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A cartada da Vale para superar sua maior rival no mercado chinês

A mineradora brasileira está preparando terreno para voltar a ser a maior do mundo, após o desastre de Brumadinho

Embarcação da Vale: nova estratégia (Alessandro Albert/ Agência Vale/Divulgação)

Embarcação da Vale: nova estratégia (Alessandro Albert/ Agência Vale/Divulgação)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 14h57.

Última atualização em 14 de outubro de 2020 às 21h42.

A Vale acaba de anunciar uma joint venture para ampliar sua capacidade de estocagem no Porto de Ningbo Zhoushan, na China, considerado um dos maiores do mundo. Além de elevar seu poder de fogo no maior mercado consumidor de minério globalmente, a mineradora dá uma grande cartada para superar sua principal rival, a anglo-australiana Rio Tinto.

Desde o início do desenvolvimento do projeto S11D, em Carajás, a Vale vem ganhando competitividade global não só com o enorme volume retirado de suas minas mas também com a qualidade de seu produto, que tem teor acima da média de mercado (de 62% de ferro contido). O minério de Carajás pode chegar a 65%, uma variação substancial neste mercado.

No entanto, essa não é uma combinação que só a mineradora brasileira tem. A Rio Tinto também consegue extrair (muito) minério de ferro com teor acima de 62% em suas minas na região de Pilbara, na Austrália. O trunfo adicional da companhia australiana é estar bem mais próxima do maior mercado consumidor do mundo, o que lhe confere ainda mais competitividade, uma vez que frete é um custo importante no negócio de commodities.

Ainda assim, a Vale vinha conseguindo competir de igual para igual com a Rio Tinto. Mas depois do desastre de Brumadinho, uma parte da produção da brasileira ficou comprometida, o que novamente trouxe vantagem para a australiana.

Agora, com o investimento na China, a Vale espera retomar a vantagem do mercado global. O projeto chamado de West III consiste na expansão das instalações do Porto de Shulanghu, desenvolvendo um pátio de estocagem e berços de carregamento com capacidade adicional de 20 milhões de toneladas de minério. Com isso, a Vale garantirá uma capacidade portuária total de 40 milhões de toneladas em Shulanghu.

Há alguns anos, a Vale construiu supernavios com capacidade de 400.000 toneladas de minério, batizados de Valemax, justamente para ganhar competitividade frente às rivais Rio Tinto e BHP Billiton. No entanto, segundo pessoas próximas à Vale, estas embarcações enfrentaram resistência dos armadores chineses, que não queriam perder poder de barganha nas negociações.

Com isso, a mineradora brasileira investiu quantias vultosas para construir um grande centro de distribuição na Malásia, onde os Valemax podiam atracar e, posteriormente, a companhia redistribuiria o minério na Ásia.

Com o passar do tempo, a Vale entendeu que seu negócio não era o de transporte e decidiu vender os Valemax com contrato de arrendamento. Ainda assim, nem todos os portos podem recebê-los devido ao seu tamanho. Agora, com a joint venture, a Vale volta a ter um trunfo nas mãos (sujeito a aprovações regulatórias).

A Vale terá 50% da joint venture e sua contribuição para o projeto deve variar entre 109 milhões e 156 milhões de dólares. "O preço do minério de ferro não cede e a companhia está com a dívida muito controlada, poderia até comprar mais ativos se quiser", afirma Pedro Galdi, analista da Mirae Asset. Nas últimas semanas, a cotação tem variado entre 115 e 128 dólares.

A execução do projeto deve durar até três anos e, segundo a Vale, terá início após ambas as partes obterem as aprovações antitruste e outras permissões regulatórias na China. "O projeto garantirá capacidade portuária estratégica para a Vale na China, uma vez que o Porto de Shulanghu permite a atracação de navios Valemax e a otimização dos custos de transporte e distribuição", disse a mineradora em nota.

Blend

Há pouco mais de três anos, a China passou a pressionar as empresas locais a reduzir os níveis de emissões e, no caso das siderúrgicas, uma das apostas para cumprir as metas era usar minério de teor mais elevado de ferro. Com isso, os prêmios obtidos pela Vale e pela Rio Tinto chegaram a superar 10 dólares por tonelada — quando os preços figuravam na casa dos 50 a 60 dólares.

Com o tempo, o mercado registrou uma ligeira queda do consumo, ao mesmo tempo que as principais mineradoras globais — Vale, Rio Tinto, BHP e Fortescue — elevavam sua capacidade de produção. O resultado foi a queda dos preços e da demanda por minério mais caro, reduzindo os prêmios para o minério 65% e 67%.

A estratégia das majors foi vender um "blend" de minério de menor teor com o de maior teor, otimizando custos e maximizando os ganhos. De um lado, a Vale criou o Brazilian Blend Fines (BRBF), resultado da mistura de Carajás com o produto dos Sistemas Sul e Sudeste. Do outro lado, a Rio Tinto criou o "Pilbara Blend".

Com esses novos produtos, as empresas podem optar por vender o minério de teor mais alto quando demandado e, quando o mercado estiver menos aquecido, escoar o blend.

E o que isso tem a ver com o projeto West III? Segundo a Vale, o BRBF é produzido no terminal marítimo de Teluk Rubiah, na Malásia, e em 17 portos da China, incluindo o de Shulanghu. "Esse processo reduz o tempo necessário para atendimento dos mercados asiáticos e aumenta nossa capilaridade de distribuição ao permitir o uso de embarcações menores", disse a Vale em comunicado.

Vale a pena?

Antes do desastre de Brumadinho, a Vale projetava atingir 400 milhões de toneladas de produção de minério de ferro, plano que foi deixado de lado temporariamente. Agora, a companhia está preparando terreno para voltar a liderar o mercado global.

No entanto, os desastres de Brumadinho e Mariana, ambos em Minas Gerais, colocaram um grande obstáculo no caminho da Vale. "O projeto no porto da China certamente ajudará nos volumes de vendas da companhia, mas o principal fator que explica o tamanho do desconto no valuation da Vale em relação a Rio Tinto e BHP é justamente o passivo ambiental", afirma Bruno Lima, analista de renda variável da EXAME Research.

Segundo o especialista, as métricas de sustentabilidade, impacto social e governança (ESG, na sigla em inglês) têm sido muito mais importantes no momento de o investidor decidir entre Vale, Rio Tinto e BHP.

"Se superada a agenda do ESG, com retomada do pagamento de dividendos, a Vale poderá voltar a brigar com os principais líderes globais." 

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