Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz para América Latina: "Essa é a pior crise que já enfrentamos" (Luis Prado/Mercedes-Benz/Divulgação)
Juliana Estigarribia
Publicado em 12 de maio de 2020 às 06h00.
Última atualização em 12 de maio de 2020 às 06h00.
Quando o engenheiro alemão Philipp Schiemer chegou ao Brasil pela primeira vez, em 1991, a inflação era galopante no país e a moeda perdia valor todos os dias. Por mais de 10 anos na operação local da Mercedes-Benz, o executivo enfrentou inúmeras crises. Cerca de uma década depois, ele retornou para chefiar a montadora na região, dessa vez com outros desafios, incluindo a retração mais profunda da história do mercado brasileiro de veículos pesados.
Schiemer se diz “acostumado” a crises no Brasil. Mas a pandemia do novo coronavírus coloca um desafio adicional aos planos de retomada econômica do país e, em sua avaliação, as divergências entre líderes políticos pioram os problemas.
“É normal haver opiniões divergentes, mas o Brasil precisa de união e ações coordenadas entre os governos, isso transmite segurança à população”, afirma Schiemer, presidente da Mercedes para América Latina, em entrevista à EXAME.
O executivo cita como exemplo a Alemanha, onde há correntes distintas de como conduzir as políticas públicas de combate à covid-19. "Apesar disso, por lá existe um alinhamento das ações, é preciso que todo mundo esteja alinhado para achar uma solução para o país, estamos vivendo uma grave crise de saúde."
A indústria automotiva amargou uma queda de 99% da produção em abril, diante da paralisação das linhas das montadoras, e uma retração das vendas próxima de 80%, em meio às medidas de isolamento para evitar a propagação do novo coronavírus.
Na visão de Schiemer, o Brasil tem uma situação muito frágil, com um enorme contingente de trabalhadores informais e, na crise atual, a população toda deve perder renda.
Do lado da indústria automotiva, o faturamento recuou 80% em abril, mas as contas continuaram chegando. Em outros momentos de retração, o setor recebeu forte ajuda externa. Segundo a Anfavea, associação que representa as montadoras, durante a última crise econômica no país, entre 2014 e 2016, as empresas receberam cerca de 24 bilhões de dólares de suas matrizes para atravessar o período.
Agora, o quadro é completamente diferente. "Essa crise vai ter muitas fases, estamos apenas na primeira delas e nós vamos ter que resolver nossos problemas sozinhos, a matriz tem pouca disponibilidade para nos ajudar", diz o executivo.
Ele acrescenta que o país tem uma situação fiscal extremamente delicada, que pode se agravar caso os poucos recursos disponíveis sejam utilizados de forma equivocada. "As crises sempre mostram as facetas de um país. Como o Brasil não conseguiu resolver sua situação fiscal, o dinheiro não pode ser mal gasto, sob o risco de atingirmos uma dívida pública insolúvel."
A partir desta segunda-feira, 11, metade dos funcionários das linhas de produção de veículos comerciais da Mercedes em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, e Juiz de Fora, Minas Gerais, retornou ao trabalho, após paralisação desde o dia 23 de março. Por dois meses, a outra parcela dos colaboradores ficará em casa, em regime de lay-off - suspensão temporária do contrato, com redução do salário.
A decisão foi tomada para atender aos protocolos de segurança, que preveem distanciamento mínimo dentro dos padrões internacionais para o controle da pandemia, o que contempla o trajeto dos funcionários desde a saída de casa até dentro da fábrica.
A Mercedes criou um hospital de campanha dentro do complexo fabril do ABC para ajudar a desafogar o sistema de saúde. Além disso, a empresa também testará funcionários.
Na fábrica de automóveis em Iracemápolis, interior de São Paulo, os funcionários não retornaram e ficarão em lay-off por dois meses.
A nova estratégia se impõe diante de um horizonte totalmente incerto. O setor iniciou 2020 com boas perspectivas no segmento pesado, especialmente agronegócio e outros tipos de commodities, que impulsionaram as vendas de caminhões.
Por ora, a Mercedes trabalha com uma estimativa de queda do mercado de 30% a 40% em relação à projeção de vendas de veículos pesados do início do ano, que era de cerca de 110.000 unidades.
Como outros executivos do setor, Schiemer acredita que, para atravessar este período, o governo pode articular um programa para liberação de crédito pelos bancos privados com taxas menores.
A proposta, encabeçada pela Anfavea, prevê utilizar créditos tributários da ordem de 25 bilhões de reais que as montadoras têm a receber da União e dos estados como garantias para obtenção de financiamentos, principalmente para capital de giro.
"Não queremos subsídios. É claro que os bancos estão mais cautelosos, mas se não tivermos crédito com taxas de juros mais adequadas, não vamos conseguir pagar nossas obrigações, a receita desapareceu da noite para o dia", diz Schiemer. "Não demitimos ninguém e pretendemos continuar assim."