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A microcervejaria que sobreviveu à Heineken

Nos últimos anos, a cervejaria Csiki quadruplicou sua produção diária e aumentou de tamanho

Andras Lenard, da Csiki Sor: para apoiá-lo, o governo húngaro anunciou até a intenção de proibir a estrela vermelha da Heineken como uma alusão ao comunismo (Andrei Pungovschi/The New York Times)

Andras Lenard, da Csiki Sor: para apoiá-lo, o governo húngaro anunciou até a intenção de proibir a estrela vermelha da Heineken como uma alusão ao comunismo (Andrei Pungovschi/The New York Times)

EH

EXAME Hoje

Publicado em 18 de agosto de 2017 às 12h05.

Última atualização em 18 de agosto de 2017 às 14h45.

Sansimion, Romênia – A cerveja é barata e abundante nesta discreta aldeia rural, próxima das encostas das montanhas da Transilvânia. Um bar local meio escuro as exibe atrás de portas de vidro, em geladeiras cheias de latas, garrafas e recipientes de plástico de 2 litros. As lagers de famosas cervejarias globais são a maioria, facilmente encontradas em toda a Europa.

Aqui, Andras Lenard, 39 anos, empresário local conhecido por seus projetos ousados envolvendo energia hidrelétrica e drones de segurança, assumiu, em 2013, a destilaria meio caída que fornecia bebidas para a região na era comunista, e começou a fazer sua própria cerveja.

Seus cartazes muitas vezes mostram as características semelhantes entre a cerveja e a água mineral, e ambas têm o mesmo preço. Os cervejeiros afirmam usar a água proveniente de fontes nas montanhas. Vangloriam-se de manter as tradições de sua arte e da história regional. Lenard jura que produz uma cerveja natural, não pasteurizada e feita de acordo com a centenária lei de pureza alemã.

A cervejaria começou pequena, produzindo apenas 20.000 garrafas por dia. Lenard batizou sua cerveja de Csiki Sor (pronuncia-se “tchiki chor”), inspirado no nome húngaro da região, Csik. Durante décadas, Csiki Sor era como os falantes de húngaro desta região da Transilvânia chamavam a Bere Ciuc, cerveja produzida na mais antiga cervejaria do local, em Miercurea Ciuc.

A gigante holandesa Heineken adquiriu a antiga cervejaria em 2003, e sua subsidiária romena agora produz a bebida com a marca Premium Ciuc (pronuncia-se “chuk”), usando o nome romeno da região. Em 2014, a Heineken afirmou que o nome da cerveja de Lenard era muito parecido com o da sua, e entrou com uma ação civil por violação de propriedade intelectual.

Lenard respondeu com uma guerrilha de marketing, enviando vans com o logotipo da “Real Csiki Sor” nas laterais para vilas e praças, e promovendo uma campanha nas redes sociais. Um vídeo promocional de animação falou sobre a “luta da Real Csiki Sor”. Nele, um homem usando trajes típicos, falando com o sotaque da região, se atraca com um urso na floresta, disputando uma garrafa de cerveja que havia deixado em um riacho para gelar. Atrás dele, um homem usando tamancos se esgueira até o córrego e tenta roubar a bebida.

A campanha repercutiu na vizinha Hungria, onde cerca de 60 por cento do produto de Lenard são vendidos. Uma das prioridades do governo de direita do primeiro-ministro Viktor Orban é defender as minorias húngaras no exterior e promover uma forma de patriotismo econômico; proteger a marca Csiki contra a Heineken se encaixou nessa ideia.

Alguns meses atrás, logo depois que a Heineken Romênia venceu em última instância no tribunal e a marca Csiki Sor ia desaparecer das prateleiras, um benfeitor inesperado apareceu: o chefe de gabinete do Orban, Janos Lazar, veio a Sansimion e brindou com Lenard com um copo de Csiki. O governo húngaro também anunciou uma proposta para proibir o uso do logotipo da Heineken – uma estrela vermelha – alegando ser um símbolo do comunismo, já proibido por lei.

“Quando o governo húngaro assume uma política econômica, não pensa apenas no país, mas na nação”, disse em uma entrevista por telefone Zoltan Kovacs, porta-voz do governo. Ele afirmou que a Hungria tinha que proteger suas empresas e se certificar de que as multinacionais não “abusem de sua posição vantajosa, que vem exatamente do fato de que operam em escala internacional”.

Menos de um mês após a intervenção húngara e sem explicitamente vincular sua ação a isso, a Heineken e a empresa de Lenard concordaram em coexistir pacificamente e encerrar todas as ações judiciais. “Reconhecemos o valor emocional da marca Csiki para as cervejarias e consumidores, assim como seus acionistas da Romênia e da Hungria”, disse em um e-mail John-Paul Schuirink, diretor de comunicação global da Heineken. E acrescentou que a companhia usaria todos os meios para defender seu logotipo da estrela vermelha.

Mesmo antes da intervenção, a batalha judicial era vista como a luta de um pequeno produtor local contra um gigante corporativo, reproduzindo o longo litígio entre a Anheuser-Busch e a cervejaria tcheca Budejovicky Budvar, mas, principalmente, foi uma tentativa de corresponder à desconfiança popular e à hostilidade evidente de governos às empresas multinacionais e seus produtos na Europa Central e Oriental.

Nem sempre foi assim. Após a queda do isolado regime comunista da Romênia, os produtos estrangeiros em embalagens chamativas expulsaram os monótonos produtos locais das prateleiras. Havia quase uma sensação de euforia quando, uma a uma, as marcas estrangeiras muito cobiçadas começavam a ser vendidas, mas à medida que crescia a decepção com os efeitos da globalização, o mesmo acontecia com o ceticismo em relação aos produtos de fora.

“No fim das contas, as pessoas perceberam que a geleia da vovó não era tão ruim. A comunidade percebeu que a produção local é boa”, disse Lenard, sentado em seu escritório com grandes janelas que dão para a moderna cervejaria que criou no espaço da antiga destilaria.

Nos últimos anos, a cervejaria Csiki quadruplicou sua produção diária e aumentou de tamanho. O equipamento novo em folha enche salas de tamanho considerável. E também se tornou uma espécie de atração turística: os visitantes podem percorrer o processo de produção, desde a trituração dos grãos, com seu cheiro terroso, até o engarrafamento e saborear a cevada e o lúpulo amargo. No final, eles próprios enchem seus copos em um bar onde há um saco de pancadas com a marca da Heineken.

Lenard descreveu sua atitude como maliciosa, ou “gobe,” uma palavra que os locais usam para descrever os szeklers, a população de língua húngara da região.

“Este produto ajudou a fortalecer o orgulho nacional”, disse Lenard sobre sua cerveja. “E essa batalha contra a Heineken, mesmo que não intencionalmente, aqui na terra dos szekler, se tornou o símbolo da luta local pela sobrevivência”.

Apesar do acordo, Lenard disse que continuaria a comercializar seu produto como a “Csiki Proibida”, nome que assumiu depois que, em janeiro, um tribunal ordenou a destruição do material promocional ligada à sua marca.

“Essa história é importante para todos os produtos. A ‘Proibida’ vai lembrar as pessoas do acontecido. Como com o uísque, ninguém contrabandeia o Old Smuggler, mas é bom dar uma ideia da história do nome.”

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