Mundo

Suprema Corte da Venezuela confirma inabilitação da líder da oposição María Corina Machado

Medida reduz as chances de mudança no Palácio de Miraflores e deixa caminho livre para mais um mandato de Nicolás Maduro

María Corina Machado, líder da oposição venezuelana (Agence France-Presse/AFP Photo)

María Corina Machado, líder da oposição venezuelana (Agence France-Presse/AFP Photo)

Estadão Conteúdo
Estadão Conteúdo

Agência de notícias

Publicado em 27 de janeiro de 2024 às 13h17.

Em mais um revês para a oposição venezuelana, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela confirmou na sexta-feira, 26, a proibição da presidenciável  para ocupar cargos públicos por 15 anos. A medida barra a líder opositora da eleição e reduz as chances de mudança no Palácio de Miraflores ao deixar o caminho livre para mais um mandato do ditador Nicolás Maduro, no poder há 12 anos.

A confirmação veio na sexta-feira após uma série de decisões da Corte sobre outros políticos venezuelanos. Henrique Capriles, uma das principais vozes da oposição, também teve confirmada sua proibição de ocupar cargos públicos pelos próximos 15 anos. Leocenis García e Richard Mardo, por sua vez, tiveram suas inabilitações canceladas.

As decisões do TSJ que barram María Corina Machado e outros políticos do pleito eleitoral são consideradas injustas por políticos e ativistas venezuelanos. Eles acreditam o regime utiliza estas sentenças como ferramenta para punir e retirar da cena política as principais figuras da oposição, deixando o caminho livre para a consolidação de Nicolás Maduro no poder.

Segundo a decisão da Corte, María Corina Machado, de 56 anos, foi inabilitada por ser "participante do esquema de corrupção orquestrado pelo usurpador Juan Antonio Guaidó M., que levou ao bloqueio criminoso da República Bolivariana da Venezuela, bem como ao saque flagrante de empresas e riquezas do povo venezuelano no exterior, com a cumplicidade de governos corruptos".

O TSJ se refere ao período de 2019 até 2023 em que Guaidó foi reconhecido pela oposição e por mais de 60 países como presidente interino da Venezuela com o fim de isolar a ditadura de Maduro.

Em 2014, María Corina Machado já havia sido impedida de ocupar cargos públicos por uma ano após ter denunciado violações aos direitos humanos cometidos pelo regime venezuelano diante da Organização dos Estados Americanos (OEA). À época, protestos contra Nicolás Maduro foram retaliados violentamente pelo regime deixando dezenas de mortos e feridos. Já no ano passado, ela voltou a ser inabilidade dessa vez por 15 anos, por ter defendido medidas econômicas restritivas contra Maduro e seus aliados.

"Era uma sentença anunciada", disse ao Estadão a cientista política venezuelana Eglée González-Lobato, que acredita que os argumentos do TSJ para inabilitar a candidata são "escandalosos" e que não justificam a retirada da líder opositora do processo eleitoral. "Para ela [María Corina Machado], isto significa a impossibilidade, neste momento, de ser a candidata, apesar de que tem uma legitimidade de lhe foi outorgada através de mais de 90% dos votos nas primárias da oposição. Isto impede seu caminho à presidência".

"O que ocorreu aqui foi um julgamento político, mais do que um julgamento jurídico", afirmou a especialista.

Para Eglée González-Lobato, esta decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) força uma rearticulação das forças opositoras. María Corina Machado é líder do movimento político Vente Venezuela e conta com o apoio dos partidos da plataforma unitária que se opõe a Nicolás Maduro. Sem ela, os opositores devem mudar a estratégia para enfrentar o ditador, considerando a decisão da Corte como violação do Tratado de Barbados, assinado entre regime e oposição. No acordo, o governo se comprometia em garantir eleições livres e justas em troca pelo relaxamento de sanções impostas pelos Estados Unidos.

"Não estamos diante a aspiração de transitar de um governo democrático a outro democrático, mas de transitar de um governo autoritário à democracia", disse a cientista política. "Para o governo de Nicolás Maduro, competir em uma eleição é ter a possibilidade de perder uma eleição", completou ela.

Além disso, a decisão judicial contra a candidata ocorre após meses de intimidação contra sua campanha e seus aliados, que resultou na prisão de vários dos colaboradores por supostas conspirações de ataques contra o regime - acusações utilizadas por Maduro para alegar que seus opositores estão violando o Tratado de Barbados.

Hoje, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, indiciou três líderes regionais da campanha de María Corina Machado pela suposta ligação a uma conspiração contra o governo. Guillermo López, Luis Camacaro e Juan Freites, já detidos, foram acusados de fazer parte de um grupo de pelo menos 11 pessoas que supostamente tentaram roubar um depósito de armas militares em 2023, para depois atacar Freddy Bernal, o governador chavista no estado de Táchira.

O cientista político venezuelano Jesús Castellanos Vásquez disse ao Estadão que a crise atual de governo, bem como a decisão demorada sobre a inabilitação da candidata e as falhas no referendo sobre o Essequibo ocorrido em dezembro, mostram que o regime de Maduro está enfraquecido, fato que o que torna mais defensivo e agressivo contra seus opositores. Contudo, segundo o especialista, a oposição não planeja abandonar a via eleitoral.

"Maria Corina está inabilitada, mas ela tem dito que a rota eleitoral será mantida e que ninguém vai tirar (a oposição) desse caminho. Considerando este discurso, acredito que serão continuadas as tentativas de construção da nova oferta eleitoral da oposição, com todos os riscos, e também a procura de condições eleitorais", afirmou Castellanos.

Os adversários de Maduro qualificam as inabilitações como inconstitucionais, pois são sanções administrativas impostas pela Controladoria-Geral, órgão autorizado pelo regime a tomar medidas contra funcionários sob investigação. Porém, a Constituição venezuelana indica que o impedimento de aspirar à presidência do país deve vir somente de uma decisão judicial "definitivamente final".

Segundo a ONG Acecco a la Justica, os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro inabilitaram mais de 1.400 cidadãos para ocuparem cargos públicos desde o ano 2002, ampliando o controle sobre seus opositores.

No final do ano passado, a Noruega, país facilitador nas negociações entre Nicolás Maduro e a oposição, divulgou um procedimento acordado pelas partes para a revisão das inelegibilidades para cargos públicos.

Segundo o mecanismo, "cada pessoa inelegível" poderia apresentar um recurso entre 1 e 15 de dezembro contra a medida perante o TSJ, que "se pronunciará sobre a admissão da ação e a proteção cautelar solicitada". Este é o caso da ação movida por María Corina Machado, que foi rejeitada hoje.

O governo dos EUA emitiu no final do ano passado licenças que autorizaram, de forma temporária, algumas transações entre o empresas americanas e a empresa estatal de petróleo da Venezuela PDVSA, o que aliviou levemente a crise interna do país. Mas, em Barbados, durante a assinatura dos acordos, o governo americano advertiu que estas medidas seriam revertidas no caso de que "os compromissos estipulados não forem cumpridos". Dentre esses compromissos, estavam a revogação das inelegibilidades e a libertação dos presos políticos.

Em dezembro, o governo americano libertou o aliado de Maduro, Alex Saab, como parte de uma troca por cidadãos americanos detidos no país sul-americano. Ao menos 30 indivíduos considerados presos políticos venezuelanos foram libertados pelo regime.

Nesta quinta-feira, 25, em meio da crise política nacional, Maduro afirmou que os acordos assinados com a oposição estão "mortalmente feridos".

Veja também

Acompanhe tudo sobre:VenezuelaPolítica

Mais de Mundo

Trump considera privatizar o Serviço Postal dos EUA, diz Washington Post

Israel bombardeia armazéns de armas do antigo regime nos arredores de Damasco

Ucrânia diz ter derrubado 58 drones lançados pela Rússia

Líder insurgente sirio diz não querer conflito com Israel e pede intervenção internacional