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A primeira loja ninguém esquece

Pão de Açúcar reinaugura o local onde iniciou sua expansão

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Sempre quis ter uma empresa grande", diz o imigrante português Valentim dos Santos Diniz. Ninguém pode dizer que ele não conseguiu: Valentim é o fundador do Grupo Pão de Açúcar, a maior rede varejista do Brasil. Aos 89 anos, preside o conselho de administração e ainda vai ao escritório algumas vezes por semana. Descobriu a vocação para o comércio há 70 anos, quando conseguiu um emprego num empório na avenida Brigadeiro Luís Antônio. Foi nessa mesma avenida que, em 14 de abril de 1959, abriu a primeira loja do Pão de Açúcar. Oferecia 2 500 itens, com o predomínio de produtos não-perecíveis. A mesma loja está de cara nova: foi reinaugurada em 15 de outubro, depois de uma reforma que consumiu 6 milhões de reais.

O conceito de supermercado de vizinhança ainda se mantém na loja, que agora oferece 15 000 itens. Destacam-se os perecíveis, expostos numa praça de produtos frescos, logo na entrada, para atrair os consumidores. "Ao longo de 40 anos, a loja foi apenas mantida" diz Ana Maria Diniz, neta de Valentim e filha de Abilio Diniz, o presidente do Pão de Açúcar. A loja da Brigadeiro recupera o antigo prestígio, que havia perdido para unidades mais modernas. "Agora a loja vai ser um ícone do Pão de Açúcar, um campo de testes de idéias novas", afirma Ana Maria, que é responsável pelas áreas de marketing e de atendimento ao consumidor do grupo. Como o supermercado fica junto à sede do Pão de Açúcar, os resultados das novidades implantadas na loja poderão ser acompanhados de perto pelos dirigentes do grupo -- inclusive pelo fundador, que adora conversar com os consumidores.

Paisagem na memória

Valentim recebeu EXAME SP às vésperas da reinauguração. Sorridente, colocou seus óculos de grossas lentes sobre a mesa e começou a contar sua trajetória. Filho de um lavrador, nasceu em 1913, em Pomares, uma pequena aldeia em Portugal. Atraído pelas notícias do Brasil, quis tentar a sorte na ex-colônia. Na madrugada de 25 de novembro de 1929, após 15 dias de viagem, o navio que o trazia entrou na baía de Guanabara. Alguém gritou: "Olha o Pão de Açúcar!". Ele nem sabia do que se tratava, mas as palavras e o cenário que contemplou na baía ficaram gravados em sua memória.

Valentim se instalou na casa de parentes em São Paulo. Num dos primeiros passeios pela cidade, foi até a Brigadeiro Luís Antônio, onde, na esquina com a rua Tutóia, ficava o Real Barateiro, o maior empório dos Jardins na época. O proprietário, Januário Miranda, convidou o jovem português para trabalhar na loja. Valentim começou fazendo entregas de bicicleta e, aos poucos, conseguiu ser promovido a postos de maior responsabilidade. Alguns anos depois, Valentim tornou-se sócio de Miranda. Ficou encarregado de administrar a Padaria Nice, construída ao lado do empório. Além do primeiro emprego e da primeira sociedade numa empresa, a região da Brigadeiro deu-lhe uma esposa: foi lá que Valentim conheceu Floripes, com quem se casou no início de 1936 -- ano em que nasceu o primogênito, Abilio.

A sociedade com Miranda durou nove anos. Valentim resolveu então que queria ter um negócio próprio. Vendeu sua parte na padaria e comprou dois imóveis na Brigadeiro. Construiu um prédio de dois andares com oito apartamentos e uma loja no térreo. Em 7 de setembro 1948, abriu ali uma doceira. "Foi o dia em que Portugal perdeu o Brasil e eu ganhei o Pão de Açúcar", diz Valentim. O novo estabelecimento foi batizado em homenagem à sua primeira visão do país. A origem e a religiosidade de Valentim foram representadas na doceira por azulejos portugueses retratando Santo Antônio e o menino Jesus.

Em 1952, a Doceira Pão de Açúcar ganhou duas filiais no centro da cidade. Na segunda metade dos anos 50, Abilio cursava administração de empresas na Fundação Getulio Vargas. Na mesma época, Valentim adquiriu um terreno ao lado da doceira. Pensou em abrir um cinema, mas o filho o convenceu a abrir um supermercado -- o auto-serviço chegara ao Brasil poucos anos antes. "Eu e Abilio conversávamos muito sobre o negócio", diz Valentim. (Desde que o primogênito terminou a faculdade, o pai passou a chamá-lo carinhosamente de "doutor Abilio".) O talento de administrador do filho complementou o tino comercial de Valentim. Para o evento de abertura da loja número 2, na rua Maria Antônia, Valentim chamou o vigário-geral da Igreja Nossa Senhora da Conceição, localizada na Brigadeiro. Depois da cerimônia, Valentim disse ao sacerdote que estava interessado no terreno vizinho à igreja. "Ele ficou um pouco surpreso, mas aceitou que um engenheiro fizesse a medição." Poucas semanas depois, o vigário fechou o negócio. Em troca, os religiosos ganharam novos claustros, que seriam construídos simultaneamente à loja número 4 do Pão de Açúcar. Graças ao senso de oportunidade dos Diniz, a expansão continuou desde então a passos largos. Em 1969, o grupo atingiu a marca de 50 lojas. Hoje, só na Grande São Paulo há 233 lojas das bandeiras Pão de Açúcar, Barateiro, Extra e Eletro.

Quando questionado a respeito da história recente do Pão de Açúcar, Valentim tem dificuldades de se lembrar. Pega de volta os óculos e procura informações num folheto do grupo. Começa a ler trechos e a enumerar conquistas: o primeiro hipermercado, os projetos sociais, o serviço de entregas em casa. Mas a memória insiste em voltar ao princípio. "Quando inaugurei a doceira, já tinha tudo na cabeça", diz Valentim. "A nova loja número 1 é a prova de que a empresa se tornou o que eu imaginava."

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