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Destino de usina de níquel da Vale gera tensão na Nova Caledônia

Consórcio local e internacional enfrenta a oposição feroz de separatistas e lideranças indígenas kanak

Nova Caledônia: manifestações, interrupções de rodovias, bloqueio de minas, de estabelecimentos comerciais e infraestruturas acompanham há várias semanas o cotidiano desta comunidade francesa (AFP/AFP)
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AFP

Publicado em 30 de novembro de 2020 às 21h46.

O arquipélago francês da Nova Caledônia aguarda com nervosismo uma decisão prevista para a sexta-feira da mineradora brasileira Vale sobre a possível venda de sua usina de níquel a um consórcio local e internacional, que enfrenta a oposição feroz de separatistas e lideranças indígenas kanak.

"É um expediente explosivo capaz até de fazer desandar o processo de descolonização em curso e de pôr em risco a estabilidade da região", avaliou, inquieto, um empresário.

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Manifestações, interrupções de rodovias, bloqueio de minas, de estabelecimentos comerciais e infraestruturas acompanham há várias semanas o cotidiano desta comunidade francesa, situada no Pacífico sul, onde os críticos desta transação prometeram "não ceder em nada para preservar a riqueza mineral do país".

Usina de processamento de níquel da Vale em Goro, no sul da Nova Caledônia, em 27 de maio de 2015 (AFP)

Na esperança de apaziguar os ânimos, uma "mesa redonda" por videoconferência entre o ministro francês do ultramar, Sébastien Lecornu, e os principais líderes caledônios será celebrada nesta terça-feira para que "cada um expresse suas expectativas e interrogações".

Esta crise ocorre depois do segundo referendo sobre a independência, em 4 outubro, vencido por uma estreita margem pelos pró-franceses (53,3%), o que exacerbou as desavenças entre as comunidades Kanak e europeia.

Uma terceira votação está prevista para 2022.

Ao final de um mês de discussões exclusivas, a Vale, a maior produtora mundial de níquel, deverá anunciar na sexta-feira se aceita a oferta de recompra de sua usina de níquel no sul da Nova Caledônia, apresentada por um consórcio caledônio e internacional, que inclui o grupo Trafigura.

Caso contrário, a Vale fechará as portas, deixando na rua cerca de 3.000 funcionários e terceirizados.

"Tudo estará pronto para o dia 4 (de dezembro): os documentos jurídicos, as garantias, o financiamento, à exceção do pacto de acionistas da parte caledônia, que o deixaram aberto e flexível", explicou à AFP Antonin Beurrier, presidente da Vale-NC e membro a título pessoal do consórcio de compradores, batizado de Prony Resources, que ele presidirá.

Apoiada na riquíssima jazida de Goro, a usina da Vale, que utiliza um processo de tratamento químico, é um sumidouro financeiro - soma 2 bilhões de dólares em perdas desde 2014 -, que acumulou riscos técnicos.

"Especulação bursátil"

O fechamento da usina de processamento permitiu redimensionar as atividades no local, que produz atualmente um produto intermediário com níquel e cobalto - o níquel hidróxido cake (NHC) -, destinado ao mercado promissor de baterias para veículos elétricos.

"Agora temos uma usina que funciona, que alcançou o equilíbrio de exploração", comemorou Beurrier, contando com uma produção de 30.000 toneladas de NHC este ano.

O consórcio concorrente tem "uma estrutura inovadora", com 50% de interesses públicos e privados caledônios em curso de repartição, 25% para a Trafigura, negociadora de matérias-primas baseada na Suíça, e 25% para uma financeira, pertencente a Beurrier e outros acionistas cuja identidade não foi comunicada.

A Vale deixa 500 milhões de dólares em caixa para a construção de uma área de armazenamento de rejeitos de mineração, e o governo francês aporta quase a mesma quantia em crédito, garantia e desagravamento fiscal.

Usina de processamento de níquel da Vale em Goro, no sul da Nova Caledônia, em 27 de maio de 2015 (AFP)

Autoridade de regulação e proprietária do subsolo, a província Sul, dirigida por pró-franceses, apoiam o projeto.

Qualificando a operação de "pura especulação bursátil", o coletivo "Usine du sud: usine pays" (Usina do sul: usina do país), apoiado pela Frente de Libertação Nacional Kanak Socialista (FLNKS) quer barrar a qualquer custo o caminho para a Trafigura.

Considerado a base do financiamento da independência, o níquel deve, segundo os separatistas, permanecer "sob o controle da força pública".

Os membros do coletivo defendem uma oferta concorrente, apresentada pela Sociedade Financeira da Província Norte (Sofinor) e pela Korea Zinc.

Eles afirmam que esta foi discriminada porque a Vale lhe nega a segunda etapa de diligência prévia ("due diligence"), que permite visitar o local. "Nós não vamos entrar de olhos fechados, queremos ter certeza de que não há problemas ambientais", declarou um alto funcionário da Sofinor.

No fim de outubro, a Vale descartou a Sofinor/Korea Zinc em razão "de garantias financeiras e industriais insuficientes", enquanto uma nota confidencial do ministério da Economia, em Paris, revelada por veículos de mídia locais, a qualificaram de "preliminar e pouco documentada".

O FLNKS e o coletivo "Usine du sud: usine pays" informaram que sua demanda "prioritária" a Sébastien Lecornu durante a mesa redonda desta terça será que "a Korea Cinz e a Sofinor possam concluir sua oferta".

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