O cientista Carlos Nobre: “O ser humano se transformou em sua própria era geológica” (TIZIANA FABI/AFP/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 1 de novembro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 5 de novembro de 2021 às 13h33.
A Amazônia está próxima de um ponto de virada. Se o desmatamento continuar no ritmo atual, a floresta entrará em um ciclo de mudanças que transformará boa parte do seu território em uma savana. O alerta é do professor Carlos Nobre, da Universidade de São Paulo, um dos pesquisadores mais respeitados no mundo em matéria de mudanças climáticas.
Nobre faz esse alerta há anos. A questão não é política, é científica. Alterações na cobertura florestal, emissões de gases de efeito estufa e o uso indiscriminado dos recursos naturais ao longo de séculos estão cobrando seu preço. A era industrial fez da humanidade uma força tão poderosa que é capaz de desafiar a natureza. “O ser humano se transformou em sua própria era geológica”, afirma Nobre.
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O desafio da Amazônia é maior que a floresta. Sua destruição provocará mudanças permanentes no clima global. Aliás, isso já está acontecendo. As alterações no regime de chuvas no Sudeste, por exemplo, podem estar ligadas ao desmatamento. Segundo Nobre, a floresta está mais seca, a prova disso são os incêndios naturais que acontecem todos os anos. Eles só são possíveis em função da abertura de clareiras para a grilagem de terra, que deixa a mata indefesa.
Acabar com o desmatamento, no entanto, é apenas uma das urgências enfrentadas pela humanidade na luta contra as mudanças climáticas. Muito maior do que esse desafio é reduzir para zero as emissões globais até 2050, condição fundamental para atingir a meta do Acordo de Paris, de conter o aumento da temperatura global em 1,5oC.
Não é apenas a Amazônia que está próxima de um ponto de virada. O relatório produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto, surpreendeu todo mundo. Os números divulgados mostram um planeta perigosamente próximo do ponto de inflexão climático, um patamar científico que estabelece o momento em que o aumento da temperatura global provoca mudanças permanentes nos ecossistemas.
As chances dessa barreira ser ultrapassada em algum dos próximos cinco anos é de 40%, de acordo com o relatório. Há motivo para preocupação? “Já estamos observando os efeitos do aquecimento global, que ficam piores a cada pequeno aumento nas temperaturas”, afirmou Ed Hawkins, um dos atores do estudo.
A Conferência do Clima da ONU, a COP26, que começa nesta segunda-feira, 1º, em Glasgow, na Escócia, é a oportunidade que o mundo esperava para resolver essas e outras questões relacionadas ao clima. Segundo Nobre, um acordo global para limitar as emissões e atingir o chamado net zero é a única maneira de salvar a humanidade de ter de lidar com catástrofes naturais cada vez mais frequentes, e com os custos disso.
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Na prática, um acordo para zerar as emissões de carbono significa estabelecer as condições para uma nova economia, de baixo carbono, que mudará para sempre a produção e o comércio globais. Essa é a meta a ser perseguida na COP26, e ela só será atingida se cada país assumir suas responsabilidades e se comprometer, de forma ambiciosa, a fazer o que é preciso.
Para Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global, órgão da ONU que reúne o setor privado, o financiamento dessa transição econômico é um dos pontos mais importantes a serem tratados na conferência. E os países ricos devem ser pressionados.
A problemática das emissões de gases de efeito estufa, diz Pereira, é decorrente de um processo histórico de industrialização, e não do contexto atual. Dessa forma, a responsabilidade dos países desenvolvidos é maior do que a dos países em desenvolvimento. Esperamos que se chegue a um acordo sobre o mercado de carbono e sobre a transferência de recursos dos ricos para os pobres”, afirma. “Mas, a responsabilidade é de todos. As nações precisam levar mais ambição para a COP26 e ampliar seus compromissos.”
No Acordo de Paris, os países ricos se comprometeram a transferir 100 bilhões de dólares por ano para os países em desenvolvimento. A cifra, no entanto, é considerada baixa. “Há quem fale em 250 bilhões de dólares, mas há quem considere que esse valor é ainda maior”, ressalta Pereira.
Pereira ressalta que os compromissos feitos no âmbito do Acordo de Paris são insuficientes para garantir a principal meta do acordo, de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2oC. “Com eles, a temperatura deve aumentar em 3oC, o que seria catastrófico”, diz ele. “Nos últimos anos, houve uma ampliação desses compromissos, o que nos coloca mais perto da meta, mas ainda é insuficiente.”
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse na sexta-feira, 29, que estima em cerca de 60% as chances de haver um resultado positivo na COP26.
O Reino Unido espera que a cúpula em Glasgow, que começou hoje, 31, pela manhã, adote planos para o mundo se aproximar da meta de limitar o crescimento médio da temperatura global em 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais e chegar a um saldo zero em emissões de carbono até 2050.
Questionado se ainda estimava as chances de sucesso em Glasgow em seis numa escala até dez, como fez em setembro, Johnson afirmou à BBC que "eu diria que é mais ou menos a mesma coisa".
"O que precisamos fazer é garantir que, na cúpula da COP na próxima semana, os líderes mundiais se reúnam e façam compromissos que são necessários", disse, em Roma, onde comparece a uma reunião dos líderes dos países que formam o G20.
Talita Assis
A possível regulamentação de um mercado global de carbono, por meio da definição do artigo 6 do livro de regras do Acordo de Paris, é uma das discussões mais esperadas da COP26. Entre os mecanismos de compensação de emissões que poderão compor esse mercado, estão os projetos REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal).
REDD+ é um mecanismo de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes de desmatamento e degradação florestal. Esses projetos já existem no mercado voluntário de carbono e sua inclusão em um possível mercado global pode ser uma ferramenta importante de proteção da Amazônia, já que aliam a conservação da floresta e a redução das emissões de CO2 ao pagamento por serviços ambientais, gerando benefícios para as comunidades no entorno.
A Amazônia é fundamental na regulamentação climática mundial, pela enorme quantidade de carbono nela armazenada, e regional, pelo seu importante papel na formação das chuvas no centro-sul do Brasil. Por outro lado, ela também tem sofrido com os impactos das mudanças climáticas, sendo exposta, por exemplo, a mais eventos severos de seca, que fragilizam a floresta.
Além disso, o desmatamento da Amazônia é hoje o maior responsável pelas emissões de CO2 do Brasil. Segundo o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), o setor de mudanças de uso da terra foi responsável por 46% das emissões de gases de efeito estufa do país em 2020, das quais 78% ocorreram na Amazônia.
Reverter a atual imagem do Brasil em relação ao meio ambiente é importante para o sucesso das negociações da COP26, seja para acordos de cooperação multilaterais ou para financiamentos que auxiliem na proteção das florestas e na adaptação às mudanças climáticas. Além disso, a COP26 deve fomentar ainda mais a pressão dos consumidores ao redor do mundo por produtos que não estejam associados ao desmatamento da Amazônia.
Além das metas de zerar o desmatamento ilegal, o país precisa sinalizar seu interesse em criar alternativas de desenvolvimento sustentável, para proteger a Amazônia e a economia.