Como a Transpetro tenta recuperar a indústria naval do país
Presidente da companhia, Sergio Machado, defende o fortalecimento de um setor que movimenta cerca de 16 bilhões de reais por ano
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
São Paulo - Quando assumiu o cargo de presidente da Transpetro, em 2003, o ex-senador Sergio Machado (PMDB-CE) tinha uma dura missão: tirar do limbo a indústria naval brasileira, que, depois de viver seu auge nos anos 70, viu os governos seguintes darem de ombros para o setor.
"Nas minhas viagens para o exterior, os empresários diziam para eu comprar navios fora do país porque não acreditavam na indústria naval brasileira", disse ele ao site EXAME. A mesma situação acontecia no Brasil quando Machado tentava convencer os empresários brasileiros a investir no setor. Hoje a situação se inverteu.
O principal passo para a recuperação da indústria é o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), lançado em 2004. A descoberta do pré-sal deu também novo impulso à indústria. "Nosso comércio internacional depende 95% dos navios. Então, temos de investir."
A Transpetro, controlada pela Petrobras, destinará 4,6 bilhões de reais para a construção de 49 novos petroleiros. O primeiro navio foi lançado em maio pelo Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernambuco, e o início da construção do segundo petroleiro aconteceu no último dia 29.
Ao todo, o EAS entregará à Transpetro dez navios do tipo Suezmax até 2014 -- cada modelo equivale a 2,5 vezes o campo do Maracanã. No Rio de Janeiro, o mais antigo estaleiro do país, o Mauá, lançou, no dia 24 de junho, o primeiro de quatro navios de produtos encomendados pela companhia -- o Celso Furtado, em homenagem ao economista.
Ainda no segundo semestre deste ano, outros dois navios do Promef serão lançados ao mar. Com isso o Brasil já tem a quarta maior carteira de encomendas de navios petroleiros do mundo.
No início de julho, o BNDES aprovou um financiamento de 3,9 bilhões de reais para a indústria naval. Do total, 2,6 bilhões irão para a Transpetro. O restante será destinado ao EAS. Os recursos serão usados para a construção de sete navios-tanque encomendados pela Transpetro à EAS. Nesta entrevista ao site EXAME, Machado fala da importância de retomar a indústria nacional para torná-la competitiva mundialmente. Confira os principais trechos.
EXAME - Na década de 70, o Brasil era o segundo produtor mundial e só agora voltou a receber investimentos. Por que acha que isso aconteceu?
Machado - No Brasil, é comum enterrar os problemas. Naquela época, tivemos algumas questões para resolver na indústria naval, mas acharam mais fácil acabar com ela. A indústria naval do país tinha 40.000 empregos e caiu para 1.800. Houve também uma crise no Tesouro. Quando recebemos o desafio para reativar o setor, fizemos um estudo de toda a indústria no mundo para ver o que poderíamos fazer. Nós não queríamos simplesmente produzir navios, queríamos recriar a indústria para torná-la competitiva e duradoura.
EXAME - Depois de anos de abandono, o Promef é o maior investimento para retomar a indústria naval. Quais são os principais desafios?
Machado - Estávamos muito atrasados em relação ao resto do mundo. Os instrumentos de nossa mão de obra estavam defasados. Decidimos investir em modernização da indústria, atrair novos players, criar novos estaleiros, modernizar os existentes e investir em treinamento pesado. O Brasil não tem opção: navios são essenciais. Hoje 95% do nosso comércio internacional é feito por eles. No mundo, esse valor é de 80%. Com navios de terceiros, o salário é pago lá fora, e os impostos vão para o exterior também. Menos de 4% dos 16 bilhões da indústria ficam no Brasil. Tudo está por trás de uma filosofia do governo Lula que é usar uma oportunidade e transformar em possibilidade de mudar a vida das pessoas.
EXAME - Como vocês estão trabalhando a falta de mão-de-obra especializada?
Machado - Fizemos convênios com universidades, centros técnicos e com o Ministério de Ciência e Tecnologia. Não queremos criar uma indústria de verão, queremos criar uma indústria permanente. Para treinar o pessoal, oferecemos ciclos de 90 dias de treinamento para cada área de atuação. O resultado foi a diminuição do tempo de produção de um navio. Na década de 70, era de 30 meses. Agora, é de 8. Também temos a preocupação de aproveitar ao máximo a mão-de-obra local.
EXAME - Os 49 navios do Promef utilizarão 4,6 bilhões de reais. Como é feito o financiamento dessa nova frota?
Sergio Machado - O Fundo da Marinha Mercante (FMM) financia 90% da construção deles, e o restante é de capital próprio da Transpetro. Em dezembro passado, o governo aprovou um aporte de quase 15 bilhões de reais para o Fundo. Trata-se de um empréstimo apenas.
EXAME - A Petrobras fará uma nova oferta de ações para capitalização. A Transpetro depende, de alguma forma, desses investimentos?
Machado - Não posso comentar muito sobre isso exatamente por conta do período de silêncio, mas não temos essa dependência. O Fundo da Marinha Mercante é o nosso principal financiador e que pode nos proporcionar um crescimento sustentável.
EXAME - A nova frota já faz a empresa mais competitiva?
Machado - É o início de um processo de transformação da indústria. Não vai acontecer de uma hora para outra. Estamos há 23 anos sem encomendar um navio, e há 13 sem construir. Isso fez com que a Transpetro fosse prejudicada. Nossa frota envelheceu. Hoje temos 52 navios e chegaremos a 108 em 2014. Além disso, cada navio que coloco para funcionar diminui as despesas com frete de embarcações estrangeiras.
EXAME - O Promef veio antes do pré-sal. O que mudou com essa descoberta?
Machado - Com o pré-sal, houve uma demanda maior. A Petrobras usa hoje 180 petroleiros, mas só 52 são nossos. Agora temos novo impulso e plenas condições de atender a essa demanda.
EXAME - Há planos de transformar a Transpetro numa indústria global?
Machado - O nosso interesse é vender não só para o Brasil, mas também para o exterior. Temos vendas para Estados Unidos, Venezuela, Itália... é preciso criar uma nova logística para o pré-sal. Nós nos preparamos para poder atender à necessidade da Petrobras em termos de tecnologia, segurança, confiabilidade, competitividade.
EXAME - Analistas afirmam que haverá um aumento nos preços do aço nos próximos meses. Como a Transpetro se preparou para essas eventuais elevações?
Machado - O custo de transporte de minério de ferro é muito alto e, como nossas siderúrgicas estão aqui, levamos uma vantagem. Se houver um aumento, haverá para o mundo todo. Queremos ter pelo menos a igualdade, não queremos pagar mais. O aço tem que ser uma vantagem comparativa para o Brasil. Para fabricar uma tonelada de aço, você precisa de 1,6 tonelada de minério de ferro e 0,7 de carvão.
EXAME - Exemplo disso é a Usiminas, que venceu uma licitação para fornecer 7.700 toneladas de aço para o Promef para o estaleiro de Mauá, no Rio de Janeiro...
Machado - Isso. As chapas navais no Brasil eram feitas apenas por duas empresas: Cosipa e Usiminas, que tinham preço 40% mais caro do que o material que conseguíamos com os estaleiros asiáticos. Como o aço representa entre 20% e 30% do navio, isso nos tiraria competitividade. Nós conversamos muito com fornecedores brasileiros e propusemos comprar se o preço fosse o mesmo do que o praticado no exterior. Para o programa, vamos utilizar um total de 660.000 toneladas de aço. Já compramos 140.000 toneladas -- 30% vem da Usiminas, que ofereceu um preço bom.
EXAME - Para você, há alguma diferença entre os candidatos presidenciáveis? O que espera do próximo governo?
Machado - Não dá para comentar. Eu, como presidente de uma estatal, não posso dizer nada. É uma área estratégica para o país. Então é algo que terá continuidade daqui para frente.