Sol, praia e vacina: território dos EUA no Caribe atrai turistas
Americanos voam para as Ilhas Virgens em busca de tempo bom e tranquilidade contra covid-19
Agência O Globo
Publicado em 4 de abril de 2021 às 10h24.
Última atualização em 5 de abril de 2021 às 21h46.
Quando Lydia Todman e o marido organizaram a viagem para St. Croix, nas Ilhas Virgens Americanas, um território dos Estados Unidos no Caribe, no começo de março, estavam pensando só em mudar de ares e relaxar um pouco. Mas quando chegaram lá souberam que poderiam também tomar a vacina contra a covid-19.
A norte-americana de 43 anos contou que os conhecidos até a estimularam a se imunizar. Na época, ela e o marido, que tem 54 anos e é asmático, ainda estavam na fila de espera no estado da Geórgia, onde moram; em St. Croix, qualquer adulto pode receber a inoculação. Assim, ela foi ao site do Departamento de Saúde local, viu que havia disponibilidade no dia seguinte e marcou o horário.
"Entramos e saímos em coisa de minutos. Foi fantástico", maravilhou-se Lydia.
A população das Ilhas Virgens Americanas chega a quase 106.000; o território já administrou mais de 33.000 doses até agora, com cerca de 10.600 protegidos pelas duas doses. Em coletiva realizada na semana passada, o governador Albert Bryan Jr. afirmou que, segundo os cálculos oficiais, no máximo 3% disso, ou mil doses, foram para turistas.
"Se temos consciência de que estão nos procurando por isso? Sim, temos. Mas temos também condições de atender a todos. Nossa intenção é vacinar o maior número possível de pessoas", disse Angela East, coordenadora e diretora do programa de vacinas contra a covid-19 no Plessen Healthcare, que administrou 44% do total de imunizações no território.
As autoridades de saúde e os especialistas em ética não veem problemas no turismo de vacinas nas Ilhas Virgens Americanas, dado o suprimento abundante e os altos índices de hesitação vacinal entre os residentes. Além disso, com os estados norte-americanos ampliando os critérios de qualificação, a tendência deve cair. Mesmo assim, o fato de os mais abastados poderem viajar para o Caribe e lá terem imunização garantida é um exemplo de como o acesso à imunização é definido por raça, circunstância e privilégio.
Em St. Croix, St. John e St. Thomas, as três ilhas maiores da porção norte-americana do arquipélago, as vacinas estão prontamente disponíveis aos turistas em parte por causa da hesitação exibida pela população, que é muito alta, segundo Tai Hunte-Ceasar, diretor médico do Departamento de Saúde local. E completou:
"Ela parece mais pronunciada entre os negros. Os brancos se mostram não só mais dispostos a se vacinar como também a fazê-lo mais rápido."
Quando Bridget Platten, representante de vendas de 40 anos de Nova York, recebeu a vacina em St. Croix, foi estimulada a encorajar os amigos a fazer o mesmo:
"O próprio médico contou que tinha doses sobrando e que os moradores estavam com medo de tomar. Inclusive disse que, se eu tivesse amigos com vontade de se vacinar ou se soubesse de alguém que quisesse, era só pedir que ligassem para ele".
Houve também quem foi para a ilha especificamente para se vacinar.
"Uns amigos de Nova Jersey foram, e a dúvida mais cruel que enfrentaram foi escolher entre a Pfizer ou a Moderna. Com isso, pelo menos o número de visitantes aumentou, ajudando um pouco o setor do turismo de lá, arrasado pela pandemia", explicou Rob DeRocker, consultor de marketing de Tarrytown, vilarejo no estado de Nova York, que passa os meses de inverno em St. Croix.
Esse fenômeno é reforçado pelo fato de que desde 1º de março qualquer pessoa acima de 16 anos pode se vacinar nas Ilhas Virgens — portanto, os turistas não precisam nem ter medo de furar a fila. Além disso, o território tem capacidade de vacinar cem pessoas por dia.
"Em nenhum lugar dos EUA você, sendo maior de 16 anos, pode simplesmente chegar e se vacinar", comentou Bryan na segunda-feira. Em 1º de março foram abertos também dois postos comunitários com respaldo federal em St. Thomas e St. Croix.
Os norte-americanos enfrentam menos burocracia na viagem às Ilhas Virgens em relação a outros destinos caribenhos: quem exibir resultado negativo do exame para a covid até cinco dias antes de ir para o território ou um resultado positivo para o exame de anticorpos até quatro meses antes da viagem não precisa cumprir quarentena na chegada. Já quem vai para a Jamaica e Barbados tem de quarentenar de qualquer forma. Às Ilhas Caiman só pode ir quem estiver de acordo com os critérios de qualificação superrígidos.
De acordo com Hunte-Ceasar, por enquanto o Departamento de Saúde não considera o turismo de vacinação um problema:
"Sem dúvida, nossa prioridade é que todos os residentes sejam vacinados, mas não há indícios de escassez nem para quem é daqui, nem para quem vem de fora."
Noreen Michael, cientista da Universidade das Ilhas Virgens especializada em disparidades de saúde, concordou que é essencial que todos os cidadãos que quiserem possam se vacinar, mas afirmou também não ver indícios sugerindo que os turistas estejam tirando a imunização de quem precisa:
"No aspecto da saúde pública é um bônus; no da igualdade social, não é uma questão relevante".
Talvez o turismo vacinal também possa ser usado como uma força benéfica, garantindo as doses para grupos marginalizados em outras regiões.
"É verdade que as Ilhas Virgens oferecem vacina de graça, mas poderiam cobrar dos turistas, com a verba sendo usada para o envio da imunização às regiões onde é necessária. Não poderíamos mandá-la para a Jamaica, a República Dominicana ou o Haiti? Uma vez acertados os aspectos fundamentais do bem-estar social e dos direitos humanos, podemos perfeitamente usar esse montante para patrocinar a inoculação dos que não têm acesso. Acho que vale a pena pensar nisso", dissertou Felicia Knaul, economista de saúde internacional da Universidade de Miami.
Por enquanto, as autoridades de saúde estão concentradas em reduzir a hesitação vacinal no território.
"O pessoal tem acesso à desinformação, perpetuando mentiras e conceitos nocivos", afirmou Hunte-Ceasar em uma coletiva realizada na semana passada.
Resultado: as ilhas já registram um aumento de casos e hospitalizações que, segundo ela, "faz doer o peito toda noite". Embora a indecisão pareça estar diminuindo, os moradores precisam começar a adotar a campanha se quiserem contribuir para a meta oficial de 50 mil vacinados até 1º de julho.
Enquanto isso, os visitantes dos EUA continentais continuam a se beneficiar das doses extras. Alguns até ficando mais tempo que o planejado — e outros considerando a possibilidade de se mudar de vez.
"Eu me apaixonei pela cultura de St. Croix, tanto que já no fim da viagem estava até procurando casa para comprar", admitiu Hemal Trivedi, documentarista que vive em Weehawken, Nova Jersey, e foi vacinada na ilha em fevereiro.