A Marfrig volta ao básico e dispara na bolsa
Frigorífico anunciou a compra da americana National Beef por 969 milhões de dólares, deixando um portfólio variado para voltar ao bom e velho bife
Clara Cerioni
Publicado em 9 de abril de 2018 às 20h10.
Última atualização em 9 de abril de 2018 às 20h11.
Um anúncio de quase um bilhão de dólares feito nesta segunda-feira cravou uma mudança até então lenta que vinha acontecendo no frigorífico Marfrig : a retirada da empresa de um amplo portfólio de produtos alimentares para focar no segmento de carne bovina. É, em linhas gerais, uma volta às origens da empresa criada na virada do século por Marcos Molina, filho de açougueiros e que construiu um império baseado na carne bovina. Molina hoje é presidente do conselho de administração da companhia.
Nesta segunda-feira a Marfrig anunciou a compra do controle (51%) do frigorífico americano National Beef por 969 milhões de dólares (quase 3,3 bilhões de reais). Junto com a compra veio também outro grande anúncio: o de que pretende vender a totalidade da americana Keystone, que é uma das maiores fornecedora de alimentos à base de diversos tipos de carne para redes como McDonald’s e Subway. A Keystone, fundada nos anos 60, foi a empresa que criou os famosos nuggets de frango. Em 2017, a marca representou quase metade do faturamento da Marfrig.
A venda da Keystone era algo esperado há algum tempo (o que mais se falava até então era uma oferta de ações na bolsa), mas a compra da National Beef foi uma surpresa para o mercado. “À primeira vista, o acordo é uma surpresa, especialmente considerando o fato de a Marfrig estar com um plano agressivo de desalavancagem”, afirmam analistas do banco BTG Pactual em relatório intitulado "Back to Beef".
Com a entrada da National Beef e a pretendida saída da Keystone, a Marfrig deve se concentrar em carne bovina, mas expandir o número de países em que atua — e reduzir o peso da dívida em seu balanço. A National Beef é a quarta maior processadora de carne bovina dos Estados Unidos (atrás de Tyson Foods, JBS USA e Cargil) e faturou 7,3 bilhões de dólares (24,3 bilhões de reais) no ano passado. Com a compra, a divisão de carne bovina da Marfrig deve passar de 10 bilhões de reais para 34 bilhões de reais. “A aquisição tem dois pilares muito importantes: o relacionamento que a National tem com seus fornecedores e o acesso ao mercado americano e japonês”, afirma Martin Arias, presidente da Marfrig. Na lista de principais mercados de exportação, a americana tem países como Japão e Coréia do Sul, onde a Marfrig não tem atuação.
A aquisição deu à Marfrig o título de “segunda maior processadora de carne bovina do mundo” (a primeira é a JBS), frase destacada nos painéis na sala de coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira pela companhia. Com a compra da National Beef a Marfrig aumentará seu endividamento de 8 bilhões para 11,8 bilhões de reais. A dívida mais alta, no entanto, será compensada pela geração de caixa (medida pelo Ebitda), que deve dobrar, saindo de 1,70 bilhão de reais para 3,45 bilhões de reais. Com isso, a alavancagem (relação entre dívida e geração de caixa) diminuiria de 4,55 para 3,35 vezes.
A compra agradou investidores. As ações da companhia subiram 18,8% nesta segunda, garantindo um ganho de mais de 726 milhões de reais em seu valor de mercado. Trata-se da primeira grande aquisição da Marfrig desde 2010. Mas os investidores não estão empolgados apenas com a compra, mas também com a venda, que mostra que a companhia pode, finalmente, ter aprendido uma lição importante: a de que um crescimento desenfreado pode levar a empresa para o buraco.
A compra da Keystone em 2010, de 1,26 bilhão de dólares, marcou o auge da Marfrig, que adquiriu mais de 40 empresas entre 2006 e 2010. As compras envolveram não só a área bovina como também carne de perus, frangos, suínos e até mesmo o controle de uma empresa especializada em couros para indústrias automobilísticas e de aviação. O objetivo era tornar a Marfrig uma empresa global. Ele foi atingido, mas o custo foi alto demais. O crescimento foi financiado pela emissão de dívidas que fizeram a alavancagem chegar a 6,3 vezes a geração de caixa no início de 2015 e a companhia nunca mais voltou ao saudável patamar de 2,6 vezes que tinha em 2009.
A venda da Keystone é um marco da estratégia que a companhia teve que adotar nos últimos anos para reduzir seu endividamento. Outras operações que a companhia teve que se desfazer incluem a venda da irlandesa Moy Park e da Seara para a concorrente JBS, a venda de ativos argentinos e o controle da empresa de couros. Para vender a Keystone, a Marfrig já contratou os bancos JP Morgan e Rabobank e espera que a aquisição saia ainda no primeiro semestre do ano. Com a venda, a Marfrig espera reduzir o endividamento para 2,5 vezes sua geração de caixa — patamar prometido há tempos para os investidores. O compromisso agora é manter esse patamar. Investidores esperam que a empresa tenha aprendido a lição.