(Abril/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 22 de dezembro de 2018 às 09h04.
Última atualização em 17 de abril de 2019 às 17h21.
Fábio Carvalho, empresário que comanda a sociedade de investimentos Legion Holdings, fundada por ele e especializada em renegociações de dívidas e reestruturação empresarial, assinou no dia 20 de dezembro, com a família Civita, a aquisição de 100% do controle do Grupo Abril, que publica EXAME e VEJA, entre outros veículos. O negócio inclui a assunção da dívida de 1,6 bilhão de reais, da Abril, que desde agosto se encontra em recuperação judicial.
O negócio terá de ser submetido à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e ao aval do credores da Abril, entre eles os bancos que são detentores da maior parte dos créditos. Caso se confirme a transação, com expectativa de conclusão em fevereiro, Carvalho assumirá a presidência do Grupo e pretende fazer uma injeção da ordem de 70 milhões de reais para melhorar a operação. A família Civita fundou a empresa em 1950, por iniciativa de Victor Civita. Nesse período de 68 anos, a Abril se tornou a líder na publicação de revistas no Brasil, posição que mantém, e diversificou os negócios para áreas como a produção gráfica e a distribuição de impressos e produtos.
A grande mudança que Carvalho preconiza para a empresa é a sua recuperação e expansão com o aproveitamento mais amplo de sua principal produção, o jornalismo de qualidade, por meio das novas tecnologias, especialmente as digitais. Leia a seguir uma entrevista com Carvalho.
O que o moveu a montar uma operação para a aquisição da Abril? É uma perspectiva de ganhos financeiros ou há outros objetivos?
Há objetivos além dos financeiros. Buscamos o desenvolvimento de uma reestruturação que vá além da empresarial. Ela contém uma transformação institucional da instituição imprensa. Nesse aspecto, o objetivo transcende a questão financeira. Hoje a imprensa, independentemente da empresa onde se insere, está passando por transformações, precisando encontrar um novo caminho para ser mais eficaz, não só do ponto de vista da sustentabilidade financeira, mas da própria eficiência na comunicação de fatos reais, investigados, opiniões fundamentadas etc. Nesse caso, o sucesso não depende só do êxito financeiro. Além da estabilidade financeira, ele passa pela adoção de estratégias bem-sucedidas para retomar o papel central que a Abril ainda tem na informação, mas que vem sendo diluído com a fragmentação dos meios de comunicação. Então, temos sim um objetivo financeiro porque é da minha atividade, sou empresário, sou investidor, mas nesse caso há uma missão maior.
Essa missão tem a ver com o papel da imprensa na sociedade?
Na minha opinião, uma imprensa livre é fundamental, necessária e condicional para uma sociedade livre. Mas a imprensa enfraquecida, ainda que livre, é ineficaz. Então ela precisa ser fortalecida. E uma imprensa forte começa com uma equação de sustentabilidade e com o domínio das tecnologias que hoje são novas e de tecnologias que ainda nem existem. O organismo deixa de ser um organismo que vem sendo disrupted por tecnologias novas e novos parâmetros de troca de informação e migra, como vários veículos mundiais estão conseguindo fazer com sucesso, para a utilização desses meios disruptivos para o seu sucesso.
Qual a sua avaliação da qualidade da informação a que a média das pessoas tem acesso?
Eu enxergo a necessidade grande e manifesta da população em receber informação de qualidade e reverter um processo em que, na minha avaliação, a comunicação entrou, de deterioração progressiva na qualidade do que é distribuído em média. Isso tem consequências não só do ponto de vista do leitor e do veículo, mas também do ponto de vista econômico. E isso tem uma consequência muito mais severa para a visão de mundo das pessoas. A conduta das pessoas é norteada pela sua visão de mundo, e sua visão de mundo é, em grande parte, norteada pelo que cada um lê e como recebe as informações sobre o que acontece em sua volta. Então essa fidedignidade é uma missão institucional importantíssima do grupo, que tem que ser perseguida.
A visão que irá trazer para a Abril tem inspiração em coisas que estão acontecendo pelo mundo?
Sem dúvida. Como é comum, esses fenômenos tendem a acontecer primeiro em algumas economias que têm determinadas dinâmicas mais aceleradas que a do Brasil. Então, um pouco do que está aquecendo aqui do ponto de vista das dificuldades das empresas tradicionais de mídia, mas também da forma como a comunicação e a conversa social começa a ser fragmentada e perder qualidade, ocorre também na Europa e nos Estados Unidos. O fenômeno transcende o Brasil, é um fenômeno ocidental.
Há algum modelo lá de fora que chama particularmente sua atenção pelo êxito obtido?
Há dois veículos se destacando no processo de transição: os jornais The New York Times e The Washington Post. E há um outro ícone, que tem uma dinâmica de origem diferente, mas tem uma excelência inquestionável na operação via gestão das tecnologias à medida que elas aparecem, que é a agência Bloomberg. A Bloomberg tinha toda uma base de informações em cima de sistemas de comunicação proprietários. A própria transmissão de dados era uma barreira de entrada. Hoje em dia, com a fragmentação, boa parte daqueles dados é fácil de obter em alguns sistemas internacionais de negociação e a transmissão de dados é uma commodity. Mas a Bloomberg conseguiu sempre se manter ao longo do tempo, incorporando novas tecnologias em sua estratégia, e fundamentada em princípios que estão em alta demanda hoje: qualidade e credibilidade.
Qual é o papel da qualidade do trabalho jornalístico nessa transição?
A gente vê que veículos como o Times e o Post fizeram uma opção que é absolutamente clara e inderrogável: em qualidade, ética e credibilidade não se mexe. O resto todo tem de ser analisado. Mas no jornalismo de qualidade não se mexe. Agora, como se comunicar, como usar a web, o Whatsapp, o Instagram, como se usam os aplicativos, o Twitter, como se formata a comunicação para que seja adequada a cada plataforma... É preciso trabalhar para se tornar especialista em cada uma dessas plataformas e usá-las a favor da comunicação. E encarar o desafio de que o jornalismo de qualidade custa. Mas há formas de sustentabilidade disso. As formas não são balas de prata. Não é só uma ou outra. A forma é plural.
A publicidade também tem de mudar?
A publicidade que hoje é capaz de gerar retorno transcende a tradicional. Esta vem perdendo espaço. A publicidade eletrônica que cresce é a capaz de verificação de performance, pelo número de cliques, pelo comportamento do leitor, a publicidade por preferências de quem está lendo, baseada numa análise de comportamento, a publicidade integrada de veículos e diferentes plataformas. O uso de plataformas dando sinais para o negócio da comunicação jornalística e para os eventos, tudo isso tem um papel. Mas também tem um papel a cobrança tradicional pelo trabalho fundamental do jornalismo que é via assinatura. A gente vai trabalhar para encontrar esta equação: até onde o conteúdo é liberado, até onde o conteúdo depende de uma assinatura. Até onde o conteúdo pode ser vendido isoladamente, independentemente da venda de assinatura. São formatos que têm de ser estudados. Muita coisa já foi testada. Vamos de trabalhar dentro do que existe para conseguir inovar e criar e encontrar uma nova forma.
A Abril já tem as bases para essas mudanças?
Não tenho dúvida de que o que é fundamental está presente na Abril. Primeiro, é a capacidade de fazer jornalismo de qualidade. A empresa tem mais de meio século de tradição. A qualidade editorial do grupo é inquestionável. Há uma força analítica, investigativa, e uma capacidade de comunicação que já foi criada e está lapidada. E, por outro lado, existe, ao contrário do que alguns podem dizer, uma grande demanda por informação de qualidade. Não passa despercebida por ninguém a fragmentação da informação. Todo mundo que é leitor de notícia percebe que a fragmentação das fontes e a fragmentação da distribuição têm gerado uma queda da qualidade média da informação que se consome muito em função da perda de credibilidade das diversas fontes e das informações conflitantes. Então essa demanda por mais clareza e confiança é latente. Somando um elemento de demanda com um elemento de consistência que hoje existe na Abril, resta uma questão de formatos. E um pouco de dinheiro para financiar os esforços. Essa é uma visão que me motiva.
E quanto aos demais negócios do Grupo Abril?
A companhia tem a vantagem de ter negócios paralelos ao de mídia, que obedecem a outras dinâmicas de mercado, e que servem para contrabalancear. Então, ao passo que hoje a mídia no mundo inteiro sofre com um processo de transição, de reencontro com formatos de comunicação e cobrança, por outro lado o meio de logística está altamente integrado no crescimento acelerado do comércio eletrônico. Esse portfólio de negócios, os eventos que a companhia vem fazendo por meio de diversos veículos e a Casa Cor, por exemplo, formam outra unidade, outra fonte de atividade. E também têm outra dinâmica. Tudo isso junto cria um equilíbrio e também ajuda a financiar o processo de inovação do que é o coração do grupo, historicamente, que é o jornalismo.
O senhor está fazendo a compra sozinho ou tem parceiros nesse negócio?
Do ponto de vista empresarial, do ponto de vista de aposta como investidor, como acionista, estou fazendo sozinho. Quer dizer, sozinho com meu grupo de parceiros de atividade da Legion Holdings, que são pessoas que se juntaram a mim desde a fundação da companhia para fazer os nossos processos de reestruturação de companhias. É um investimento nosso: a Legion terá 100% do capital.
O capital necessário para a operação virá da Legion?
O que vamos equacionar nos próximos dias são as estruturas de fonte de recursos. Isso vai envolver uma combinação entre recursos nossos e recursos levantados com terceiros por meio da nossa garantia e aporte de conhecimento no projeto. Hoje, o crédito em discussão mais avançado é com o BTG.
Por que o BTG?
O BTG é um parceiro de financiamento nosso há muitos anos. É um banco que tem uma área há 10 anos dedicada a financiamento de reestruturação. Basicamente é o único banco grande do país que tem essa área. Todos os bancos tem sua área de reestruturação, mas são áreas focadas na reestruturação de créditos que foram concedidos quando a companhia era saudável. Aí quando entra em crise, a área lida com esse problema. O BTG, além da área de crédito tradicional, tem essa área de crédito específica, que funciona ao contrário, com as empresas em crise, analisando a chance e a perspectiva de elas se tornarem saudáveis. É o simétrico do ciclo empresarial.
O senhor disse que a parceria com o BTG é antiga?
Eu tomei o primeiro empréstimo dessa área há 10 anos quando fui comprar a Casa & Vídeo. Desde então, já tomei bastante dinheiro dessa área, já paguei de volta bastante dinheiro, paguei muito juro, e não tem nada que fortaleça mais a relação com um banqueiro do que pagar com juros por vários anos. Temos um volume bom de transações, de crédito com o BTG, e então o banco é sempre o nosso primeiro e mais provável credor. Há também alguns fundos estrangeiros que operam fazendo isso, mas num negócio dessas características, que envolve mídia, envolve processo percebido como de ruptura tecnológica do meio, é mais difícil angariar recursos de quem está distante. Ao tentar levantar recursos na Europa, a questão é analisada de um ângulo mais generalista. Há umas vantagens de levantar recursos no Brasil: o argumento da história, da solidez editorial e da qualidade do grupo, sabido pelos interlocutores, por quem vive aqui. A gente deve levantar crédito com o BTG para complementar a operação, mas não temos sócios no negócio.
Há algum entendimento também para que o BTG adquira direitos dos bancos que são credores da Abril?
Tivemos conversas preliminares com credores, quando começamos a estudar o negócio, e ficou claro para nós que havia interesse dos bancos credores em ter uma opção. Como a posição de crédito com o Grupo Abril já foi renegociada algumas vezes, os bancos gostariam de ter uma alternativa de venda da dívida para alguém que renovasse essa aposta. Os bancos naturalmente têm uma condição de relacionamento com o grupo Legion e com o Grupo Abril histórico, que torna viável o retorno deles no futuro, após a estabilização da companhia, depois de as medidas mais cruciais terem sido tomadas. Então, trouxemos essa opção. Não significa que será a única.
Qual deve ser a posição dos bancos?
Os bancos têm a liberdade para ver o que é melhor para eles, mas a gente conseguiu viabilizar essa opção. Funciona basicamente como uma substituição de um fluxo de pagamento proposto aos bancos. Um terceiro basicamente compraria esse fluxo, após analisar o risco e precificar uma taxa de desconto. Então ele viraria o credor da companhia. Com isso acreditamos que os bancos têm duas alternativas: a de pactuar a dívida e continuar como credores ou vender o crédito. Entre as duas alternativas, acreditamos que a capitalização é uma solução rápida e viável. Para a companhia é importante que isso seja feito de maneira acelerada. Assim sairemos com uma solução do problema que vinha travando a companhia no passado, e podemos construir um futuro.
Além dessa reestruturação financeira, quais são os próximos passos uma vez assinada a compra?
Temos uma aprovação regulatória necessária, que é a do Cade. É uma coisa mais formal, porque não tenho nenhum investimento em empresas de mídia, nem participação no mercado de eventos ou de logística. Então, não há concentração econômica que preocupe. Mas, é um processo formal que precisa ser ultrapassado. E eu só posso atuar pela companhia no momento em que o Cade aprovar a compra. Mas o desenho está sendo desenvolvido para a gente chegar a essa equação o mais rápido possível. E o terceiro passo, na data do fechamento do negócio, será fazermos uma injeção de recursos na companhia.
Para que servirá essa injeção de recursos na Abril?
Como o recurso será usado ainda vai ser definido, mas será um valor mínimo em torno de 70 milhões de reais. É um aporte que foi considerado necessário para o trabalho que vamos ter que fazer de estabilização da companhia, continuando o que já vendo sendo feito pela Alvarez & Marsal, que deu passos muitos claros nesse sentido. E também temos a questão da dívida trabalhista, já que, uma vez aprovado o plano, e eu espero que isso aconteça o mais rápido possível, começam a vencer rapidamente as parcelas das dívidas trabalhistas. Então, a companhia precisará ter uma reserva de caixa para fazer frente a esses pagamentos.
O processo de recuperação judicial continua como está ou há alguma modificação que pode ser feita?
O processo de recuperação judicial segue seu fluxo normal. A transferência de ações da companhia não afeta o processo em si. O que pode acontecer é que, com a aquisição do controle, poderemos refinar as nossas avaliações. A gente assume a interlocução com os credores e pode haver ajustes do plano proposto antes da assembleia para garantir a aprovação. Então, já seria uma evolução da recuperação judicial com esse elemento de melhora da situação da companhia, com novas fontes de recursos e um novo acionista.
Pode haver solução mais rápida para os créditos trabalhistas?
Não há uma ruptura da recuperação judicial. O processo, uma vez iniciado, tem o caminho formal da justiça. Mas dá para querer que esse processo ocorra de maneira mais rápida, para que o grupo vire logo essa página. E para que a gente possa também atender as necessidades dos credores trabalhistas, que precisam receber o mais depressa possível, e para os quais a pendência da aprovação da RJ cria obstáculos. Estamos cientes dessa situação e a pretendemos trabalhar para avançar.
Qual a sua avaliação de por que a Abril chegou nessa situação?
O processo de desestruturação financeira da mídia tradicional afeta de maneira mais ou menos severa quase todos as grandes organizações de mídia do mundo. A Abril teve pouco sucesso na adoção de inovações. Ela fez algumas, algumas foram bem-sucedidas, mas outras não prosperaram ou não prosperaram o suficiente. E, num jogo de ruptura tecnológica, ruptura de comportamento, que são as duas que hoje se acumulam, é importante entender isso, que não é só uma questão de qual é o aplicativo que se usa, qual é o meio em que se fala. É uma questão também de comportamento social e a forma como se quer consumir informação. Junto com isso, a Abril passou por uma “tempestade perfeita", de uma indústria em transformação, uma instituição em transformação, um modelo novo que para ser adotado depende de tentativa e erro, ou seja, embute um risco muito grande e depende de investimento. Tudo isso inserida em um país onde o erro é muito caro por natureza, em função das altas taxas de juros, e num contexto de crise de proporções históricas que o país sofreu, com destruição de capacidade empresarial, de emprego, de renda e de capacidade de consumo.
Quais são as estratégias possíveis para avançar na inovação?
Todo esse processo gera uma necessidade de adoção de várias estratégias, entender o que dá certo e o que não dá certo. Quando se analisa a capacidade das empresas de alta inovação no mundo, uma das características comuns é a capacidade de tentar muito, errar muito, mas errar barato. É a capacidade de testar, explorar, diagnosticar quando não deu certo, e a capacidade de retroceder sem perder muitos dias naquilo que não deu certo, modificar o que deu errado e, então, aprofundar na opção que deu certo. Essa capacidade de agir em reação por uma plataforma de tentativas é crucial para uma empresa em qualquer setor que enfrenta um cenário de mudanças disruptivas. E é um jogo de placar. Quantas você acertou, quantas você errou. E o que se percebe é que, ao longo do tempo, talvez o placar não tenha sido o necessário para a companhia atingir uma estabilidade.
Qual é a situação dos principais indicadores da empresa neste fechamento de 2018?
A empresa deve cumprir mais ou menos os planos que a Alvarez & Marsal fez para o final do ano, após os cortes de custos que ajudaram a reduzir a velocidade da deterioração. Já está rumando para uma maior estabilidade, embora ainda haja um trabalho a ser feito. Tem conseguido – e isso precisa ser ampliado – um crescimento importante das assinaturas digitais e tem criado mais robustez na interação digital. Isso tem permitido um crescimento da receita no lado digital que ajuda a compensar a perda da receita nos impressos. O braço de logística Total Express é um destaque, obteve crescimento expressivo. O negócio de logística da Dinap tem conseguido mitigar uma perda recorrente. Houve uma desorganização na relação com vários dos stakeholders em função da recuperação judicial, mas que vem sendo trabalhada. E na gráfica também foram tomadas medidas para reduzir o déficit e ampliar a receita. O Grupo deve fechar o ano com déficit de caixa e com prejuízo. Vai haver deterioração de receita, mas já há segmentos que estão crescendo e mostrando força. Enxergamos as potencialidades e as tendências que podem ser seguidas. A velocidade precisa ser aumentada, mas o caminho já começou a ser trilhado.
Ainda há necessidade de cortes ou de ajustes?
Há necessidade de ajustes de custos, sim, principalmente quando a gente olha a infraestrutura da companhia. A Abril tinha uma infraestrutura de tecnologia muito cara, e isso foi endereçado. Mas ela tem uma necessidade de tecnologia alta e precisaremos encontrar uma forma eficiente de conseguir atender. Isso vai ter que ser financiado em partes e com uma revisão de como a companhia usa tecnologia e que tipo de tecnologia ela aplica. Há ajustes mais tradicionais de processos, mas não vislumbramos medidas da natureza das que tiveram que ser feitas no auge da crise e do pedido de recuperação judicial, como demissões em larga escala e fechamento de títulos. Hoje o foco é mais na infraestrutura operacional, no serviço que é prestado e na receita. Na receita, pela reconquista de assinantes e de anunciantes e crescimento dos negócios de logística etc.
Já houve notícias de que tanto gráfica quanto distribuição poderiam ser vendidas. A sua visão é de manutenção desses pilares – a empresa integrada como é hoje – ou essas áreas podem ser terceirizadas?
Não há nada previsto nesse sentido, e a empresa vai se moldar ao futuro ao longo do tempo. Temos que observar, por exemplo, como preencher a capacidade ociosa da gráfica. A nossa conclusão mais imediata é que o caminho parece ser mais focado na equalização do problema do crescimento, na obtenção de novos clientes, porque é um parque gráfico de altíssima qualidade e eficiente. Então esse é o caminho que estamos enxergando: a prioridade é explorar o portfólio de negócios que a companhia tem hoje. Existe um equilíbrio, com a receita de um lado ajudando a compensar as sazonalidades de outro. Na medida em que a gente puder manter os ativos, é o nosso objetivo principal.
Investidores que fazem reestruturação muitas vezes entram para melhorar o negócio e vender a empresa. O senhor prevê uma saída?
Não é essa a visão. Nenhum dos investimentos que eu fiz ao longo dos anos tem essa visão. Há 10 anos eu fiz o meu primeiro investimento com a aquisição da Casa & Vídeo e ainda sou sócio da empresa, embora com participação menor, e sou membro do conselho de administração. Não somos um fundo com data de saída, prazo de duração. Nossos investimentos são feitos com capital proprietário e empréstimo. Contanto que eu pague a dívida, faz pouca diferença para quem emprestou. Então, o caso da Abril é de um investimento feito com o objetivo de, a longo prazo, conseguir a reestruturação e a construção de um grupo com estabilidade financeira, com crescimento, produtivo, rentável, pagador de dividendos. Eu não vejo nenhum apelo para correr e vender. O setor é promissor para esse tipo de transação. Quem opera com a lógica de comprar para vender normalmente vai para setores mais “commoditizados”. Quem entra nesse setor costuma ficar por um longo prazo.
Existe uma lógica nos negócios que o senhor comanda, ou alguma sinergia possível entre a Abril e outras empresas que já controla?
O caso da Abril é bem à parte. Não há uma sinergia relevante, direta em operações, embora tenhamos uma empresa de varejo que faz anúncios. Mas não existe uma sinergia direta significativa entre as companhias. O que existe, na verdade, é uma capacidade de trazer aprendizado desse setor para a aplicação na Abril. Por exemplo, no varejo temos uma história de investimento na captura de dados, no processamento de dados para geração de inteligência, em big data. Esse tipo de aprendizado poder ser usado de forma muito eficaz em ambientes como o da Abril. São visões complementares. Nós entendemos o que um anunciante quer, porque somos anunciantes, e conseguimos enxergar que tipo de produto dá para oferecer a um anunciante, que tipo de alavancagem de formas é possível buscar com base em dados, em configurações de produto.
Isso pode ajudar a trazer mais receitas publicitárias?
Sem dúvida. Temos condições de desenhar melhor esse esforço, também do ponto de vista digital, e pelo nosso conhecimento do que um anunciante quer. A publicidade tem aquela máxima que eu já não sei mais quem disse, de que você joga fora 50% do dinheiro que gasta e só sobra 50%. É uma máxima em que eu não acredito de verdade, mas talvez fosse assim no passado. Hoje não é verdade porque há formas de mensuração de eficácia da publicidade. Mas, para que o anunciante consiga essa mensuração, o veículo tem de ser capaz de entregar uma série de dados para permitir uma melhor avaliação do que foi investido. Então mudou muito o paradigma de como se faz anúncio, e a Abril vai fazer um movimento para estar na vanguarda disso. Para competir pelos reais de publicidade. Isso a gente conhece, isso é um ganho grande.
E na parte operacional, é possível transferir conhecimentos?
Há uma série de aprendizados operacionais, que acumulamos em negócios como navegação e varejo. Esse conhecimento traz melhorias de custo, dos processos, de velocidade na formação decisória. A gente também tem experiência nos campos de atendimento, call center, terceirização etc. Esse conhecimento também pode ajudar a Abril, que tem esse tipo de relação com o cliente. As melhorias virão de um acervo rico em experiências, de transformação corporativa em diversos cenários. Ao longo desse tempo, a gente aprendeu a comprar cada serviço o mais barato possível. E vamos, com essas características, olhar tudo o que a Abril gasta com cada serviço, que eventualmente é um serviço básico em todas as companhias, e vamos pensar de que maneira dá para tornar isso mais eficiente. Mas se você me perguntar se vai haver uma economia substancial compartilhando custos entre as companhias, eu, de imediato, não vislumbro isso e tampouco vejo qualquer tipo de integração vertical fazer sentido. A Abril é um negócio à parte, e o que a gente traz dos outros negócios para esse é conhecimento, experiência e paradigmas operacionais.
O senhor vê novas formas de receita para a Abril? Outras áreas em que ela não atua e pode atuar?
Olha, não existe nada pré-determinado. O grupo já tem uma quantidade razoável de negócios interessantes e o primeiro grande objetivo é aprimorar a performance desses negócios. Talvez existam capturas marginais. Uma atividade boa, eficaz, em análise de dados e montagem de inteligência em cima de dados, isso pode dar origem a produtos que podem ser, de alguma maneira, monetizados. Mas são coisas marginais. Hoje a Abril já faz análise de dados. Vamos olhar mais para definir ênfases, e perseguir o crescimento de algumas dessas, do que olhar frentes completamente novas. Eu acho que a companhia tem realmente lutado para buscar resultado em todas as frentes. Acredito que dê para melhorar o foco em algumas delas, a forma como são feitas, investir um pouco mais, apostar um pouco mais, e rebalancear os esforços. E aí, sim, atingindo uma segunda fase, uma fase pós- estabilidade, ao surfar a evolução do grupo, eventualmente enxergar novas oportunidades.
Como deve ser a gestão? O senhor vai comandar diretamente a Abril ou vai colocar executivos na empresa? Ela vai ser comandada do Rio de Janeiro?
Não vai ser comandada do Rio de Janeiro. A sede será em São Paulo. Eu vou assumir como presidente do Grupo, e um dos meus sócios vai ser o vice-presidente financeiro. Vamos nos juntar à Alvarez & Marsal, e vamos reequilibrar as tarefas prioritárias com a turma deles para cobrir mais frentes ao mesmo tempo. Vamos conhecer as pessoas da empresa, tomar conhecimento sobre o que é a prioridade de cada um, e a partir daí a gente vai tocar organicamente. Não temos uma visão de fora de que a companhia está míope. A grande questão é que precisamos entrar e fazer disso uma coisa urgente, uma mudança drástica. Como serão traçadas prioridades, focos, metas, é normal que haja algumas remodelagens para ter uma companhia reestruturada. Células de trabalho, processos, principalmente, vamos tentar fazer com que sejam mais eficientes. Então há algumas coisas que a gente vai mudar, porque é preciso ter pessoas certas nos lugares certos. Pode-se chegar à conclusão que algumas funções precisam ser modificadas, pessoas precisam ser movidas entre funções etc. Mas tudo isso é a parte orgânica do plano.
O senhor vai dividir seu tempo entre o Rio e SP? Vai continuar no comando das outras empresas?
Nas outras empresas eu já me afastei da atividade executiva. Sou conselheiro e acionista e tenho uma participação mais do ponto de vista estratégico. Eu não participo do dia a dia das companhias com tanta intensidade porque todas elas já passaram pelas fases mais críticas de reestruturação. Vou me estabelecer em São Paulo, que sem dúvida é o ponto central da companhia. Mas ela tem uma presença nacional, e acredito que eu vou ter de dividir, até mais que Rio-São Paulo, uma agenda importante também em outros lugares do Brasil.
Qual é a sua visão sobre as marcas que são os carros-chefes da Abril Mídia?
Acho que todas as marcas são o que são porque já se solidificaram num ambiente hostil de competição. Já estão adaptadas, em grande medida, pelas circunstâncias e chegaram aonde chegaram por isso. Existe um trabalho primordial de assegurar recursos para que não se deteriorem, ao contrário, melhorem, e existe um trabalho de formatação. Não é abandonar o formato impresso. Hoje o conteúdo tem que ser distribuído de mais de uma forma, e na minha avaliação a forma preponderante ainda é a forma impressa. Ela tem um papel importante no comportamento do cliente da Abril e vai continuar. Mas é preciso que todas as marcas migrem para uma inteligência de subir conteúdo em diversas plataformas, usando o melhor das diversas plataformas.
Como o senhor avalia, por exemplo, a Veja?
Para mim, a Veja é um dos veículos de maior inserção histórica na realidade brasileira, um dos principais veículos de informação sobre o que está acontecendo de forma mais ampla no Brasil. Tem de ser tratada, digamos, como, a joia da coroa. Sua capacidade de comunicação tem de ser reforçada por meio das novas plataformas. A gente tem de identificar que tipo de dificuldade, no dia a dia do jornalista, tem se apresentado depois do processo por que a empresa passou, como é que anda a deficiência da infraestrutura, como é que anda a capacidade de atuação para que ela possa fazer melhor o que ela faz.
E a Exame?
O mesmo vale para a Exame. Existe uma característica, que para mim é clara na Exame, que é uma oportunidade de expansão do portfólio de cobertura, para incluir mais as notícias de mercado, não só as notícias de negócios e empresariais. A Exame não tem hoje qualquer atividade que eu considere supérflua ou pouco produtiva, mas eu acho que, com a popularização das plataformas digitais, com a popularização do investimento, existe uma demanda grande por notícias de mercado. Com a estrutura e a robustez que tem, a Exame pode trazer para o mundo de notícias de mercado muita competência, muita profundidade, e deve haver uma sinergia grande de informações em tempo real, notícias rápidas que acompanham o movimento dos diversos mercados, que podem combinar com as notícias de mais de profundidade, de análise, que a Exame faz bem. Pode haver aí um aumento de escopo. Não que isso não esteja presente hoje, mas, pela forma como se comunica, a Exame não tem capturado toda a audiência de alta frequência de mercado que ela merece. De novo, falo isso com humildade, mas a minha experiência como leitor da Exame é essa. Vamos ter de analisar tudo, mas acredito que há uma grande oportunidade para a companhia nisso.
Cláudia e Quatro Rodas são outras líderes de mercado...
Cláudia é um veículo que está inserido de forma muito competente no cenário brasileiro. É uma revista de foco feminino que tem uma interlocução muito poderosa, e muito adequada dentro do contexto de diversidade da população brasileira. É um veículo com uma característica específica, e eu preciso estudar mais os dados para conseguir ter uma visão mais apurada. Posso dizer a mesma coisa sobre a Quatro Rodas, uma revista de nicho que atende a uma legião de apaixonados. Eu acho que a Quatro Rodas sempre fez muito bem isso de entender o que os apaixonados querem. Essa é uma visão humilde que eu tenho e irei implementá-la em múltiplos graus na medida em que eu entre e faça parte do time. Me reservo o direito de mudar um pouco aqui e ali de opinião, mas são marcas, veículos e plataformas fantásticas de comunicação, intrinsecamente poderosas. O que é poderoso precisa ser nutrido e receber investimento para manutenção e foco.
O Grupo tem uma missão, criada em 1980, que é: "A Abril está empenhada em contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento para o progresso da educação, melhoria da qualidade de vida, desenvolvimento da livre iniciativa e fortalecimento das instituições democráticas do país”. Isso vai continuar valendo como norte da Abril ou há algo a acrescentar ou modificar nesse princípio?
É um excelente descrição do que faremos. Com os anos, podemos vir a acrescentar novas opções, mas, no momento, essa é uma ambição nobre, totalmente alinhada com o que a gente acredita, que é o caminho e a potencialidade do grupo, e é com honra que a gente vai abraçar essa visão. A Abril é o que é pelo que fez ao longo de seus 68 anos.