Crise na Ucrânia: militares ucranianos treinam civis. 30/01/2022 (SERGEI SUPINSKY / Colaborador/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de fevereiro de 2022 às 17h34.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2022 às 17h56.
O Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, disse nesta sexta-feira, 11, que os riscos de uma invasão russa na Ucrânia são grandes o "suficiente", e quem puder sair do país agora, "seria melhor". Em coletiva de imprensa, o representante afirmou que a inteligência do país vem observando a disposição de forças da Rússia, e "está claro que é possível uma ação". Segundo Sullivan, a percepção ocorre em conjunto com aliados europeus, e as portas estão abertas para a diplomacia.
Por sua vez, o representante afirmou que há informação de que o presidente Vladimir Putin ordenará invasão da Ucrânia antes do fim da Olimpíada de Inverno, que ocorre no momento em Pequim. Segundo ele, os americanos devem sair do país nas próximas 48 horas, e o risco é "alto o suficiente" para casualidades com civis. O conselheiro afirmou ainda que "entramos em uma janela na qual em qualquer dia uma ação militar russa pode ocorrer".
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De acordo com Sullivan, uma incursão militar envolveria maiores possibilidades de bombardeios. Além disso, uma estratégia militar da Rússia poderá incluir a capital da Ucrânia, Kiev. Segundo o representante: "acredito que Biden falará com Putin por telefone, mas não tenho mais informações". Em mobilizações militares, o porta-voz disse mais uma vez que os soldados mobilizados no leste da Europa não lutarão na Ucrânia.
Em tratativas, Sullivan foi questionado sobre a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, no que respondeu que o líder brasileiro é livre para se encontrar com quem quiser, incluindo Putin.
Sobre repercussões econômicas, Sullivan, afirmou que Biden acredita que as sanções que foram mencionadas até o momento funcionam para dissuadir, e que, se Rússia invadir, serão usadas. Além disso, sobre movimentações recentes, disse que a administração não acredita que a China conseguiria compensar a Rússia pelas perdas sofridas em caso de invasão.
Demandas e respostas
A Rússia quer que os EUA e seus aliados impeçam a Ucrânia e outras ex-nações soviéticas de ingressarem na Otan. Além disso, exige que o bloco ocidental se abstenha de posicionar equipamentos militares próximos a Rússia, e que recuem suas forças da Europa Oriental.
Washington e a Otan rejeitam categoricamente essas demandas, mas também estão se oferecendo para discutir possíveis limites no uso de mísseis, maior transparência nos exercícios militares e outras medidas de construção de confiança.
Putin ainda não deu a resposta formal de Moscou às propostas ocidentais, mas já as descreveu como secundárias e alertou que não aceitaria um "não" como resposta às suas principais demandas. Ele rebateu o argumento ocidental sobre a Otan ter uma política de portas abertas, argumentando que isso ameaça a Rússia e viola o princípio da "indivisibilidade da segurança" consagrado em acordos internacionais.
Demonstração de força militar
Com o Ocidente rejeitando suas principais demandas, o Kremlin aumentou as apostas concentrando mais de 100 mil soldados perto da Ucrânia e realizando uma série de manobras militares do Oceano Ártico ao Mar Negro.
Como parte da demonstração de força, Moscou transferiu trens carregados de tropas, tanques e armas do Extremo Oriente e da Sibéria para Belarus para a realização de exercícios militares conjuntos, despertando preocupações ocidentais de que a Rússia possa usá-los como cobertura para uma invasão.
Washington e seus aliados ameaçam com sanções sem precedentes no caso de uma invasão, incluindo uma possível proibição de transações em dólares, restrições draconianas às principais importações de tecnologia, como microchips, e o fechamento de um gasoduto russo recém-construído para a Alemanha.
O governo do presidente Joe Biden também enviou reforços para a Polônia, Romênia e Alemanha em uma demonstração do compromisso de Washington de proteger o flanco leste da Otan. Os EUA e seus aliados entregaram aviões carregados de armas e munições para a Ucrânia.
Escalada calculada
Ao concentrar tropas na fronteira, que poderiam atacar a Ucrânia de várias direções, Putin demonstrou estar pronto para escalar a crise para atingir seus objetivos.
"Putin parece muito confiante e está exibindo um alto nível de tolerância ao risco", disse Ben Hodges, que serviu como comandante-geral do Exército dos EUA na Europa e agora trabalha no Centro de Análise de Políticas Europeias. "Ele parece empenhado em aplicar pressão máxima sobre o Ocidente nesta crise autofabricada, na esperança de que a Ucrânia ou a Otan acabem fazendo concessões".
Alguns observadores esperam que Putin aumente ainda mais as tensões ao expandir o escopo e a área dos exercícios militares.
Fiodor Lukianov, chefe do Conselho de Políticas Externas e de Defesa, com sede em Moscou, que segue de perto o pensamento do Kremlin, previu que uma recusa ocidental em discutir as principais demandas da Rússia desencadearia uma nova rodada de escalada.
"Logicamente, a Rússia precisará aumentar o nível de tensões", disse Lukianov. "Se as metas estabelecidas não estão sendo alcançadas, então você precisa aumentar a pressão — antes de tudo através de uma demonstração de força."
Lukianov disse que, embora invadir a Ucrânia não seja o que Putin quer, ele pode desafiar o Ocidente por outros meios.
"A ideia, conforme imaginada por Putin, não era resolver a crise ucraniana por meio da guerra, mas trazer o Ocidente para a mesa de negociações sobre os princípios dos arranjos de segurança europeus", observou. "No momento em que a Rússia começar uma guerra contra a Ucrânia, todo o jogo anterior terminará e o novo jogo acontecerá em um nível de risco absolutamente diferente. E tudo o que sabemos sobre Putin é que ele não é um jogador. Ele é um estrategista".
Possíveis caminhos para um compromisso
Embora Putin e seus aliados tenham insistido que esperam que os EUA e a Otan cedam às exigências da Rússia — uma perspectiva que parece quase impossível — alguns observadores do Kremlin esperam que Moscou acabe aceitando um compromisso que ajude a evitar hostilidades e permita que todos os lados mantenham suas reputações.
Mesmo que os aliados ocidentais não renunciem à política de portas abertas da Otan, eles não têm intenção de abraçar a Ucrânia ou qualquer outra nação ex-soviética tão cedo. Alguns analistas sugeriram uma possível moratória na expansão da aliança.
Gwendolyn Sasse, membro da Carnegie Europe que dirige o Centro de Estudos Internacionais e do Leste Europeu em Berlim, expressou ceticismo, dizendo que "o pior seria sinalizar que há divisões na Otan", nada que Putin também não possa estar satisfeito com o resultado.
Outra possibilidade é a "Finlandização" da Ucrânia, significando que o país adquiriria um status neutro, como a Finlândia fez após a Segunda Guerra. A política ajudou a manter laços amistosos com a União Soviética durante a guerra fria.
Tal movimento representaria uma revisão acentuada do curso de Kiev em direção à adesão à Otan e provavelmente alimentaria fortes críticas internas, mas o público ucraniano poderia eventualmente acolher a reviravolta política como um mal menor, em comparação com uma invasão russa.
Questionado sobre a ideia da "finlandização", o presidente francês Emmanuel Macron disse a repórteres na segunda-feira que "este é um dos modelos sobre a mesa", mas voltou atrás no dia seguinte quando visitou Kiev.
Outro compromisso potencial provavelmente incluiria medidas para aliviar as tensões no leste da Ucrânia, que tem sido controlada por separatistas apoiados pela Rússia desde que uma rebelião explodiu na região em 2014, logo após a anexação da península da Crimeia na Ucrânia por Moscou.
A Rússia instou o Ocidente a pressionar a Ucrânia a cumprir suas obrigações sob um acordo de paz de 2015 (o segundo acordo de Minsk) que foi intermediado pela França e pela Alemanha e exigia que Kiev oferecesse autonomia aos territórios controlados pelos rebeldes. O acordo foi visto pelos ucranianos como uma traição aos interesses nacionais do país e sua implementação estagnou.
Nesta semana, Macron descreveu o acordo como "o único caminho que permite construir a paz... e encontrar uma solução política sustentável".