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A Amazon e o futuro das quitandas

David Cohen Depois do estrondoso sucesso do Pokémon Go, vem aí o Amazon Go. Só que, enquanto o jogo da Nintendo incentiva as pessoas a ir para qualquer lugar em busca dos bichinhos imaginários, o programa da Amazon vai incentivar as pessoas a buscar produtos dentro das quitandas que a rede de varejo vai abrir […]

LOJA DA AMAZON GO: a meta é revolucionar o varejo físico, começando por eliminar os caixas / Jason Redmond/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 15 de dezembro de 2016 às 11h43.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h52.

David Cohen

Depois do estrondoso sucesso do Pokémon Go, vem aí o Amazon Go. Só que, enquanto o jogo da Nintendo incentiva as pessoas a ir para qualquer lugar em busca dos bichinhos imaginários, o programa da Amazon vai incentivar as pessoas a buscar produtos dentro das quitandas que a rede de varejo vai abrir no início do ano que vem.

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Uma delas já está funcionando desde o dia 5 de dezembro, em fase de testes, apenas para os funcionários da Amazon em sua sede, em Seattle. A grande novidade – uma possível revolução no modo como as pessoas fazem compras – é a ausência de caixas. E, portanto, a ausência de filas.

As pessoas entram na loja, pegam os produtos que quiserem e vão embora. Sensores registram os artigos tirados das gôndolas e cobram o valor equivalente da conta do usuário na Amazon. Se o cliente mudar de ideia, devolve o produto à prateleira e o valor é descontado de sua compra.

A companhia não explicou como o sistema funciona. Apenas fez referência a alguns termos da moda, como visão automática, sensores e máquinas que aprendem. Aparentemente, há sensores por toda a loja e programas de inteligência artificial identificam para onde as pessoas estão olhando. A partir daí, começam os mistérios.

Há muito tempo já existem sistemas mais ou menos automatizados de compra. É relativamente fácil detectar a retirada de um produto do lugar, e as etiquetas eletrônicas (RFID) possibilitam o pagamento automático. O que a Amazon parece ter resolvido é o modo de vincular o produto retirado à pessoa que o pegou. Esta é uma potencial revolução que certamente não ficará restrita às delicatessens.

O Wall Street Journal afirmou, citando “fontes ligadas à companhia”, que havia planos de abrir 2.000 quitandas nos Estados Unidos e testar o sistema em lojas grandes, de vários produtos. A Amazon negou. Diz que há intenção de abrir outras lojas, mas está ainda na fase de testar o mercado, sem nenhum planejamento definido.

Antes de pensar em qualquer expansão, há vários problemas a resolver. “O ato de comprar é complicado”, disse Arun Nair, diretor de tecnologia e co-fundador da consultoria de varejo RetailNext. O cliente pode colocar o produto de volta na prateleira errada; alguns produtos, como vegetais e frutas, são vendidos por peso; famílias ou grupos de amigos podem ter vários carrinhos que vão para uma única conta ou, ao contrário, um carrinho em que a conta deve ser dividida.

São obstáculos difíceis, mas a Amazon já tem grande experiência de automação em suas operações – como o sistema de estocagem e retirada dos produtos feita por robôs, e o programa de inteligência artificial Alexa, um assistente que atende comando por voz. “Os blocos de tecnologia necessários estão aí”, diz Nair.

Como primeiro passo, a empresa abriu uma loja de apenas 170 metros quadrados, abastecida com produtos que ela sabe identificar muito bem: artigos industrializados como pão e leite, queijos e chocolates artesanais embalados na loja e refeições prontas.

O que a Amazon quer morder

Por enquanto, o Amazon Go é apenas uma cerejinha no enorme bolo das vendas em quitandas – um mercado de cerca de 800 bilhões de dólares nos Estados Unidos. Mas não há a menor dúvida de que a companhia está avançando paulatinamente neste mercado. Em 2013, a Amazon lançou o serviço AmazonFresh, de entrega de produtos frescos, que vem se expandindo aos poucos.

Se quer crescer – e a Amazon parece ter um apetite insaciável – a empresa precisa entrar no mundo físico. A venda de comidas online é irrelevante, hoje: pouco mais de 1% do mercado nos Estados Unidos.

A estratégia da Amazon para abocanhar parte deste mercado começou com a venda online de produtos não perecíveis, que os consumidores consideram básicos: detergentes, toalhas de papel, café etc. Mas a margem de lucro nesses produtos é pequena, e a entrega para os consumidores não é barata.

Então veio o segundo passo: o investimento em marcas próprias. A Amazon tem hoje 94% da venda de baterias online, à frente de marcas estabelecidas como Duracell e Panasonic. “E agora a empresa está querendo capturar os 50% de gastos básicos que são mais difíceis de migrar para as vendas online”, diz Karen Webster, presidente da Market Platform Dynamics, uma consultoria de finanças e tecnologia.

Uma loja pequena, sem filas, é o mais próximo que o mundo físico pode oferecer da comodidade de comprar pelo computador ou pelo celular. E tem a vantagem de ser uma porta de entrada para o consumo de alimentos, cerca de 15% do total de gastos dos americanos, e com margem de lucro maior.

Uma tendência inexorável

O mercado dos supermercados e quitandas é suficientemente grande para justificar a iniciativa da Amazon. Mas a aposta é ainda maior.

“A Amazon não está simplesmente planejando construir quitandas”, diz JP Mark, um dos fundadores da Farmhouse Equity Research, empresa de pesquisas de consumo. “O que ela está fazendo é tentar estabelecer uma experiência de consumo no varejo sem atritos. Essa tecnologia tornará suas lojas escaláveis de uma forma que nenhuma outra empresa de varejo pode igualar.”

Se as quitandas derem certo, nada impedirá a Amazon de passar para os mundos das farmácias, pet shops ou artigos de escritório. Mas também é possível que a Amazon simplesmente licencie seu sistema para outros varejistas. Trata-se, basicamente, de inventar uma nova forma de comprar, em que os mundos físico e online se misturam.

A Amazon não está sozinha nesta tendência. Há poucas semanas, o McDonald’s anunciou que vai trocar alguns caixas por quiosques de auto-atendimento. Em São Francisco, o restaurante Eatsa, aberto em agosto do ano passado, já não tem filas nem caixas: você faz o pedido pelo tablet e ele é entregue numa caixa (o restaurante só serve pratos à base de quinoa).

Há mais de um ano, o Starbucks inaugurou o programa de pedidos antecipados, pelo smartphone. Esses pedidos já representam 6% do total. Nas horas de pico, 20%. Alguns mercados, como o Kroger’s, têm testado tecnologias para apressar a passagem pelo caixa, como leitores de etiquetas eletrônicas capazes de escanear o produto em qualquer posição.

Também já estão sendo testados carrinhos de mercado inteligentes, que vêm com um tablet e são capazes de perceber em que parte da loja estão, para apresentar ofertas ou sugerir receitas com produtos que estão perto do cliente.

Nos Estados Unidos e na Europa, vários mercados já oferecem caixas em que o próprio cliente faz o checkout (ele escaneia, empacota e depois paga por seus produtos).

Além dos varejistas tradicionais, uma turma de companhias novas, como a RetailNext, Euclid e Nomi, entre outras, desenvolvem sistemas para identificar e entender os clientes. Os sistemas que agregam data sobre como os consumidores se comportam nas lojas podem ajudá-las a perceber tendências, arranjar melhor os produtos, até mesmo encontrar novas formas de receita – como a publicidade dirigida exatamente no momento em que você está passando pelo produto.

Parece uma tendência inexorável. E a Amazon saiu na frente. “A Amazon quer promover uma ruptura e acabar com ineficiências do varejo, qualquer que seja o formato”, disse Neil Campling, um analista financeiro, ao jornal The Guardian. O melhor lugar para começar são as filas dos caixas, “a parte mais ineficiente da experiência de compra”, segundo Neil Saunders, diretor da consultoria de varejo Conlumino.

E os empregos?

Esse caminho para o comércio do futuro tem, no entanto, alguns percalços. O primeiro deles é a quantidade de empregos que poderão ser eliminados. Os mercados americanos empregam quase 900.000 pessoas, a maioria em caixas. Nas lojas em geral, são 3,5 milhões de pessoas, mais de 2% da força de trabalho americana.

É um emprego que paga pouco – e é geralmente uma oportunidade para estudantes entrando no mercado de trabalho e para imigrantes. (É curioso que a iniciativa da Amazon seja um ponto em comum para Bezos e o presidente eleito, Donald Trump, que trocaram farpas durante a campanha eleitoral: ambos colocam medo nos imigrantes).

A Amazon Go segue uma série de outras medidas da Amazon em prol da mecanização: robôs em seus centros de distribuição, o plano de promover entregas de encomendas por drones… e no futuro, quem sabe, a substituição de motoristas por caminhões guiados por sistemas automáticos.

Já em 2012 a revista PC World revelou que a Amazon tinha programas de treinamento de seus funcionários não especializados para novas profissões, incluindo algumas não ligadas à companhia, como enfermagem.

Uma experiência de comércio “sem atritos” pode enfraquecer os movimentos que pressionam pelo aumento do salário mínimo, para 15 dólares por hora – máquinas não pedem aumento.

Claro, esta é a velha discussão sobre a tecnologia provocando desemprego. Historicamente, os empregos ruins é que vão sendo tomados pelas máquinas e, no processo, criam-se oportunidades melhores. Há sempre os que dizem “desta vez vai ser diferente”, e o ritmo das mudanças hoje lhes dá alguma razão, especialmente porque as máquinas agora avançam também sobre as ocupações intelectuais. Há quem preveja que mais da metade dos empregos de hoje não existam daqui a alguns anos.

Um programa concorrente

Outro percalço no caminho do “comércio sem atrito” são os usuários. Um estudo conduzido por dois pesquisadores da Universidade de Leicester, na Inglaterra, concluiu que os caixas de auto-atendimento, já utilizados por várias cadeias de varejo, geram perdas “significativamente altas”, da ordem de 4%, segundo uma reportagem do New York Times.

De acordo com o estudo, “compradores que normalmente são bons pagadores são tentados a cometer crimes, especialmente quando se sentem ‘no direito de fazer isso’, seja por achar os preços caros ou por qualquer outro motivo”.

Mesmo quando são pegos por câmeras de vigilância, é difícil provar que houve intenção de roubar. Os clientes podem dizer que esqueceram de passar metade dos produtos pelo escaneador, ou se confundiram com o peso. Este é o principal motivo por que não há caixas de auto-atendimento nas redes de varejo no Brasil. O temor das perdas com roubos é maior do que a expectativa de economia, mesmo com os recentes aumentos de salário mínimo (e nos custos dos empregados).

A Amazon sempre diz que planeja lançar seus produtos em todos os países em que atua – ela acabou de lançar aqui seu serviço de streaming. Mas o Amazon Go não deve aparecer por aqui tão cedo.

Aliás, é pouco provável que o serviço se espalhe rapidamente para lojas maiores. A melhor explicação vem de uma paródia do Amazon Go, lançada por um canal de comediantes do YouTube, Rooster Teeth. Trata-se do Anything Goes (qualquer coisa vale). “Ao contrário do Amazon Go, que usa algoritmos de aprendizado das máquinas, fusão de sensores e outras tecnobaboseiras para vigiar todos os seus movimentos, com o nosso sistema vocês não precisa nem usar um app no seu smartphone”, diz a peça. “Basta evitar as câmeras de segurança e começar a pegar o que você quiser.”

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