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A terra sem lei do coaching

Jardel Sebba Mesmo quem não trabalha em ambientes corporativos já deve ter esbarrado em algum momento com o fenômeno do coaching. O conceito originalmente empresarial, cujo objetivo era preparar funcionários para uma determinada cultura corporativa, transformou-se em uma moda que abrange as mais variadas atividades. Há coach para bandas de rock que brigam, para quem […]

METALLICA: o coaching como forma de mediação de conflitos ganhou fama depois do documentário Some Kind of Monster, lançado em 2004 pela banda / Kevin Winter/ Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 6 de março de 2017 às 12h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.

Jardel Sebba

Mesmo quem não trabalha em ambientes corporativos já deve ter esbarrado em algum momento com o fenômeno do coaching. O conceito originalmente empresarial, cujo objetivo era preparar funcionários para uma determinada cultura corporativa, transformou-se em uma moda que abrange as mais variadas atividades. Há coach para bandas de rock que brigam, para quem quer ajuda para emagrecer e comer melhor, para administrar as finanças, pensar positivo, e, no meio de tanta gente e nenhuma regulamentação, há até profissionais sérios, estudiosos do assunto, que buscam levar a profissão adiante apesar da banalização do termo.

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“O nosso maior desafio é mostrar as diferenças entre coaching, psicologia, terapia, consultoria, programação neurolinguística e hipnose, fazer com que o brasileiro entenda que coaching não é o que algumas pessoas vendem”, garante Sulivan França, presidente da Sociedade Latino-Americana de Coaching (SLAC Coaching). Desde 2002 na função, França é um estudioso do assunto. Formou-se Master Coach Trainer pela International Association of Coaching Institutes e Master Trainer pela International Association of NPL Institutes e define-se como um administrador com mais de dez anos de experiência em gestão de pessoas.

Se o desafio maior é mostrar o que o coaching não é, como definir a atividade? “O profissional atua como um estimulador externo que desperta o potencial interno de pessoas, usando uma combinação de flexibilidade, insight, perseverança, estratégias, ferramentas pautadas em uma metodologia de eficácia comprovada”, define França.

O coaching abrange hoje entre 20 e 50.000 profissionais em atividade no país, segundo estimativas das empresas da área. E tão variadas como as formas de atuação são as maneiras de encarar a atividade. “Ser coach é ajudar um ser humano a se transformar em uma melhor versão de si para que conquiste metas, objetivos e sonhos que antes não seriam possíveis para a versão anterior da pessoa. Apenas com transformação é possível sustentar uma meta ousada”, resume Bruno Juliani, dono da Associação Brasileira de Coaching (Abracoaching), escola fundada em 2010 e que já teria formado mais de dois mil profissionais da área.

Apesar de nomes como associação, instituto e sociedade, as instituições de coaching são, em sua maioria, empresas privadas, em geral escolas que formam profissionais da área. “O maior desafio é crescer, mantendo a motivação inicial, a qualidade do curso, e encontrar pessoas legais e competentes para trabalhar conosco”, diz Juliani sobre a Abracoaching. “A Sociedade Latino Americana de Coaching foi a primeira a integrar ferramentas profissionais de assessment, que possuem cases significativos e de notório reconhecimento público, que abrangem órgãos como a força aérea e a marinha americanas”, regozija-se França.

Assessment quer dizer avaliação, mas no meio do coaching ele representa, resumidamente, a capacidade de identificar o potencial das pessoas. Além da SLAC Coaching e da Abracoaching, são representativos do setor no país a Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) e o Instituto Brasileiro de Coaching (IBC). O braço brasileiro da International Coach Federation (ICF), autointitulada a maior associação global de coaches, foi contatado para esta reportagem mas não respondeu.

A confusão sobre o que o faz de alguém um coach tem origem na falta de regulamentação. Apesar do mercado estar há mais de uma década convivendo com diversos conceitos da atividade, esta ainda é uma terra sem lei. “Existem pessoas, por exemplo, ensinando hipnose dizendo que é coaching, ensinando programação neurolinguística dizendo que é coaching, colocando outras para entortar ferro e madeira, caminhar no vidro ou brasas e falando que é coaching. A falta de regulamentação traz isso”, reclama França. Já Juliani vê a questão de outra forma. “Quem fica pregando regulamentação não são os que estão atuando profissionalmente. Pelo contrário, normalmente são coaches que não tiveram a capacidade de fazer da profissão uma carreira e preferem colocar a culpa na ‘bagunça que é o mercado’”, alfineta.

Várias espécies de monstros

O coaching como forma de mediação de conflitos ganhou fama depois do documentário Some Kind of Monster, lançado em 2004 pela banda Metallica. Ao documentar os percalços que os veteranos músicos enfrentaram para gravar um novo disco, a banda revelou ao mundo o trabalho de Phil Towle, autointitulado um “performance enhanced coach” e contratado para resolver as tensões entre eles. Towle promoveu no vídeo uma espécie de terapia de grupo, com trocadilho.

O curioso é que, no mundo empresarial, o Metallica seria uma companhia com um perfil capitalista extremamente agressivo – e muito bem-sucedida. Ao contrário das bandas que nascem do sonho de amigos ou de outros ambientes artisticamente romantizados, o Metallica sempre foi um projeto de negócios cujo objetivo primordial era ganhar dinheiro. Seus dois “dirigentes” principais nunca fingiram ter grande prazer na companhia um do outro e seus dois integrantes restantes nunca fingiram ter algum protagonismo nos rumos da banda-empresa – o baixista original, Cliff Burton, tinha protagonismo nos rumos musicais da banda, mas morreu em 1986, pouco antes do Metallica ter se tornado uma grande corporação.

Com paciência e método, Phil Towle trabalhou para confrontar a agressividade entre os dois chefes da banda, o guitarrista James Hetfield e o baterista Lars Ulrich, e levá-los a refletir sobre o que poderia estar levando o trabalho do grupo a uma crise naquele momento. O que se percebe é que o Metallica sempre foi uma máquina de fazer dinheiro, e que o trabalho do coaching foi preservar a galinha e seus ovos de ouro, que alimentam não só seus integrantes mas toda uma estrutura que não estaria disposta a ruir por picuinhas. Quando Towle decide que os músicos deveriam encarar os ex-colegas que saíram brigados da banda para expurgar as mágoas do passado, o documentário ganha os momentos mais emblemáticos.

Por mais que a própria banda encerre a relação com Towle no filme com um certo desdém de sua competência (os músicos se “dão alta” do tratamento, à revelia dele), o trabalho de coach de bandas ganhou destaque desde então. Mais, a segmentação deste tipo de profissional foi se aprimorando para as áreas mais diversas. “Segmentação não é uma tática de coaching, mas de marketing. Coaches que conseguem investir em uma segmentação costumam ter mais clientes e cobrar mais caro, como um cardiologista ou endocrinologista cobra mais do que um clínico geral”, simplifica Bruno Juliani.

Já Sulivan França define em três áreas o eixo de desenvolvimento do coaching. “O life coaching são as metas pessoais, se a pessoa quer trocar de casa ou de carro e falar sobre relacionamento. Trabalhar o desenvolvimento de competências é o processo de coaching executivo, se for pago pela corporação. Se for pago pelo individuo, ele passa a ser coaching de carreira, que é o caminho do meio”, resume. “O que o mercado prega como coaching de relacionamento, de emagrecimento, nós entendemos como parte do coaching de vida, pois são metas pessoais.”

Diante das discussões recentes sobre identidades de gênero, uma das áreas que mais cresceu foi o coaching para mulheres. A jornalista Juliana de Mari, por exemplo, é uma profissional especializada nesse setor. “Traduzindo: ajudo mulheres em transição de carreira e de vida a definirem e realizarem seus novos objetivos”, ela escreveu em artigo publicado na COSMOPOLITAN de novembro passado, revista que dirigiu algum tempo antes.

Uma das referências neste mercado no exterior é Jess Weiner, professora de personal branding e empreendedorismo na University of Southern California e fundadora da Talk to Jess. Criada em 2006, a empresa nasceu com o objetivo de ajudar na interlocução de marcas com consumidoras mulheres e no treinamento sobre como falar para este público consumidor. Jess foi a responsável pela campanha que celebrou a “beleza real” da marca de sabonetes Dove e ajudou a Mattel a repaginar a boneca Barbie com silhuetas e tons de pele mais variados e próximos do mundo real.

São boas causas, mas é também um bom negócio: Jess ajudou essas empresas a ganharem muito dinheiro e, por tabela, tornou-se uma das consultoras e palestrantes mais disputadas da América do Norte. “Todos os trabalhos que faço são negócios em primeiro lugar, nunca perco isso de vista”, ela disse ano passado à revista Fast Company. Em abril de 2016, foi convidada por Tina Tchen, então diretora-executiva do Conselho da Casa Branca para Mulheres, para comandar um simpósio sobre estereótipos de gênero, brinquedos destinados a meninas e mídia, no qual reuniu alguns dos principais executivos de companhias como Disney, Warner Brothers e Lego. É o coaching trabalhando para um mundo mais igual.

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