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De Uber a Musk: os sauditas compram o mundo

O reino do petróleo iniciou uma onda de investimentos em novas tecnologias para renovar sua economia – e também seu poderio político mundo afora

Elon Musk afirmou pelo Twitter que vai entrar em um negócio "da China" (Carla Gottgens/Bloomberg)

Karin Salomão

Publicado em 15 de agosto de 2018 às 06h00.

Última atualização em 15 de agosto de 2018 às 06h00.

A Arábia Saudita virou uma espécie de Posto Ipiranga para empreendedores de tecnologia. Na semana passada, o polêmico fundador da montadora de carros elétricos Tesla, Elon Musk , anunciou via Twitter o desejo de fechar o capital da companhia. O projeto era recomprar ações a 420 dólares, 30% acima da cotação de mercado (ou um prêmio de 15 bilhões de dólares para uma empresa que valia 50 bilhões).

Como a Tesla tem severas dificuldades de cumprir suas metas de produção e lida com dúvidas cada vez maiores de seus investidores, analistas logo se perguntaram quem seria o louco disposto a bancar o investimento de fechar o capital da empresa. Nesta segunda-feira, Musk revelou quem seria “o louco”: o fundo soberano da Arábia Saudita.

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Segundo Musk, em conversas no dia 31 de julho o fundo saudita mostrou interesse em financiar o projeto da Tesla. Um novo conselho foi formado pela empresa nesta terça-feira para avaliar a viabilidade do fechamento de capital.

A falta de garantias sobre o negócio pode causar problemas para Musk com as autoridades americanas, numa novela que ainda está começando. Mas a revelação de que um dos homens mais inovadores do mundo foi bater às portas dos sauditas revela mostra que o reino do petróleo está expandindo seus investimentos pelo mundo.

É uma caminhada tão concreta quanto polêmica. O plano foi divulgado em 2016, pouco depois de o príncipe saudita Mohamed Bin Salman assumir o comando do reino. Em 2017, o plano ganhou tração quando Salman anunciou uma investida contra corrupção que pôs na cadeia alguns dos mais influentes políticos do reino e serviu também de deixa para acelerar a modernização do país. A ordem é cortar a dependência do petróleo. Para isso, o reino pretende criar o maior fundo soberano do planeta, com até 2 trilhões de dólares de ativos (ou 13 vezes o tamanho que tinha à época).

Para chegar lá, os sauditas preveem abrir o capital de sua maior joia, a petroleira saudita Saudi Aramco. Cerca de 70% das receitas sauditas vêm do petróleo, o que traz problemas de curto prazo com as variações no preço, mas sobretudo traz inseguranças de longo prazo com os crescentes investimentos em fontes renováveis de energia.

A Saudi Aramco virou ela própria um forte investidor, com seu braço Energy Ventures (SAEV). A companhia investiu na inovadora empresa química americana Siluria Technologies, e na companhia de análise de dados Wearable Intelligence. Outra estatal, a National Petrochemical Industrial Co, investiu em outros três programas de energia limpa: na sueca Sol Voltaics, na japonesa GLM, na americana BeamReach Solar (que quebrou).

Transportes é outro ramo de predileção dos sauditas. O fundo Public Investment Fund of Saudi Arabia investiu 3,5 bilhões de dólares na expansão do aplicativo Uber no Oriente médio. A Kingdom Holding Company investiu mais de 497 milhões de dólares na companhia de caronas Lyft. A família real Saudita investiu 155 milhões de dólares no unicórnio de jatinhos particulares JetSmarter.

Salman afirmou que os investimentos, e não o petróleo, serão a fonte de receita primordial da Arábia Saudita em 20 anos. Como os sauditas por décadas fizeram do petróleo uma fonte não só de receitas, mas de grande poder político, os investimentos não devem seguir caminho diferente. O petróleo trouxe uma grande proximidade com os Estados Unidos desde os primórdios — foram geólogos da Standard Oil que encontraram enormes reservas nos desertos sauditas nos anos 30.

“A Arábia Saudita quer investimentos em tecnologia com alto retorno no longo prazo. E aproveitam os bilhões investidos para criar novas relações com outros países”, afirma Ayham Kamel, pesquisador e especialista em Oriente Médio da consultoria Eurasia Group.

As apostas estão cada vez mais altas. Em março, a Arábia Saudita e o fundo de investimentos japonês SoftBank anunciaram um projeto de energia solar de 200 bilhões de dólares, o maior da história. O plano é que o projeto ajude a redefinir a economia do reino, até hoje dependente do petróleo, e ainda gere 100.000 postos de trabalho. Quando concluído, o projeto deve triplicar a capacidade de geração de energia da Arábia Saudita, hoje dependente de petróleo e de gás natural.

É o mais novo investimento conjunto dos árabes com o SoftBank, do japonês Masatoshi Son. Eles lançaram juntos, em 2016, o fundo Vision SoftBank, destinado a investir 100 bilhões de dólares em projetos inovadores dos Estados Unidos, da Índia e da Europa (cerca de 45 bilhões vieram dos sauditas). Outro grande investidor do Vision é o fundo Mubadala, dos Emirados Árabes.

Son tem uma visão peculiar de futuro, que norteia seus investimentos: ele acredita que as máquinas serão mais inteligentes que as pessoas, e que os robôs vão redefinir a organização de trabalho. Por isso, ele mira empresas à frente de pesquisas com inteligência artificial em ramos como transporte, alimentação, trabalho, saúde, finanças. Onde ele vai, os árabes vão junto.

Entre os investimentos do SoftBank estão as empresas de transporte Uber, dos Estados Unidos, Didi Chuxing, da China, e Ola, da Índia. O fundo também investe na empresa de softwares de gestão Slack, na startup de robótica Brain Corp, na fabricante britânica de chips ARM.

O risco Canadá

Ávidos investidores, os sauditas são conhecidos por interferir pouco nos ativos escolhidos – desde que os países que recebem os aportes fiquem longe de seus assuntos internos. É o que aconteceu com o Canadá, que nas últimas semanas assistiu a uma inesperada e enfática retaliação do governo saudita, ao apelar pela libertação de Samar Badawi, uma renomada ativista saudita pelos direitos das mulheres, detida na semana passada, e que tem parentes que vivem no Canadá.

Em uma sequência de comunicados, as autoridades e a mídia saudita informaram a expulsão do embaixador canadense, o congelamento de novas transações comerciais e de investimentos no país e a suspensão de um programa de intercâmbio estudantil. Os sauditas investem em hotéis, empresas agrícolas e de logística no país.

Para Kamel, da Eurasia, a resposta do governo saudita serviu como um exemplo de que o país, apesar de estar mais aberto a novas tecnologias, não vai tolerar qualquer intervenção ocidental. “A ideia do príncipe é de mostrar que, junto com novos planos de modernização do país haverá uma nova postura política e diplomática”, afirma.

E aí, Musk, vai encarar?

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