Russos mascaravam doping com álcool e café para Olimpíada
Atletas russos, com a ajuda do governo de Putin, usaram álcool e café para mascarar o doping na Olimpíada do Rio
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de dezembro de 2016 às 10h24.
Genebra - A delegação russa, com a ajuda do governo de Vladimir Putin, preparou uma fraude em grande escala para ser colocada em prática na Olimpíada do Rio , falsificando amostras de urina e manipulando testes de doping.
É o que revelam e-mails obtidos pelos investigadores da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês), que estiveram entre os mais de 4 mil documentos usados para concluir que mais de mil atletas do país foram beneficiados por esquemas de manipulação de resultados de doping iniciado em 2011.
A estratégia de Moscou para a Rio-2016 foi minada pela exclusão de mais de uma centena de seus atletas dos Jogos. Mas os dados levantam dúvidas sobre as mais de 50 medalhas que a Rússia obteve no Brasil.
As conclusões fazem parte do relatório final preparado pelo investigador Richard McLaren, apresentados na sexta.
De um esquema inicialmente improvisado, a fraude ganhou contornos institucionais e com alto grau de sofisticação em 2015, na fase final de preparação para o Rio.
Uma das estratégias dos russos para mascarar o uso de alguns produtos ilegais era misturá-los com álcool, café ou sal.
Mas, com base em trocas de e-mails entre autoridades de alto escalão do país, os investigadores da Wada que trabalham para desvendar o gigantesco esquema de doping desenvolvido, suspeitam que os cientistas já buscavam outras maneiras de ocultar as substâncias ilegais.
A desconfiança sobre o uso do álcool é sustentada, por exemplo, na troca de correspondências entre o chefe do laboratório russo, Grigory Rodchenkov, e o vice-ministro de Esportes, Alexei Velikodniy, em 10 de julho de 2015.
Em um deles, Rodchenkov alerta o vice-ministro: "Precisamos garantir que possamos mostrar progresso com peptídeos. De outro lado, é necessário entender que, sob as duras condições, dificilmente ir de bar em bar no Rio vai os matar (os atletas) se não estiverem com o objetivo de ser reconstruído. Mas não com a ajuda dos passaportes de esteroide."
A alusão "de bar em bar" significaria recomendação para o uso de bebidas alcoólicas para esconder o doping. Mas o e-mail também mostra preocupação em encontrar outras alternativas, para que os atletas não tivessem de consumir álcool.
Em outros e-mails, o chefe do laboratório enviou a Velikodniy lista com nomes de dezenas de atletas de diferentes modalidades e a mensagem: "Limpeza dos estudantes, ao bar também". Os investigadores suspeitam que se trata de atletas dopados que precisariam ser protegidos antes do Rio.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, pessoas envolvidas na investigação disseram que suspeitas apontam que o sistema estava montado para garantir que o Rio-2016 fosse o apogeu dessa manipulação.
Mas o escândalo que eclodiu logo antes dos Jogos no Brasil, com a revelação de que o esquema de doping era patrocinado e organizado pelo Kremlin.
O COI, porém, optou por não suspender toda a delegação russa, e sim pouco mais de cem atletas, aqueles que não conseguiram provar inocência.
Às vésperas do evento no Rio, a delatora do esquema, a russa Yulia Stepanova, alertou que atletas dopados estariam competindo no Brasil.
Mesmo sem contar com um terço de sua equipe, o país ganhou 56 medalhas nos Jogos, numa impressionante quarta posição.
Havia outros artifícios usados no esquema montado a partir de 2011. Foram encontradas amostras de urinas "com níveis de sal fisicamente impossíveis" e mesmo "temperadas com café". Isso ocorreu em exames feitos a partir de 2013, quando o esquema se sofisticou.
Para o investigador McLaren, havia um "sistema disciplinado estabelecido para ganhar medalhas, principalmente nos Jogos de Sochi de 2014". A Rússia sediou naquele ano a Olimpíada de Inverno.