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Turquia celebra seus 90 anos dividida

Turquia celebra nesta semana seus 90 anos como Estado moderno e laico


	Bandeira da Turquia: desejo do primeiro-ministro turco de modernizar o país é para muitos sinal de que pretende se comparar ao fundador da República
 (Burak Kara/Getty Images)

Bandeira da Turquia: desejo do primeiro-ministro turco de modernizar o país é para muitos sinal de que pretende se comparar ao fundador da República (Burak Kara/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 29 de outubro de 2013 às 10h06.

Ancara - Um túnel sob o Estreito de Bósforo, a primeira comunicação direta por ferrovia entre Europa e Ásia, é a "obra magna" com a qual a Turquia celebra nesta semana seus 90 anos como Estado moderno e laico, um ato ligado diretamente com as primeiras décadas da república.

O desejo do primeiro-ministro turco, Recep Tayyp Erdogan, de modernizar o país por meio de grandes projetos de infraestruturas é para muitos sinal de que pretende se comparar ao fundador da República, Mustafa Kemal Atatürk, algo que nenhum outro político turco se atreveu a tentar até hoje.

"Superamos o recorde da história da República: em 79 anos tinham sido construídos 6.100 quilômetros de estradas de via dupla, e nos últimos 11 anos construímos 17.000 quilômetros", assegura Erdogan, no poder desde 2002.

O presidente chegou a ridicularizar um dos hinos do início da República, ao afirmar que quem "tricotou um país novo com uma rede de ferrovias" não foram os kemalistas, mas seu próprio partido, o moderado islâmico Justiça e Desenvolvimento (AKP).

São frases como estas que enfurecem a oposição secular, que acusa Erdogan de querer diminuir a figura do idolatrado fundador da República e deslocá-lo do pedestal para colocar ele mesmo.

Mustafa Kemal (1881-1938), chamado a partir de 1934 de Atatürk (pai dos turcos), foi o primeiro presidente da Turquia após a desintegração do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial.

Erdogan nunca se comparou com ele abertamente, algo que equivaleria a um sacrilégio na Turquia, nem o criticou (o que seria um delito penal) e normalmente procura suas referências na história otomana, anterior à fundação do Estado moderno.

Há três anos, seguidores do AKP penduraram em Mersin, no sul da Turquia, um enorme cartaz que qualificava Erdogan como "o herói do povo, o segundo Atatürk, embora a própria comitiva do primeiro-ministro tenha se encarregado de retirá-lo.

Uma pesquisa feita no ano passado pelo AKP revela que 21,6% dos jovens admiram Erdogan, enquanto apenas 4,1% se pronunciam a favor de Atatürk.


Um número "pouco provável" e "absurdo", afirmou Rasit Kaya, professor catedrático de Ciências Políticas na Universidade Técnica do Oriente Médio em Ancara.

"Longe de ter algo em comum, os dez anos do governo de Erdogan e seu ideário representam precisamente a reação contra os passos progressistas, a favor de uma nova sociedade, que Atatürk deu ao fundar a república em 1923", destacou Kaya.

"Não há similaridades, há contradições entre os papéis de ambos", afirmou o professor em declarações à Agência Efe em Ancara.

Os protestos no parque Gezi, que eclodiram em maio como defesa de um espaço verde em Istambul e que voltou a atenção de todo país para a praça, também ressaltaram a incompatibilidade destas duas visões do mundo.

O símbolo principal dos manifestantes era a bandeira turca, às vezes decorada com o retrato de Atatürk, com a qual expressavam seu respaldo ao projeto político clássico da Turquia: uma república estritamente laica, com valores baseados no conceito de nação turca e na igualdade entre mulheres e homens.

Conceitos muito distintos da visão de Erdogan, que respalda o movimento da Irmandade Muçulmana no Egito e Síria, e qualificava como "nossas mesquitas" os templos de Damasco e Cairo.

Erdogan declarou mais de uma vez sua vontade de utilizar o Islã como aglutinador político não só para a Turquia, mas também para conquistar alianças em todo o Oriente Médio.

Sua vontade de se tornar defensor internacional do Islã resgata a figura dos sultões otomanos, mas se choca com a visão de Atatürk, que depôs o último sultão e eliminou a religião da Constituição da Turquia.

Grande parte dos jovens que protestavam em Gezi temem precisamente que o desejo por islamizar o país, que Erdogan mostra abertamente há anos, jogue fora os 90 anos de esforços para manter separados a política e a religião.

Diante disto, Erdogan não seria o segundo Atatürk, mas sua antítese histórica, capaz de pôr fim a uma era iniciada em 1923, concluiu o catedrático Rasit Kaya.

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