Lua Andrade, fundadora da Elas Vida Leve: “Cerquem-se de quem entende suas dores. Juntas, de mãos dadas, conquistamos o mundo.”
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 14h00.
A chef de cozinha Lua Andrade não imaginava que a maternidade seria o ponto de virada da sua vida; muito menos depois de ouvir dos médicos que não conseguiria engravidar. Quando descobriu a gestação, em 2019, decidiu deixar a carreira em restaurantes para ficar mais perto e presente no dia a dia da filha. Como já fazia pães, pensou em iniciar um projeto na área, mas da forma mais “limpa” possível para que todas as pessoas pudessem comer. Intolerante à lactose e alérgica a corantes e conservantes, sabia o quanto era difícil não encontrar opções no varejo. “Queria ser inclusiva. Já tem muita exclusão no setor de alimentos”, afirma.
Foram cerca de cem testes até chegar à receita ideal. Nascia ali a Elas Vida Leve, especializada em pães artesanais sem glúten, lactose, açúcar, conservantes ou aditivos. A produção começou tímida – em torno de 20 unidades por semana –, e ganhou escala à medida que o público conhecia e recomendava a marca. Hoje, são cerca de 9 mil por semana. O portfólio reúne as linhas vegana, fit e gourmet, dentro de um modelo de negócios híbrido. As vendas acontecem pelo site, em pontos de venda parceiros no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e São Paulo, e diretamente na fábrica, em Currais Novos, no Seridó potiguar, com valor mais baixo.
Em 2026, o plano é construir uma segunda operação, maior do que a atual, e manter as duas. A nova unidade será dedicada à produção, enquanto a atual ficará responsável pelo desenvolvimento de novos produtos. Essa trajetória resultou na conquista do terceiro lugar no Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2025, na categoria Pequenos Negócios.
O início foi improvisado e intenso. Para evitar contaminação cruzada, toda a família passou a comer com as restrições. A cozinha da casa de Lua, pernambucana que está há oito anos no RN, virou a primeira “fábrica”. Tudo era por lá e com o apoio da mãe e irmã – produção, embalagens, atendimento e entregas. As primeiras vendas, feitas aos vizinhos e moradores da cidade, mostraram que havia espaço para crescer.
A chegada da pandemia, no entanto, dificultou o processo. A junta comercial estava fechada e o CNPJ, solicitado em 2020, só saiu mais de um ano depois. Com o comércio parado, não foi possível comprar equipamentos básicos, como batedeiras, e as massas eram feitas à mão. “Foi literalmente na raça”, lembra.
Na parte de gestão, o trio buscou cursos online sobre assuntos como finanças, precificação e planejamento. Com a alta demanda – que não parou nem na época da covid-19 –, foi preciso montar um espaço próprio em 2021. A empresa está em um local de 186 m². Em dois anos o crescimento foi de aproximadamente 820%. A expansão para outros estados começou de forma orgânica. Primeiro, abriu operações em novas cidades por delivery e revendas em empórios. Recife veio logo depois, em 2022. Já em 2025, São Paulo entrou no mapa.
Com o passar do tempo, Lua se aproximou do Sebrae-RN e aprimorou o entendimento sobre negócios. Recentemente entrou para o Feito Potiguar, programa que promove a valorização da produção local, destacando produtos que possuem conexão com a economia e identidade do estado. “Abriu minha visão de mercado e começamos a participar de feiras e eventos.”
Como em toda trajetória profissional, desafios surgiram. Um dos mais complexos foi encontrar insumos alinhados à proposta da marca. “Não adiantava desenvolver um produto limpo e usar frutas e verduras com agrotóxico.” Determinada a trabalhar com agricultura familiar, percorreu comunidades e visitou produtores até formar uma rede confiável. “Não existe tempo ruim para mim. Não deixo de avançar quando surge um problema; prefiro resolver caminhando”, diz.
A solução veio por meio de parcerias. “Fomos aprendendo e ajustando juntos”. Atualmente, cerca de 90% dos insumos vêm de produtores locais; o restante é adquirido em São Paulo e na Bahia.
A chef de cozinha também enfrentou dificuldades próprias de uma mulher à frente de um negócio de panificação, setor historicamente dominado por homens. Comentários deslegitimando sua técnica ou desqualificando o modelo de panificação limpa eram frequentes. “Isso só me motivou a fazer melhor.”
Na visão de Lua, a força das mulheres no empreendedorismo está na capacidade de conciliar múltiplos papéis sem perder o foco. “ Somos empresárias, mães, filhas, amigas – tudo ao mesmo tempo. Mas quando decidimos fazer algo, entregamos excelência”. Ela reconhece que dúvidas e inseguranças existem, mas nunca impediram seu avanço. “Mesmo no caos, seguimos entregando o melhor”, afirma. Segundo ela, a história que construiu até aqui mostra que é possível.
Agora, prepara-se para construir uma nova fábrica e liderar uma equipe maior e mais diversa. “É desafiador, claro. Mas é a escolha que fiz. Sempre digo às amigas empreendedoras que acham que não vão dar conta: se você escolheu esse caminho, segure a onda. Siga com coragem e um sorriso no rosto”. Reforça, ainda, a importância de criar laços e não competir, deixando um conselho às mulheres que desejam ter um negócio: “Cerquem-se de quem entende suas dores. Juntas, de mãos dadas, conquistamos o mundo”, finaliza.