Banqueiros dão nomes exóticos para grandes fusões
"Ronaldo", "BOB", "Borboleta" e "7 Belo" foram os apelidos utilizados para manter em sigilo algumas das maiores aquisições do país nos últimos anos
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
SÃO PAULO - Em um escritório em São Paulo, banqueiros de investimentos envolvidos em uma grande fusão fazem um "brainstorm" para decidir qual será o nome da operação. Depois de algumas sugestões, que envolvem desde deuses da mitologia grega a nomes de participantes do "Big Brother Brasil", o grupo chega ao consenso que o novo projeto vai se chamar "Bagre". A justificativa é hilária: "O nosso cliente gosta de pescar. E ele quer ser fisgado por um pescador, ou melhor, comprador". Todos concordam e a reunião prossegue. Por mais bizarro que possa parecer, esse tipo de cena faz parte do cotidiano de banqueiros de investimento, advogados, auditores e empresários que negociam uma aquisição. A extravagância do nome revela o desejo de todos de manter o negócio em segredo. "No caso de companhias abertas, o sigilo é redobrado", diz Alexandre Bertoldi, sócio-diretor do escritório Pinheiro Neto, uma das maiores bancas de advogados do Brasil.
Mesmo que uma empresa tenha controladores discretos, fusões e aquisições envolvendo uma companhia com ações em bolsa costumam ter efeitos como o de bombas atômicas no mercado financeiro. Para os investidores, é impossível ficar indiferente aos potenciais ganhos de operações como a união da Sadia com a Perdigão ou da Porto Seguro com o Itaú Unibanco. Se o desenrolar da negociação ocorrer em total sigilo, o estardalhaço no mercado será ainda maior, mas um investidor não terá a oportunidade de obter lucros em prejuízo dos demais a partir da assimetria de informações. Por esse motivo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) obriga todas as companhias abertas a anunciar fusões importantes por meio da divulgação de fatos relevantes a todo o mercado.
Apesar dos nomes excêntricos e de todos os recursos de blindagem, às vezes detalhes sobre a operação acabam vazando. Foi o que aconteceu na fusão entre o Ponto Frio, do Grupo Pão de Açúcar, e a Casas Bahia no fim do ano passado. O projeto BOB (Big One Bahia), cuja sigla foi criada antes de Abilio Diniz seduzir a família Klein, contou com a colaboração de apenas dez pessoas - em geral, cerca de 20 profissionais participam dessas megaoperações. Toda a discrição e cautela, no entanto, parecem ter sido insuficientes. O negócio chegou aos ouvidos de investidores que rapidamente compraram lotes de ações da Globex (GLOB3), controladora do Ponto Frio. Os papéis subiram quase 57% alguns dias antes do fechamento do contrato. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) notificou Abilio Diniz sobre a alta e o empresário, que estava em seu jatinho rumo à França, teve de dar meia volta e aterrissar em São Paulo, onde, às pressas, anunciou o nascimento da "Nova Casas Bahia".
<hr> <p class="pagina"><strong>Os pais da ideia<br></strong><br>Em geral, quem batiza as operações são os próprios banqueiros de investimento. "É esse grupo de profissionais que articula as fusões e aquisições", afirma Juliano Battella Gotlib, sócio do escritório Azevedo Sette Advogados. Mas está enganado quem acredita que o costume de dar nomes mirabolantes a negócios sigilosos foi importado da Polícia Federal. Não que os tiras brasileiros não tenham imaginação suficiente - nomes como "Satiagraha" ou "Boi Barrica" foram muito explorados pela mídia e entraram no imaginário popular. A tradição, no entanto, já existia desde os anos 80 e foi herdada de banqueiros estrangeiros.<br><br>No início, casas como o Credit Suisse e o JPMorgan chamavam os trabalhos de acordo com a sequência de letras do alfabeto - o mesmo critério adotado para batizar os furacões que atingem o golfo do México todos os anos. Assim, a primeira fusão da temporada teria um nome que começa com a letra "a", como "aspargos" ou "alpha". A próxima transação deveria obrigatoriamente começar com "b" - poderia ser "baralho" ou "beta", tanto faz. A dificuldade dos banqueiros era alinhar a sequência alfabética a um codinome relacionado às partes envolvidas na operação. <br> <br>"O mais comum hoje é utilizar nomes aleatórios que remetem a algum elemento da negociação", explica um banqueiro de investimento que apelidou um projeto de "Jaguar" somente porque o vendedor colecionava carros. "Quanto mais enigmático e otimista, melhor será o título", diz. Foi essa lógica que serviu para batizar a "Operação Eagle" (águia, em inglês), nome usado durante as negociações para a criação da B2W a partir da fusão do Submarino com a Americanas.com. A escolha foi feita pelo libanês George Boutros, chefe de fusões e aquisições em tecnologia do Credit Suisse de São Francisco, na Califórnia. Para ele, a B2W seria a líder brasileira em comércio eletrônico da mesma forma que a águia é considerada a rainha dos pássaros.<br> <br>O mesmo senso otimista permeou o "Projeto Butterfly" (ou borboleta, em inglês), apelido usado na venda da parte da MMX, do empresário Eike Batista, para a Anglo American em 2008. Os próprios envolvidos ficaram duas semanas trancafiados num escritório em Nova York sem saber ao certo a origem do codinome. Na verdade, tratava-se de uma torcida para a transação "sair do casulo e alçar voo como uma bela borboleta". Metáfora ou superstição, o negócio avaliado em 5,5 bilhões de dólares foi fechado.</p> <hr> <p class="pagina"><strong>Os clichês<br></strong><br>Tão comum virou a mania de dar nomes às grandes fusões que já existem até alguns clichês. Quando envolvem empresas estrangeiras, é muito comum e-mails com o assunto "Projeto Samba". "Já participei de três operações com esse apelido", conta Sergio Bronstein, do escritório Veirano Advogados. "A intenção dos casos era a mesma: que tudo acabasse bem, com festa e, por que não, muito samba", brinca ele. Outros nomes que lideram o ranking informal das denominações mais usadas por alemães, franceses e chineses são "Ronaldo" e "Pelé". Os craques são comparados a executivos que querem "dar um show de bola" e "marcar um golaço" no fechamento de um negócio.<br> <br>"Em alguns casos, é muito difícil adivinhar o motivo para que a operação tenha recebido determinado nome", diz Moacir Zilbovicius, do escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga Advogados. A compra da Aracruz pela Votorantim Celulose e Papel ganhou o apelido de "Triângulo" por causa da disposição geográfica de algumas das fábricas das empresas, que formavam um polígono de três lados. Outros nomes surgem de uma conversa despretensiosa ao longo das negociações. Quando os executivos da Sadia e da Perdigão discutiam dentro de um avião a criação da Brasil Foods (BRF), pintou a dúvida de como se chamaria a operação. Depois de inúmeras idéias, alguém olhou para uma bala 7 Belo e disse: "Vai se chamar 7 Belo". A aprovação foi unânime. Afinal, quem poderia associar esse apelido à maior empresa de alimentos do Brasil?<br> <br>Outras vezes, o nome da operação ganha um apelido durante o processo de negociação para refletir o humor das pessoas envolvidas. Num escritório em Brasília, por exemplo, um advogado surpreendeu os seus colegas ao fazer uma apresentação sobre uma fusão que se arrastava há quase onze meses. No começo da reunião, um logotipo de uma tartaruga foi exibido no slide projetado na parede. "Pessoal, o título do projeto mudou", disse, causando um burburinho entre os presentes. "Agora, vai se chamar projeto Tamar [ONG responsável por zelar pelas tartarugas marinhas] porque a transação anda muito devagar."<br> <br>Se depender das estimativas da consultoria PricewaterhouseCoopers, os banqueiros de investimento terão trabalho para decidir os nomes de seus projetos. Ao todo, espera-se que sejam realizadas cerca de 700 fusões e aquisições no Brasil somente neste ano. O número seria inferior apenas ao de 2007, quando foram fechadas 721 operações. Haja criatividade no mundo dos negócios.</p>