As causas do rombo bilionário que assombra a Eletrobras
Em seis anos, a Eletrobras acumulou quase 30 bilhões de reais em perdas e agora deve ser privatizada. Entenda as origens desse prejuízo gigantesco.
Mariana Desidério
Publicado em 10 de abril de 2018 às 06h00.
Última atualização em 11 de abril de 2018 às 11h34.
São Paulo – Se os planos do governo Temer derem certo, a Eletrobras , maior empresa de geração de energia elétrica do país, será privatizada em breve.
Uma das justificativas para a venda é o buraco sem fundo em que a empresa se transformou. Em seis anos, acumulou 28 bilhões de reais em prejuízos .
Tamanha crise financeira deixou a empresa sem capacidade de investimento; e vislumbrar uma luz no fim do túnel fica ainda mais difícil quando consideramos que a Eletrobras lida com o engessamento e o aparelhamento característicos das estatais brasileiras.
Mas, afinal, como se chegou a esse ponto?
Para Roberto Pereira d’Araújo, diretor da ONG Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético), a situação da Eletrobras é fruto de diversas políticas adotadas nas últimas décadas. “Para entender o quadro atual é preciso olhar a história do Brasil nos últimos 20 anos. A Eletrobras foi usada para várias coisas, inclusive para ajudar o setor privado”, afirma.
Já Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, centro de estudos sobre o setor elétrico brasileiro, afirma que a explicação para os problemas da empresa é uma só: uso político. “A Eletrobras vem sendo alvo de uso político ao longo dos últimos anos, o que destruiu a empresa a ponto de sua sobrevivência ser colocada em risco”, diz.
Seja qual for a interpretação, o fato é que uma série de decisões questionáveis foi tomada na empresa nos últimos anos. Veja a seguir algumas das principais explicações para o rombo na estatal:
MP 579
Os especialistas são unânimes em dizer que o principal problema da estatal foi criado com a MP 579, uma medida provisória de 2012 que cortou o preço da tarifa de energia em 20%.
Com isso, a Eletrobras perdeu parte importante de sua receita. A medida provisória foi assinada em setembro de 2012 pela então presidente Dilma Rousseff. Naquele mesmo ano, a empresa fechou seu balanço com prejuízo de 6,8 bilhões de reais – o primeiro resultado anual negativo desde 1995, data do balanço mais antigo disponível no site da empresa. “A MP 579 foi um desastre total”, resume D’Araújo.
Desde então, a estatal apresentou quatro anos consecutivos de prejuízos bilionários, embora a tarifa de energia para o consumidor final tenha voltado a subir.
Subsidiárias deficitárias
Apesar de ter sido uma grande responsável pelo rombo na estatal, a medida provisória não é a única culpada pela situação de penúria da empresa. Atualmente, a Eletrobras está anunciando para venda seis distribuidoras de energia que fazem parte da holding, mas dão prejuízo há muito tempo.
São elas: Amazonas Distribuidora de Energia, que atende ao estado do Amazonas; Boa Vista Energia, que atende Roraima; Centrais Elétricas de Rondônia, que atende Rondônia; Companhia de Eletricidade do Acre, que atende aos consumidores do Acre; Companhia Energética de Alagoas, que atua em Alagoas; e Companhia de Energia do Piauí.
Essas empresas não tiveram interessados durante o processo de privatizações nos anos 1990, e foram incorporadas pela Eletrobras naquela época. Só em 2016, elas somaram 6,6 bilhões de reais em prejuízos.
Agora, cada uma delas será vendida a 50 mil reais. Só que, para vendê-las, a estatal assumirá nada menos que 19 bilhões de reais em dívidas dessas subsidiárias.
Investimento bilionário (e conflito de interesses)
Outro fator que contribuiu para o rombo da companhia foi o fato de a Eletrobras ter abraçado um programa de investimento da ordem de 60 bilhões de reais entre 2010 e 2015.
Segundo o presidente da estatal, Wilson Ferreira Junior, esses investimentos foram feitos principalmente via SPEs (Sociedades de Propósito Específico), ou seja, parcerias com outras empresas, em especial privadas.
A Eletrobras participa hoje de 178 sociedades do tipo, com foco em implantação e operação de usinas, linhas de transmissão e subestações. Belo Monte é um exemplo de SPE.
Em 2015, o Tribunal de Contas da União fez auditoria em algumas dessas sociedades, e encontrou irregularidades como ausência de conselho fiscal e sócios privados atuando como fornecedores, o que configura conflito de interesses.
Até o final deste ano, a estatal pretende ficar com apenas 48 SPEs, pois venderá 70 delas e fechará outras 30 por não terem atingido seus objetivos.
E agora?
Essas e outras decisões levaram a estatal a perder quase metade de seu valor de mercado. Se em 2011 ela valia 76,8 bilhões de reais, em 2017 chegou a valer 42,6 bilhões. Outro número impressionante é o tamanho da dívida bruta da empresa, que chega a 45,5 bilhões de reais.
Com isso, o governo federal argumenta que a empresa não tem condições de fazer os investimentos necessários para se manter como um ator relevante no mercado nos próximos anos. A saída seria a privatização, que de quebra ajudaria a aliviar as apertadas contas da União.
Porém, vender uma estatal deste porte não é tarefa simples, e o próprio governo não parece muito empenhado na missão. O relator do projeto de lei que privatiza a Eletrobras, deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), disse recentemente que o projeto está “à própria sorte”.
Para Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil, a privatização é a melhor saída para o buraco em que a Eletrobras se colocou. “A literatura mostra que dificilmente uma empresa estatal vai ter uma performance competitiva, por razões como gestão não meritocrática, falta de disciplina orcamentária, administração inepta e uso político”, resume.
Ao argumento de que a estatal seria estratégica demais para ser vendida, Soares responde que o setor é fortemente regulado, o que controlaria a atuação da empresa uma vez que privatizada.
Já Roberto Pereira d’Araújo, do Ilumina, questiona a eficiência desta solução. “Não sou contra a privatização de empresas. Acho que as distribuidoras da Eletrobras, por exemplo, devem mesmo ser vendidas. Mas, antes de tudo, precisamos nos questionar se sabemos privatizar”, afirma. Para ele, o setor privado não é sinônimo de eficiência.
Outro ponto importante, segundo o especialista do Ilumina, é a dimensão da Eletrobras. “As hidrelétricas da Eletrobras têm lagos gigantescos, que impactam a geografia de suas regiões, o meio ambiente e a vida das pessoas que moram ali. E aí eu te pergunto: vamos colocar essas estruturas tão complexas nas mãos de uma empresa chinesa?”