 8 dígitos. Acima de tudo é conduzir a compra alinhando expectativa com realidade.”
Em 2024, a Pilar iniciou sua expansão para Curitiba. Em menos de um ano, estruturou uma rede de quase 100 corretores e movimentou mais de 250 milhões de reais em vendas, concentradas em bairros como Batel, Ecoville e Bigorrilho. A cidade está entre as quatro do país onde o metro quadrado de imóveis de luxo supera 20.000 reais, segundo a Abrainc.
Para Daniele Hallage, fundadora da Valsa Homes, a entrada na rede foi decisiva. “Quem está sozinho, está em desvantagem”, diz. “Estar em contato com profissionais de alta performance nos impulsiona.”
A expansão, no entanto, traz riscos. Escalar exige controle cultural. A Pilar mantém um processo de curadoria para entrada de corretores e também de desligamento quando há quebra de valores. “Mudar uma cultura de mercado é uma luta insana”, afirma Abramovay.
Mais de 40% do time da Pilar atua em tecnologia. A empresa usa inteligência artificial em áreas como análise jurídica, produção de contratos e ranqueamento de imóveis no portal Pilar Homes, lançado em 2024.
“A IA não vai substituir o corretor”, diz Abramovay. “Vai substituir o corretor que não usa.”
O Pilar Homes reúne apenas imóveis acima de 1 milhão de reais e funciona como gerador de demanda qualificada. O acesso é exclusivo para corretores parceiros.
A empresa levantou 6,5 milhões de dólares em uma rodada Série A em 2025, liderada pela Alexia Ventures. O capital é direcionado à consolidação em São Paulo, ao crescimento em Curitiba e ao fortalecimento do Pilar Homes.
“O mercado de alto padrão em São Paulo gira mais de 15 bilhões de reais por ano”, diz Abramovay. “Tem muito espaço ainda.”
O teste do modelo, no entanto, virá nos próximos ciclos do mercado. Vender imóveis caros é um jogo sensível a confiança, reputação e timing. E, nesse tabuleiro, a Pilar aposta que dividir mais com quem está na ponta pode ser a única forma de crescer sem quebrar o sistema.