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A todos falava

Leia abaixo mais trechos do livro Matarazzo de Ronaldo Costa Couto. "Conforme o neto Ferdinando, que morou e trabalhou com ele, Matarazzo sempre dizia: "Trate bem os empregados que eles tratarão bem a empresa". Final de outubro de 1930, o Brasil tenso, nervoso, densas nuvens negras no céu e na sociedade. Revolução tinha acabado de […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Leia abaixo mais trechos do livro Matarazzo de Ronaldo Costa Couto.

"Conforme o neto Ferdinando, que morou e trabalhou com ele, Matarazzo sempre dizia: "Trate bem os empregados que eles tratarão bem a empresa".

Final de outubro de 1930, o Brasil tenso, nervoso, densas nuvens negras no céu e na sociedade. Revolução tinha acabado de apear do poder o presidente constitucional Washington Luís, amigo pessoal do conde. O líder gaúcho Getúlio Vargas é o novo presidente.

No auge da mudança, Matarazzo é surpreendido pela chegada ao escritório de barulhento grupo de operários. Estão agitados, em pé de guerra. Ele abre a porta da sala, manda entrar. Dá boas vindas a todos, cumprimenta um por um, pergunta em que pode ser útil. Dizem que estão ali para avisá-lo de que agora tudo seria diferente. Chegara o momento de menos lucro e mais salário. De maior conforto e segurança e menos trabalho. Cobram dele o aumento pedido na semana anterior.

Voz mansa, calmo, ele responde que as coisas não eram tão simples assim. Que os novos líderes nacionais iam se dar conta das grandes dificuldades de governar um país em crise. E talvez cometer muitos erros até aprender. Zum-zum inquietante, claros sinais de desaprovação, resmungos. Temperatura em perigosa elevação. Matarazzo sorri e diz ter informação segura de que, enquanto tinha o privilégio de receber a gentil visita de tantos amigos, as IRFM haviam decidido conceder o aumento. Felicidade geral.

Ainda o início dos anos trinta, São Paulo. Greve numa fábrica das IRFM, na rua Turiassu. Alguns operários exaltados ameaçam botar fogo nas instalações. Matarazzo sai às pressas do escritório central e vai para o olho do furacão. Confiante, charuto numa das mãos e bengala na outra, parecendo calmo, fala firme: "Vim, porque soube que alguns pretendem queimar as fábricas, ganha pão de todos. Por mim, tudo bem. Já trabalhei muito, economizei bastante, posso viver confortavelmente sem elas. Mas algum de vocês pode me dizer quem irá empregá-los depois?"

Fazia a figura paternal, bem à velha moda italiana. Impressionava e cativava os trabalhadores. Proezas dele corriam de boca em boca. Exemplo? Nas visitas às fábricas, costumava parar para conversar com os operários. Certa vez, em plena linha de produção, um deles reclamou a falta de uma peça de reposição. Matarazzo: "Com certeza, devemos tê-la naquele armário ali da direita. Quando achar, me diga". E seguiu em frente. Ao sair, o chefe da seção, preocupadíssimo, pediu desculpas e perguntou como ele sabia que a peça estava lá. "Há cinqüenta anos faço isso. É uma questão de hábito e a base de cada organização é o cuidado com os detalhes".

De Augusto Simi, antigo operário das IRFM, que sempre morou no bairro paulistano da Pompéia, perto do complexo industrial da Água Branca:

"Era uma pessoa muito simples e ajudava a todos, nunca deixava um funcionário na mão. Meu pai, que passou sua vida inteira com ele, não conhecia greve. Não havia o por quê fazer greve, ele era muito bom. Matarazzo era único: poderoso generoso e muito conhecido. (...) Não passava nem boiada por aqui. Tudo era um charco. Foi ele quem urbanizou o bairro e deu condições ao paulistano de desfrutar uma área muito agradável. (...) Se não muito bem pagos, também não se sentiam explorados. Havia solidariedade e justiça nas fábricas do conde."

Espaço agora para o olhar de Fernando Henrique Cardoso, presidente da República no período 1995-2002. No clássico Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil, publicado em 1972, ele destaca que o nome deixado pelo fundador da empresa e a capacidade que os proprietários tiveram de fazer da fábrica "uma família", unindo operários, funcionários e patrões, é um componente importante das crenças empresariais. E que, se, em si mesma, esta disposição subjetiva é uma racionalização que pode até ser "útil" aos empresários, enquanto valorização do padrão doméstico de controle de empreendimento, seu efeito é altamente negativo e mostra até que ponto as disposições subjetivas dos proprietários de empresa são contrárias às práticas modernas de gestão empresarial.

A política de relações trabalhistas de Matarazzo era simples e objetiva. Baseava-se em sua liderança forte e carismática, temperada por respeito pessoal aos operários e atitudes paternalistas, como a concessão de certas vantagens. É pioneiro na introdução de vários benefícios indiretos, como cooperativas de alimentos essenciais, construção de vilas operárias Água Branca, Ermelino Matarazzo, Belenzinho, Brás, Tatuapé, São Caetano, Jaguariaíva, Antonina etc e abonos e prêmios em situações e ocasiões especiais."

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