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Sociedade da laje vira solução para crise no Cairo

Em uma laje de onde se vê a Praça Tahrir foi se formando uma pequena comunidade de vizinhos

Telhados de prédios do Cairo: a grande aglomeração e a especulação imobiliária provocaram um verdadeiro paradoxo (AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 30 de janeiro de 2014 às 16h03.

Cairo - No fim de um corredor escuro, ao qual se chega ao desembarcar de um velho elevador de madeira, um labirinto de escadas de ferro a céu aberto revela as lajes dos bairros históricos do Cairo , que escondem pequenos mundos paralelos desta megalópole.

Em uma laje de onde se vê a simbólica Praça Tahrir, cenário dos protestos que derrubaram o ditador Hosni Mubarak, em 2011, foi se formando uma pequena comunidade de vizinhos, para os quais conseguir alojamento ao preço regular nesta cidade superpovoada de mais de 18 milhões de habitantes é algo impossível.

A família de Shukri Mahmud recebe os visitantes em uma espaçosa sala de paredes verdes. No teto, se destacam as pás de um antigo ventilador; as paredes decoradas com versos do Corão, livro sagrado dos muçulmanos, e um pôster com a imagem de Meca. Em uma das divisórias, uma janela dá para a exígua cozinha, onde sua esposa, Sayyida, prepara o almoço para os dois filhos adolescentes do casal.

"Nasci aqui, cresci aqui e me casei aqui", relata o chefe da família, que fala com nostalgia das gerações de vizinhos que viu em seu prédio: egípcios, certamente, mas também gregos e britânicos. Com o tempo, foi incorporando todos os serviços ao seu lar.

"Todos os meses, pago um aluguel, eletricidade, água e telefone", detalha.

Esta "verticalização da moradia" é uma "resposta à crise da habitação e à falta de compromisso do Estado", analisa Roman Stadnicki, encarregado do Polo Cidade e Desenvolvimento Sustentável do Centro de Documentação Econômica, Jurídica e Social (CEDEJ) do Cairo. O funcionário destaca a falta de políticas públicas.

"O informal virou uma norma urbana e urbanística no Egito: 65% do espaço urbanizado da Grande Cairo é fruto do informal", afirma.


Essas moradias são erguidas sobre suntuosos prédios em estilo parisiense do final do século XIX. Essa "sociedade da laje" é descrita por Alaa el Aswany em seu best-seller, "O Edifício Yacubian". O romancista cairota recria "as vozes, os gritos, as risadas, os ataques de tosse (...) O cheiro da água quente prestes a ferver, o chá, o café, o carvão, e o 'moassel' (tabaco) dos narguilês".

Sayyida foi morar com o marido quando se casou há 30 anos e a família não pretende se mudar. "Aqui todos nos conhecemos, nos entendemos, não poderia me acostumar a novos vizinhos em um bairro que não conheço", conta o marido, de 55 anos. Além disso, esclarece, "os únicos apartamentos baratos ficam longe", a cerca de 30 quilômetros do centro, onde Shukri trabalha. E caso se mudasse, teria que gastar ali um quarto do salário em transporte.

"As novas cidades construídas no deserto para enfrentar a explosão demográfica do Cairo, que deixou de ser uma capital mediana nos anos 1960 a uma megalópole, são consideradas um fracasso", adverte Stadnicki.

A grande aglomeração e a especulação imobiliária provocaram um verdadeiro paradoxo.

Enquanto muitos recorrem a soluções imaginativas, vivendo em lajes e até em cemitérios, entre 30% e 40% das residências estão desocupadas.

A alguns metros do apartamento de Shukri, após deixar para trás enormes antenas parabólicas e a sala de máquinas do elevador, chega-se a outra moradia com porta de madeira. Ali vivem Gamal Hashem e seu irmão, Mahmud, dois sessentões instalados ali desde a adolescência, quando o pai, então zelador do edifício, ganhou parte da laje.

Rapidamente, Gamal procurou organizar o espaço. "Tudo isto eu mesmo construí", afirma, chamando atenção para as divisórias de madeira compensada pintadas de branco, com tubos de neon (tubolux) usados na iluminação.

Ele faz um tour pela casa: quatro cômodos, um deles com varanda, uma cozinha mínima e uma pequena sala com TV e computador.

Enquanto assistem a jogos de futebol, Gamal, com um gorro cobrindo a cabeça, e seu irmão esfregam as mãos para se aquecer e bebem chá fervendo. O teto, também de madeira, está parcialmente apodrecido pela umidade. No chão, a chuva deixou pequenas poças. Em um dos quartos, seus bens mais preciosos, como livros e documentos, assim como a roupa, estão dispostos sobre uma cama, cobertos com uma manta impermeável.

Mas, ainda assim, os irmãos continuam apegados ao seu lar. "Cada vez que chega um novo proprietário ao edifício, tenta nos expulsar. Mas onde vamos nos meter? (...) As pessoas que encontramos aqui e nossas relações valem mais que todo o dinheiro do mundo", reflete Gamal.

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Cairo - No fim de um corredor escuro, ao qual se chega ao desembarcar de um velho elevador de madeira, um labirinto de escadas de ferro a céu aberto revela as lajes dos bairros históricos do Cairo , que escondem pequenos mundos paralelos desta megalópole.

Em uma laje de onde se vê a simbólica Praça Tahrir, cenário dos protestos que derrubaram o ditador Hosni Mubarak, em 2011, foi se formando uma pequena comunidade de vizinhos, para os quais conseguir alojamento ao preço regular nesta cidade superpovoada de mais de 18 milhões de habitantes é algo impossível.

A família de Shukri Mahmud recebe os visitantes em uma espaçosa sala de paredes verdes. No teto, se destacam as pás de um antigo ventilador; as paredes decoradas com versos do Corão, livro sagrado dos muçulmanos, e um pôster com a imagem de Meca. Em uma das divisórias, uma janela dá para a exígua cozinha, onde sua esposa, Sayyida, prepara o almoço para os dois filhos adolescentes do casal.

"Nasci aqui, cresci aqui e me casei aqui", relata o chefe da família, que fala com nostalgia das gerações de vizinhos que viu em seu prédio: egípcios, certamente, mas também gregos e britânicos. Com o tempo, foi incorporando todos os serviços ao seu lar.

"Todos os meses, pago um aluguel, eletricidade, água e telefone", detalha.

Esta "verticalização da moradia" é uma "resposta à crise da habitação e à falta de compromisso do Estado", analisa Roman Stadnicki, encarregado do Polo Cidade e Desenvolvimento Sustentável do Centro de Documentação Econômica, Jurídica e Social (CEDEJ) do Cairo. O funcionário destaca a falta de políticas públicas.

"O informal virou uma norma urbana e urbanística no Egito: 65% do espaço urbanizado da Grande Cairo é fruto do informal", afirma.


Essas moradias são erguidas sobre suntuosos prédios em estilo parisiense do final do século XIX. Essa "sociedade da laje" é descrita por Alaa el Aswany em seu best-seller, "O Edifício Yacubian". O romancista cairota recria "as vozes, os gritos, as risadas, os ataques de tosse (...) O cheiro da água quente prestes a ferver, o chá, o café, o carvão, e o 'moassel' (tabaco) dos narguilês".

Sayyida foi morar com o marido quando se casou há 30 anos e a família não pretende se mudar. "Aqui todos nos conhecemos, nos entendemos, não poderia me acostumar a novos vizinhos em um bairro que não conheço", conta o marido, de 55 anos. Além disso, esclarece, "os únicos apartamentos baratos ficam longe", a cerca de 30 quilômetros do centro, onde Shukri trabalha. E caso se mudasse, teria que gastar ali um quarto do salário em transporte.

"As novas cidades construídas no deserto para enfrentar a explosão demográfica do Cairo, que deixou de ser uma capital mediana nos anos 1960 a uma megalópole, são consideradas um fracasso", adverte Stadnicki.

A grande aglomeração e a especulação imobiliária provocaram um verdadeiro paradoxo.

Enquanto muitos recorrem a soluções imaginativas, vivendo em lajes e até em cemitérios, entre 30% e 40% das residências estão desocupadas.

A alguns metros do apartamento de Shukri, após deixar para trás enormes antenas parabólicas e a sala de máquinas do elevador, chega-se a outra moradia com porta de madeira. Ali vivem Gamal Hashem e seu irmão, Mahmud, dois sessentões instalados ali desde a adolescência, quando o pai, então zelador do edifício, ganhou parte da laje.

Rapidamente, Gamal procurou organizar o espaço. "Tudo isto eu mesmo construí", afirma, chamando atenção para as divisórias de madeira compensada pintadas de branco, com tubos de neon (tubolux) usados na iluminação.

Ele faz um tour pela casa: quatro cômodos, um deles com varanda, uma cozinha mínima e uma pequena sala com TV e computador.

Enquanto assistem a jogos de futebol, Gamal, com um gorro cobrindo a cabeça, e seu irmão esfregam as mãos para se aquecer e bebem chá fervendo. O teto, também de madeira, está parcialmente apodrecido pela umidade. No chão, a chuva deixou pequenas poças. Em um dos quartos, seus bens mais preciosos, como livros e documentos, assim como a roupa, estão dispostos sobre uma cama, cobertos com uma manta impermeável.

Mas, ainda assim, os irmãos continuam apegados ao seu lar. "Cada vez que chega um novo proprietário ao edifício, tenta nos expulsar. Mas onde vamos nos meter? (...) As pessoas que encontramos aqui e nossas relações valem mais que todo o dinheiro do mundo", reflete Gamal.

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