Tabuletas milenares com os primeiros símbolos da escrita são roubadas por traficantes de antiguidades durante pandemia do coronavírus (Mario Tama/Getty Images)
Carla Aranha
Publicado em 21 de julho de 2020 às 12h27.
Em Israel, o alerta já foi disparado. Com o aumento do número de casos de coronavírus, a fiscalização de sítios arqueológicos que guardam a história da humanidade acabou diminuindo. Com menos funcionários para vigiar os tesouros encontrados nas escavações, os arqueólogos têm relatado um preocupante aumento no tráfico de relíquias históricas, muitas delas de lugares importantes citados na Bíblia, que movimenta milhões de dólares por ano.
Segundo a ONG israelense Guardiões do Eterno, dedicada a proteger e compartilhar dados sobre a arqueologia e as descobertas em locais relatados pela Bíblia e na Torá, o livro sagrado dos judeus, cerca de cem sítios arqueológicos na província da Judeia, onde reinaram Davi e Salomão, e Samaria, terra dos samaritanos, foram saqueados desde o início da pandemia.
Os artefatos, que vão de moedas da época do Império Romano a estatuetas e representações artísticas que ajudam a entender o passado da região, são enviados ilegalmente para outros países e, não raro, são colocados à venda na internet -- uma parte das relíquias também segue diretamente para as mãos de compradores que não se importam com a origem das peças.
O problema não é exclusivo de Israel, em que uma segunda onda do coronavírus deve segurar a volta à normalidade. Já são mais de 50.000 casos da covid-19 contabilizados.
Em outros lugares que também exerceram um papel essencial para a formação da civilização ocidental, como a antiga Mesopotâmia (atual Iraque), onde há cerca de 6.000 anos foi inventada a escrita, o tráfico de artefatos arqueológicos também vem crescendo, embora não haja informações oficiais a respeito.
Tabuletas com inscrições cuneiformes, que deram origem ao primeiro alfabeto, são pilhadas por indivíduos e milícias. Cerâmicas e estatuetas de milhares de anos atrás também somem.
Nas áreas devastadas pelo Estado Islâmico, que controlou boa parte do país entre 2014 e 2017, a situação é ainda pior. "Os terroristas ganhavam muito dinheiro escavando túneis em locais que sabiam que iam encontrar peças extremamente valiosas, de milhares de anos atrás", diz o geólogo Aws Jaboori. "Foram traficados até grandes paineis encontrados em um palácio subterrâneo de 3.000 anos atrás".
Mandados para fora do país ilegalmente, esses tesouros são vendidos no mercado negro das relíquias arqueológicas. “Com poucos recursos e agora com o coronavírus, que reduziu os trabalhos de escavação e fiscalização, a situação piorou”, diz o arqueólogo iraquiano Aqeel Almansrawe. “Vamos pedir às comunidades locais a apoiar os arqueólogos na proteção desses locais”.
As terras férteis e irrigadas do Iraque de mais de 6.000 anos atrás facilitaram o desenvolvimento da agricultura e dos primeiros assentos humanos. O primeiro império de que se tem notícia, o Império Assírio, também nasceu na região. As cidades, templos e bibliotecas dos imperadores foram enterradas pelo tempo e pelas areias do deserto – e são objeto das escavações.
A antiga cidade da Babilônia, mencionada na Bíblia, ainda existe e é habitada. Com mais de 200.000 habitantes, é considerada um dos principais patrimônios históricos da humanidade. “Preservar esse tesouro deveria ser uma prioridade, mesmo em épocas de turbulências como as que estamos vivendo agora”, diz Almansrawe.