Depois de IPO e ano de alta do e-commerce, o que será da Méliuz em 2021?
Depois de ano agitado, balanço financeiro divulgado hoje traz bons números e reforça futuro otimista para empresas de tecnologia que miram abertura de capital
Maria Clara Dias
Publicado em 31 de março de 2021 às 06h00.
Última atualização em 31 de março de 2021 às 12h57.
A Méliuz divulgou hoje, 31, o balanço financeiro do quarto trimestre de 2020 e o resultado consolidado do ano passado. Desde que abriu capital na Bolsa, em novembro, a Méliuz anima investidores, e os resultados do período devem reforçar o bom momento da empresa depois de um ano de ouro marcado pela expansão na base de clientes, usuários ativos e um IPO bilionário.
Fundada em 2010, a Méliuz funciona como uma espécie de plataforma de conexão entre consumidores, prestadores de serviços e marcas varejistas. O que a empresa chama de esquema de “ganha-ganha-ganha”, nada mais é do que basear sua atuação nos estornos - os famosos cashbacks. As empresas pagam para estar na plataforma, consumidores recebem parte do dinheiro das compras de volta e a Méliuz tem acesso a um leque infinito de dados. Todos ganham.
“Somos uma das maiores plataformas de e-commerce do país sem vender nenhum produto e sem ter de entregar nada”, disse o presidente e fundador da Méliuz, Israel Salmen, em entrevista à EXAME em fevereiro.
Entre os meses de setembro e dezembro de 2020, a empresa registrou uma receita líquida de 43,3 milhões de reais, um crescimento de 80% frente ao mesmo período do ano anterior. Ao longo de todo o ano, a receita líquida foi de 125,4 milhões. Com o resultado, a Méliuz estabeleceu uma taxa de crescimento anual de 69% desde 2017.
Já o EBITDA (margem de lucro antes de encargos e depreciações) registrado foi de 5,6 milhões de reais no período, e 30,3 milhões de reais no acumulado do ano, um crescimento de 186% quando comparado ao desempenho de 2019.
Foram 2,5 bilhões de reais movimentados na plataforma - 1,1 bilhão de reais apenas no quarto trimestre. Quando pediu o registro para fazer a oferta de ações, a empresa tinha 10 milhões de usuários cadastrados. Terminou dezembro com 14 milhões.
A Méliuz também inaugurou a safra de aberturas de capital de empresas de tecnologia e startups na B3, um movimento seguido por Locaweb e Enjoei. Quando fez seu IPO, a empresa era avaliada em 1,25 bilhão de reais. Hoje, vale 3,5 bilhões.
Mesmo com números tão positivos, a pergunta que fica é para onde a Méliuz deve olhar para, ao mesmo tempo em que atrai empresas e conquista a empatia do mercado, seja capaz de expandir a oferta de soluções financeiras e fortalecer o ainda embrionário mercado de cashbacks.
Em 2020, a Méliuz lançou um novo serviço atrelado à Nota Fiscal e que também oferece cashback, além de lançar mão de parcerias com empresas de delivery e streaming para a venda de gift card s, os cartões pré-pagos.
O futuro dos cupons
A Méliuz se posiciona como uma empresa de tecnologia e inteligência de dados para as relações de consumo e é esse o grande diferencial competitivo da companhia, segundo Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, consultoria especializada em varejo.
Na visão de Yamashita, a alta no e-commerce beneficiou a Méliuz, mas os principais destaques da empresa ainda são o investimento massivo em tecnologia e o uso inteligente dos dados contidos no marketplace. “Eles conhecem dados, perfis de compra e isso é um mercado com grande potencial”, diz. “Hoje, a Méliuz está menos no mercado de cashback e mais no mercado de marketplace”.
O cashback, nesse cenário, serve de fio condutor para reter os clientes dentro da plataforma e aí então, ter a chance de oferecer a eles um leque ainda maior de serviços, segundo o especialista.
A análise vai de encontro ao divulgado pela empresa em seu último balanço, quando justificou os bons resultados operacionais com o crescimento dos parceiros no marketplace, apesar de ter tido uma queda nas receitas de empresas do setor de turismo e viagem.
Com aumento das vendas pela internet, os cupons de desconto e estornos de compras movimentaram mais de 1,5 bilhão de reais no primeiro semestre, segundo o portal de ofertas Cuponomia.
Para o analista Valter Pieracciani, a modalidade é positiva para o varejo, pois fideliza os clientes. Do ponto de vista do consumidor, a tendência é positiva e traz maior autonomia e poder de escolha.
Para ele, o mercado de cashbacks tende a ser beneficiado com a alta no e-commerce, mas atua de maneira isolada e tem crescimento independente.
Em maio do ano passado, a Méliuz deu o que seria o primeiro passo rumo à integração de diferentes atores do varejo no mundo do estorno. A ação, que ficou conhecida como “Dia do Cashback ”, mobilizou marcas como Magazine Luiza, Dell, Centauro, Boticário, Adidas, Acer, Seculus, Natura, Carrefour, Marisa e Renner a devolverem ao consumidor de 5% a 17% do valor das compras feitas na plataforma da Méliuz.
Em meio a um cenário competitivo e com presença robusta de gigantes do varejo, uma estratégia válida para as empresas de cashback - entre elas a Méliuz - é engajar a indústria e as grandes fabricantes de produtos, segundo Pieracciani. “A ideia será sentar com Nestlé, P&G e fazê-los aderir a esse movimento”, diz. O benefício será a troca de dados. “Essa será a principal estratégia. Oferecer algo em troca e incentivá-las a criarem grandes campanhas de cashback e na lógica de compre um e leve dois”, diz.
Soluções financeiras
Na visão de Yamashita, a oferta de serviços financeiros ainda é muito limitada para o mercado de cashbacks. Desde 2019, a Méliuz oferece um cartão de crédito sem anuidade que devolve até 1,8% das compras, fruto da parceria entre Mastercard e Banco Pan. Os pedidos pelo cartão se multiplicaram por 26 no quarto trimestre de 2020. As solicitações realizadas apenas no quarto trimestre representaram 47% do total de cartões solicitados desde o lançamento, em 2019.
Ao olhar para os clientes e suas necessidades específicas, a Méliuz tem chances de se posicionar além de marketplace financeiro. “Eles podem atuar em outros setores, outros segmentos de mercado. Basta continuar a conhecer o seu cliente. Assim, você pode vender o que você quiser a ele”, analisa o especialista sobre a oferta de novos produtos.
Fim da euforia?
A Méliuz foi a primeira a puxar uma fila de empresas de tecnologia a estrearem suas ações na Bolsa. Por um tempo, a euforia com a inovação e o baixo preço dos papéis fizeram o desempenho da Méliuz disparar na B3. O mesmo foi percebido em empresas como a Mosaico e Locaweb.
A alegria das novatas é agora, contudo, colocada em xeque diante de uma queda colossal no mês de março. Depois de alta histórica em fevereiro, Locaweb, Méliuz, Enjoei e Mosaico, que juntas somavam 34 bilhões de reais, agora somam em apenas 18 bilhões de reais, um tombo de 47% num curto espaço de tempo.
Enrico Trotta, analista de tecnologia e Equity Research do Itaú BBA, diz que o que acontece agora com a bolsa é uma estratégia de investidores e fundos de investimento para se manterem alocados em empresas de valor garantido, mais estabilidade e menor dependência do crescimento no longo prazo.
A tríade é justamente o que sustenta a existência das empresas de tecnologia, conhecidas pelo alto potencial de crescimento e ritmo acelerado de expansão.
Contudo, os fundamentos básicos não mudaram para as empresas de tecnologia. “Continuamos vendo essas empresas com bons olhos, mas com um cenário incerto como o do Brasil, com aumento da taxa de juros no longo prazo, as empresas com crescimento acelerado são as mais impactadas”, diz.
A transição para uma escolha de empresas de crescimento para empresas de valor é um reflexo conservador diante de um cenário político e fiscal incerto, mas não deve apagar a chama das empresas de tecnologia, tampouco desestimular as startups que seguem na fila para um IPO na Bolsa.
“Vamos continuar vendo IPOs de tecnologia, mas os fundos estão mais seletivos”. A cautela irá ainda permear a escolha dos papéis no curto e médio prazo, mas a seletividade continuará dependendo da estabilidade do cenário atual. “A euforia deve voltar, mas a estabilidade ainda fala mais alto”.
Para Méliuz, a expectativa é de um trimestre de bons números, segundo Trotta. “As demonstrações financeiras não devem vir com grandes surpresas. O viés ainda é positivo”, diz.