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A magia de Warren Buffett ainda faz efeito?

O mais recente comunicado aos acionistas do megainvestidor levou a duas reações: que ele “já era”, ou que “está melhor do que nunca”. E as duas estão certas

Buffett aprecia um sorvete durante o encontro anual da Berkshire. (Rick Wilking/ Reuters/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 30 de março de 2018 às 06h58.

Última atualização em 30 de março de 2018 às 10h52.

Até o começo da última semana de março, a GE tinha o pior desempenho desde o final de 2016 entre todas as ações que compõem o índice Dow Jones Industrial Average , da Bolsa de Nova York, acumulando perdas de 168 bilhões de dólares em valor de mercado.

E então, sem mais, as ações subiram 6,4%, o maior avanço em um único dia desde outubro de 2015. Não, não houve troca de executivo-chefe, nem anúncio de uma nova estratégia, nem uma apresentação de resultados acima do esperado. Tudo o que bastou para essa pequena recuperação foi o rumor de que Warren Buffett iria comprar ações da GE.

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O rumor não era infundado. Buffett já foi investidor da empresa – comprou a bagatela de 3 bilhões de dólares em ações quando a GE foi atingida pela crise de 2008 e se considerava que ela podia ruir (a GE Capital, sua divisão financeira, estava envolvida até o pescoço com a venda de subprimes). Em fevereiro, ele afirmou que sua firma de investimentos, a Berkshire Hathaway, já tinha se desfeito das ações da GE. Mas não descartou uma nova compra, “pelo preço certo”.

Comprar na baixa, vender na alta. Não existe truque mais óbvio; nem mais difícil. Não é à toa que Buffett é chamado de oráculo de Omaha (a cidade sede da Berkshire).

Claro, um oráculo só é um oráculo enquanto os fiéis acreditarem em suas mensagens. Não poucas vezes se disse que Buffett tinha perdido essa magia. Só que não.

Em seu comunicado aos acionistas do final de fevereiro, Buffett disse que comprou “mais ações da Apple do que qualquer outra coisa”. O resultado: as ações atingiram um recorde de 180 dólares.

Nem foi a primeira vez. Em maio de 2016, quando Buffett anunciou que havia investido 1 bilhão de dólares na Apple, seu valor de mercado subiu 19 bilhões. Ponha aí no seu plano de negócios: convencer Buffett a comprar (e divulgar que comprou) ações da sua empresa.

Esta é uma das maiores razões por que o comunicado anual de Buffett aos acionistas é tão esperado. E isso explica, também, por que este ano ele provocou duas reações opostas: embevecimento e críticas.

Um presente de Trump

É difícil não ficar boquiaberto com um fundo tão consistentemente acima da média como o Berkshire. De acordo com o comunicado de Buffett, ele se valorizou 23% em 2017.

Buffett parece ter o destino de ganhar dinheiro até quando vencem as teses contrárias às suas. Ele apoiou com firmeza Hillary Clinton nas eleições americanas – mas as reformas fiscais promovidas pelo governo Donald Trump (um alívio nos impostos principalmente para as grandes empresas) valeram à Berkshire um aumento de capital de 29 bilhões de dólares.

Para os críticos, o problema está justamente aí. Esse “presente” de Trump representou 45% do resultado positivo da Berkshire no ano passado, e pode esconder alguns problemas.

Isso sem falar que, se Trump dá, Trump também pode tirar. A proposta do presidente de taxar os produtos importados da China levou a uma queda no mercado financeiro (por temor de inflação ou, pior, de uma guerra comercial). Um dos grupos mais afetados foi justamente o Berkshire Hathaway, um conglomerado de 60 companhias que inclui várias empresas dos setores industrial e manufatureiro, que estão entre os mais afetados pelo temor de guerra comercial.

Com isso, a fortuna de Buffett caiu 6,2 bilhões de dólares, segundo a estimativa da revista Forbes, que acompanha as oscilações das grandes riquezas diariamente.

É possível que Trump estivesse mais presente nos pensamentos de Buffett, ao proferir seu comunicado, do que ele gostaria de admitir. Como assinalou a revista Bloomberg Business Week, Buffett usou 11 vezes a palavra “huge” (enorme), uma marca registrada do presidente.

E o contexto em que ele usou essa palavra tanto deu munição aos críticos como atiçou investidores ávidos por entrar no barco de Buffett: ele disse que a Berkshire precisa fazer uma aquisição enorme este ano.

“A meta da Berkshire é aumentar substancialmente os lucros do grupo fora da seguradora. Para que isso aconteça, nós vamos ter que fazer uma ou mais aquisições enormes. Nós certamente temos os recursos para fazer isso”, disse.

Para os fãs ardorosos, a grande pergunta é: qual aquisição? Fora a compra de ações da GE, a maior especulação atual é uma companhia aérea.

Possivelmente, segundo um analista citado pelo Wall Street Journal, a Southwest Airlines, dado que Buffett notoriamente gosta de empresa com sólido fluxo de caixa, vantagens competitivas sólidas e ótimas equipes no comando. Uma outra hipótese seria a Delta.

Curiosamente, Buffett foi durante muitos anos um crítico contumaz da indústria aérea. “Você tem custos fixos enormes, sindicatos fortes e um preço comoditizado”, dizia. “Não é uma grande receita de sucesso.”

De um ano para cá, porém, a Berkshire passou a investir nas aéreas. Em várias delas: American, Delta, Southwest, United Continental. O que explica essa mudança é a consolidação do setor, que reduziu a guerra de preços e permite prever boa lucratividade pelos próximos anos.

Dinheiro demais, o analista desconfia

A aquisição “enorme” de alguma empresa só é possível porque a Berkshire está com uma quantia extraordinária em caixa (ou em títulos do governo americano): 116 bilhões de dólares. Não chega a ser uma raridade: várias companhias americanas estão com caixas polpudos. A peculiaridade da Berkshire é que seu dinheiro está mais disponível (não aplicado em paraísos fiscais).

Mas ter tanto dinheiro assim é um dos sinais de que Buffett não cumpriu seu mandato tão bem quanto ele próprio esperava. Buffett precisa de aquisições – e aquisições bem-sucedidas – para garantir retornos substanciais aos seus acionistas.

A lógica é simples: se uma empresa tem planos de investimento cujas projeções são de lucro maior do que seria possível obter em aplicações de baixo risco, faz sentido que ela fique com o dinheiro dos acionistas. Se não enxerga essas oportunidades, o melhor que tem a fazer é devolver o dinheiro (ou parte dele) aos acionistas, na forma de dividendos.

Desde 1965, quando Buffett tomou conta da Berkshire, a companhia só pagou dividendos aos acionistas uma vez, em 1967. Em todos os outros 51 anos, Buffett considerou que poderia investir os lucros da Berkshire melhor do que seus acionistas o fariam com o dinheiro nas mãos.

E na maioria das vezes ele esteve certo. Exuberantemente certo.

Mas esse dinheiro todo em caixa depõe contra ele. Aliás, o caixa só é tão polpudo porque duas aquisições que Buffett tentou fazer em 2017 fracassaram: a compra da Unilever pela Kraft Heinz (da qual a Berkshire é acionista, junto com o fundo 3G, do brasileiro Jorge Paulo Lemman e associados); e a compra da Oncor, uma empresa de energia elétrica do Texas.

Isso não chegou a ser um problema porque a desoneração de Trump deu um empurrão aos resultados da Berkshire, e principalmente porque a divisão de seguros sustenta os lucros lá em cima.

Cauteloso que é, no entanto, Buffett considera que a chance de uma catástrofe arrebatadora, que implicaria no pagamento de seguros astronômicos, vem crescendo – porque as construções são mais caras, e há mais delas. É por isso que ele gostaria de um lucro mais robusto da outra parte da companhia.

Esse pequeno deslize de um ano, que foi amplamente compensado por outros fatores, é suficiente para dizer que Buffett não é mais capaz de entregar resultados de cair o queixo?

Não, claro que não. O que faz muitos analistas dizerem que Buffett não é mais o mesmo é justamente o seu sucesso, tão assombroso que é matematicamente impossível de ser mantido.

Como aponta o jornalista financeiro Matthew Frankel, da consultoria de serviços financeiros Motley Fool, se a Berkshire crescesse nos próximos 50 anos no mesmo ritmo que cresceu nos últimos 50, seu valor atingiria 7,4 quatrilhões de dólares, cerca de 30 vezes mais do que a riqueza conjunta de todos os habitantes do planeta.

A dificuldade de vencer o mercado

Crescer à mesma taxa, como se vê, é uma impossibilidade. Um retorno que teria dobrado o valor da Berkshire em 1980, quando ela valia 420 milhões de dólares, acrescentaria, hoje, menos de 0,1% ao seu valor (na casa dos 516 bilhões, com “b”, de dólares).

Bater o mercado também está ficando mais difícil. A Berkshire já tem ações de mais de uma centena de companhias. Achar as próximas 100 que sejam negócios tão atraentes é mais complicado.

Buffett, aliás, é o primeiro a dizer que a melhor opção para um investidor é aplicar em fundos de índice – que acompanham o mercado como um todo – e não têm taxas de administração. A não ser, é claro, que você seja Warren Buffett.

Para dar uma ideia de quanto Buffett é um investidor fora da curva, o colunista Nir Kaissar, da Bloomberg, faz algumas comparações justamente com o investimento em índices. Em mais de 50 anos, a Berkshire deu um retorno anual médio de 20,9%. São 9 pontos percentuais acima da fórmula dos professores Eugene Fama e Kenneth French, que propõem investir nas 30% mais lucrativas entre as grandes empresas, ou nas 30% que tenham as ações mais baratas.

“Boa sorte para encontrar outro escolhedor de ações como Buffett”, diz Kaissar. Entre os 1.195 melhores fundos de alta capitalização dos Estados Unidos, 358 bateram um dos métodos de Fama e French; e por margens muito menores, de menos de 1%. E isso é no grupo dos melhores. Em duas décadas, inúmeros fundos fecharam as portas.

Estudos como esse sustentam uma corrente de economistas e psicólogos na afirmação de que bater o mercado é comparável à sorte. No ano passado, Buffett comparou os gestores de fundos ativos (que escolhem as ações, em vez de aplicar setorialmente, ou em índices previamente estabelecidos) a macacos, que “custaram a seus clientes 100 bilhões de dólares em taxas perdidas nos últimos dez anos em sua vã tentativa de bater o mercado”.

Claro, se o “macaco” vem de um zoológico particular, situado em Omaha, a situação é diferente, como bem mostra a anedota que Buffett contou este ano: há uma década, ele fez uma aposta de 1 milhão de dólares com o Protégé Partners, uma firma de investimentos, que um fundo que acompanha o resultado do índice S&P 500 daria um retorno melhor do que uma cesta de hedge funds no período de dez anos.

O prazo chegou ao fim em 2017, e Buffett ganhou a aposta. O dinheiro foi para a Girls Inc. of Omaha, uma instituição de apoio à formação de garotas. Mas elas não receberam 1 milhão de dólares; ganharam 2,22 milhões.

Por quê? A princípio, Buffett e a Protégé aplicaram 318.250 dólares cada um em títulos do Tesouro americano, que ao final de dez anos valeriam 1 milhão de dólares. Mas, decorridos cinco anos, Buffett propôs que eles resgatassem o dinheiro e o aplicassem em ações da Berkshire.

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