Negócios

A travessia

Apertado pelo controle de preços e pela concorrência, o laboratório Lilly se reinventa e tenta voltar a crescer. Enquanto a mudança não termina, a vida fica mais dura

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

"Olá, pessoal da Nova Lilly Brasil. Aqui é o Philippe Prufer com a mensagem das principais coisas que aconteceram em setembro"

Pouco após as 2 horas da tarde da quarta-feira, 15 de outubro, essa saudação entrou no correio de voz dos cerca de 650 funcionários da subsidiária brasileira do laboratório Eli Lilly, com sede em São Paulo. Na seqüência, Prufer, o presidente do Lilly, relatou os resultados da empresa no mês anterior e deu notícias como o lançamento de um site de treinamento na intranet e o redesenho do programa de integração de novos funcionários.

O recado telefônico do presidente, uma rotina mensal para melhorar a comunicação e animar os funcionários, faz parte de seus esforços para cumprir a missão que recebeu há pouco mais de dois anos: comandar uma reviravolta no Lilly. E não é só ao dar uma de locutor que ele, um paulistano de 40 anos, filho de alemães e criado no Rio de Janeiro, vem se desdobrando. Bem-humorado, adepto do uso de metáforas, Prufer passou o ano de 2002, de intensas transformações na empresa, proclamando que era tempo de "lavar a égua". Em fevereiro deste ano, numa convenção que reuniu os funcionários no parque Hopi Hari, no interior de São Paulo, Prufer literalmente cumpriu a promessa. Com a equipe acomodada no auditório do parque, as luzes de repente se apagaram. Quando foram reacendidas, Prufer apareceu no palco montado numa égua. "Chamei os diretores, pegamos uns esfregões e lavamos a égua ali mesmo, na frente de todo mundo", diz.

A motivação é um dos maiores desafios numa empresa que, de 1997 para cá, perdeu o status de sexta colocada no ranking das subsidiárias do grupo americano Lilly no mundo, caindo para o 15o lugar neste ano. No mercado farmacêutico brasileiro, sua posição foi do 11o para o 30o posto. "Até 2006, temos de voltar a ser uma das 15 mais do mercado e uma das dez maiores do mundo Lilly", afirma Prufer.

Para tentar chegar lá, ele vem conduzindo a empresa numa árdua travessia -- no caminho, já tomou decisões de corte de quase 400 funcionários, transferiu 16 marcas de produtos para outros laboratórios e vendeu uma fábrica. O enxugamento fez com que as receitas, já declinantes quando Prufer assumiu a presidência, encolhessem ainda mais. Após crescer consistentemente nos primeiros anos do Real, atingindo um pico de 244 milhões de dólares em 1998, o faturamento bruto do Lilly começou a regredir até fechar em 133 milhões no ano passado (veja gráfico acima). "Disse a meus chefes na matriz: as coisas estão ruins e ainda vão piorar", afirma Prufer. "Pedi oxigênio e apoio para mudar. Mas tive de convencer os americanos de que a proprie dade intelectual será respeitada no Brasil e que o nosso mercado vai crescer."

Prufer foi convocado em meados de 2001 pela cúpula do Lilly, com sede em Indianápolis, no estado de Indiana, para substituir o americano Glenn Moehling, chamado de volta para assumir a diretoria de marketing e vendas globais. Nos três anos anteriores, Prufer havia ocupado o posto de prin cipal executivo do grupo na subsidiária chamada de Cone Sul, com base em Buenos Aires e que cobre os mercados de Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai. Formado em economia, com MBA pela Universidade de Michigan, Prufer havia ingressado no Lilly em 1988, depois de trabalhar na LOréal e na Brahma. Fez carreira nas áreas de marketing e vendas do laboratório, com passagem por Indianápolis. No Brasil, foi diretor da divisão farmacêutica antes de ser enviado a Buenos Aires.

De volta ao país, Prufer encontrou uma situação de mercado bem diferente da que deixara três anos antes. O setor farmacêutico encerrara um curto período dourado e entrara em depressão. Os bons tempos haviam sido proporcionados pelo aumento de renda média da população no início do Plano Real e pela entrada em vigor da Lei das Patentes, em 1996. A indústria de medicamentos brasileira, com faturamento de 7,8 bilhões de dólares em 1998, era a sexta maior do mundo. Desde então, com o preço dos remédios controlado pelo governo e a desvalorização do real, a receita do setor caiu, até chegar aos 3,9 bilhões de dólares registrados no ano passado. O Brasil é agora o 12o mercado do mundo.

Para o Lilly, além dos preços e do câmbio, surgiu outro percalço: a con corrência dos genéricos. Nesse aspecto, o caso da subsidiária brasileira não é isolado. Mundialmente, o vencimento da patente do antidepressivo Prozac em 2000 foi um baque para o grupo. As vendas do Prozac caíram de 2,5 bilhões de dólares para 734 milhões no ano passado. No Brasil, o negócio de antibióticos, carro-chefe local, foi o mais atingido pela crise. As receitas do Lilly com o antibiótico Keflex diminuíram de 92 milhões de dólares em 1997 para menos de 20 milhões em 2002. O produto, com 30 anos de existência, já foi líder de categoria no mercado brasileiro. Hoje, para o Lilly, está com os dias contados. "O Keflex ficará no nosso portfólio em 2004", diz Claudio Coracini, diretor da unidade de negócios de remédios para cuidados críticos. "Mas, no futuro, nós o vemos com outra empresa."

Diante desse quadro, o alemão Rolf Hoffman, o então executivo-chefe do Lilly na América Latina, foi categórico com Prufer. "Ele me disse que eu teria 90 dias para ver o que estava acontecendo na operação brasileira e propor uma estratégia de recuperação", diz Prufer. Nas semanas seguintes, ele perambulou por fábricas e escritórios da empresa, conversou com funcionários e visitou clientes para tomar pé da situação. Agendou uma reunião com seu superior imediato e assistentes, a diretoria do Lilly Brasil e os gerentes de negócios. Em dois dias, os participantes fizeram uma análise da linha de produtos da empresa e das tendências do mercado brasileiro. "Chegamos penosamente à conclusão de que o país e o mercado haviam mudado e não tínhamos nos dado conta", diz. "Vimos que seria preciso começar tudo de novo."

A transformação iniciada foi radical especialmente na linha de produtos. Prufer e seus executivos decidiram que abririam mão de boa parte do negócio para retomar o crescimento em bases novas. A subsidiária, na época, contava com medicamentos destoantes da estratégia global do grupo. Um dos primeiros descartados foi o único remédio de balcão da linha, o tradicionalíssimo cicatrizante Merthiolate, vendido ao laboratório nacional DM Farmacêutica, fabricante de produtos como o Gelol e o Doril. Os antibióticos de uso hospitalar foram repassados para o laboratório italiano ACS Dobfar -- o mesmo que, em abril deste ano, compraria a fábrica do Lilly em Cosmópolis, no interior de São Paulo.

Desde então, o foco foi desviado para produtos vendidos exclusivamente com prescrição médica e protegidos por patentes. Inovação passou a ser o centro da estratégia. Trata-se de uma escolha arriscada e cara. Atualmente, o desenvolvimento de novos medicamentos vem demandando investimentos de 900 milhões de dólares e prazos de pesquisa de dez anos, em média. É também impossível assegurar que, quando uma droga chega ao mercado, um concorrente não tenha na manga um produto semelhante.

Por que correr o risco? O Lilly é considerado, hoje, um dos laboratórios de vanguarda no mundo. Destina 2 bilhões de dólares por ano a pesquisa e desenvolvimento de produtos. Suas investigações se dão em áreas como oncologia, neurociências, doenças cardiovasculares e endocrinologia. Atualmente, o produto mais vendido do Lilly no mundo é o Zyprexa, um psicotrópico lançado em 1996 e indicado para esquizofrenia, cujas receitas somaram 3,7 bilhões de dólares no ano passado. Na unidade brasileira, a nova fase foi marcada pelo lançamento em novembro de 2001 do Xigris, um remédio contra septicemia. Em maio deste ano entrou no mercado o Cialis, concorrente do Viagra, da Pfizer, no tratamento de disfunção erétil. Até o fim de 2003 deverá ser lançado o Forteo, contra osteoporose. Para o ano que vem estão previstos o antidepressivo Cymbalta e o Strattera, para déficit de atenção.

Não foi sem resistência que Prufer optou por uma nova linha de produtos. "Como ganhávamos dinheiro com antibióticos e tínhamos uma vantagem folgada, estávamos acomodados", diz ele. A rotina, basicamente, era tirar pedidos. "Nossos representantes, com produtos conhecidos por anos e anos no mercado, vendiam fácil", diz Coracini. Na primeira reunião de diretoria em que mencionou a intenção de vender marcas tradicionais, Prufer causou certa comoção. O que aconteceria caso a empresa não fosse bem-sucedida com as novidades? "Respondi que era exatamente assim que eu queria que eles se sentissem: sob pressão para obter resultados com os novos produtos", afirma Prufer. "No fim, o efeito psicológico da mudança foi mais importante que o próprio valor da venda das marcas."

O impacto foi sentido na linha de frente, por quem tem de vender os produtos -- os 300 propagandistas, quase a metade do efetivo do Lilly. "A vida ficou mais dura", diz Ana Lúcia Motta Méier, de 37 anos, formada em farmácia e bioquímica. Há 13 anos na empresa, nos últimos oito anos ela vem trabalhando como propagandista na zona leste de São Paulo. Acostumada a visitar pediatras e pneumologistas para vender antibióticos, Ana Lúcia passou a bater à porta de ginecologistas, cardiologistas e urologistas para promover os novos produtos. "Tive de aprender sobre outros remédios, fazer novos contatos e criar credibilidade em áreas nas quais não atuávamos", diz ela. "Foram três anos difíceis para a gente." Nesse período, Ana chegou a perder 30% da remuneração com comissões de venda.

O diagnóstico da empresa também mostrou que nem todos os males tinham causas externas. Quanto à eficácia operacional, ficou claro que havia falhas internas graves, como a existência de feudos e o isolamento da diretoria. Prufer vem tentando enfrentar esses problemas reestruturando a diretoria. O modelo anterior, de dois diretores comerciais e sete gerentes de negócio abaixo deles, foi substituído pela criação de três unidades de negócio, cujos diretores se reportam diretamente a ele. Também foram criadas duas novas diretorias, uma de serviços de marketing e outra de comunicação e assuntos corporativos. Os feudos foram atacados promovendo a aproximação entre profissionais que trabalhavam separados. A área médica, responsável por pesquisas clínicas, e a de negócios não conversavam. Ficavam em andares diferentes. "Para facilitar o entendimento, fizemos os médicos se sentarem perto do pessoal de marketing", diz Prufer.

O apoio dos médicos é considerado essencial para impulsionar os negócios. André Feher, de 44 anos, pneumologista-pediatra, é o diretor da divisão médica. Nove anos atrás, quando foi admitido, a divisão não existia. Atualmente, ele comanda uma equipe de 34 profissionais, dos quais oito são médicos. Foi a única divisão que não sofreu corte de pessoal. "Com a Lei das Patentes, intensificou-se a necessidade da nossa área", diz Feher. Neste ano, o Lilly está investindo 4,7 milhões de dólares em pesquisas clínicas, realizadas por meio de convênios com hospitais e universidades. Mais 5 milhões de dólares estão sendo gastos com equipamentos para fabricar os novos produtos.

Outra providência foi injetar sangue novo na diretoria. Com a reestruturação, diretores que estavam havia 35 anos na empresa foram aposentados. Dos oito executivos que hoje se reportam a Prufer, somente dois são remanescentes da cúpula antiga. A administradora de empresas Daniela Lins de Araújo, de 35 anos, era gerente e foi promovida a diretora da unidade de neurociência, responsável por metade do faturamento da empresa. Desde 1998 no Lilly, Daniela foi recrutada na Gessy Lever, onde cuidava do marketing do Omo. "Vim trazer minha experiência de consumo para a área farmacêutica", diz Daniela. "Ganhamos mais agilidade nas decisões e assimilamos o espírito de mudança contínua."

E os resultados do negócio, como andam? "Estivemos perto de sofrer prejuízo operacional no Brasil", afirma o italiano Lorenzo Talarigo, presidente de operações da região intercontinental do grupo Eli Lilly. "A reestruturação é necessária para reorientar nosso negócio e nos posicionar para ter um futuro mais promissor." A rentabilidade atualmente está muito inferior à da operação no México, um mercado comparável ao brasileiro. "Tenho de responder por isso à matriz todos os meses, mas o grupo mantém os investimentos confiando que voltaremos a ter uma lucratividade comparável à média mundial", diz Prufer. No ano passado, para um faturamento líquido mundial de 11 bilhões de dólares, o Lilly obteve lucro de 2,7 bilhões.

De acordo com Prufer, alguns números positivos começam a aparecer. "Nos últimos meses, com o Cialis e o Xigris, fomos o laboratório que mais cresceu no Brasil", afirma. O Cialis, concorrendo desde maio com o Viagra e o Levitra, da GlaxoSmithKline, já conquistou 25% de um mercado estimado em 250 milhões de reais por ano. "Nosso objetivo é ser líder dessa categoria em dois anos", afirma Coracini, o executivo responsável pelo produto. "Digo sempre para o meu pessoal que não ganhamos 25% do mercado, temos 25% por ganhar." É esse senso de urgência que Prufer quer manter em alta no Lilly. "Chegamos apenas ao meio da ponte", diz ele. "Ainda acordo durante a noite pensando se a estamos atravessando na velocidade certa. Não podemos cantar vitória antes do tempo."

A FÓRMULA DO FUTURO
Vejas os principais pontos da reestruturação do Lilly
EXCLUSIVIDADE
Com a concorrência dos genéricos, o Lilly definiu que só manterá remédios
novos, como o Cialis, protegidos por patentes. Foram descartados produtos
como o analgésico Trandor e a linha de antibióticos hospitalares
REDUZIR A ESTRUTURA
Sem os antibióticos na linha, a fábrica do Lilly em Cosmópolis, no interior
paulista, foi vendida. Há cinco anos, o quadro era composto de 1 108 funcionários.
Hoje são 650. Um dos níveis de diretoria foi eliminado, aproximando o presidente
das áreas de negócios
DESMANTELAR SILOS
A divisão médica, que trabalhava isolada, foi colocada junto com as áreas
de negócios. Foram criados comitês interdepartamentais para assuntos de
pessoal, comercialização e preços, integração de médicos e marketing, comunicação
e planejamento da produção
MELHORAR A COMUNICAÇÃO
Diversos canais foram abertos para que a presidência e a diretoria tivessem
mais contato com os funcionários. Entre eles, cafés da manhã na sede da
empresa, almoços com os propagandistas e reuniões gerais periódicas
FOCO NO CLIENTE
Os diretores passaram a dedicar pelo menos um dia por mês para acompanhar
o trabalho de algum propagandista. Também devem passar um dia no serviço
de atendimento ao cliente, ouvindo reclamações e sugestões
Fonte: empresa
REMÉDIO AMARGO
Com a desvalorização cambial e o corte no portfólio de produtos de 50 para
16 itens, o faturamento do laboratório Lilly caiu quase pela metade nos
últimos quatro anos (em milhões de dólares)

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