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Rússia: o país para se olhar em 2018

Em 2018, a Rússia não deve sair dos holofotes: com a Copa do Mundo, as eleições para presidente, a influência no Oriente Médio e na política americana

PUTIN: o presidente russo deve emendar o que na prática será seu quinto mandato como líder máximo do país (Sergei Karpukhin/Reuters)

PUTIN: o presidente russo deve emendar o que na prática será seu quinto mandato como líder máximo do país (Sergei Karpukhin/Reuters)

TL

Thiago Lavado

Publicado em 27 de dezembro de 2017 às 09h33.

Última atualização em 27 de dezembro de 2017 às 10h10.

“Isto não é uma discussão. Você faz uma pergunta, eu respondo”, disse o presidente russo Vladimir Putin, sem se alterar, pedindo que um repórter sentasse e passasse o microfone adiante, durante a última edição de sua coletiva de imprensa anual, que aconteceu este ano pela 13ª vez, no dia 14 de dezembro. O evento, um show à parte na presidência de Putin, serve para trazer o presidente para perto da população e aparentar ares de normalidade na imprensa russa. Neste ano, a conferência com jornalistas durou 3 horas e quarenta minutos, uma hora a menos do que o recorde, estabelecido em 2008.

Foi também nesta conferência que Putin confirmou o que todos já sabiam: que ele irá concorrer à presidência pela quarta vez, desta vez como independente. Mais um mandato de seis anos que ele tem pouquíssima chance de perder. Sua aprovação gira em torno de 80%. E a eventual eleição de Putin é apenas mais um acontecimento que irá jogar a Rússia nos holofotes em 2018.

O país ainda sedia, no ano que vem, a Copa do Mundo de Futebol, e deve continuar com sua política de interferência no Oriente Médio e no Leste Europeu. A Rússia, e Putin também, tampouco devem sumir da pauta norte-americana, com o aprofundamento das investigações sobre a interferência russa nas eleições dos Estados Unidos do ano passado. O ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, até já afirmou em entrevistas que a interferência de 2016 “não é um incidente isolado” e que deve continuar no ciclo eleitoral de 2018.

Em março, quando a chanceler alemã Angela Merkel se encontrou pela primeira vez com o presidente Donald Trump, ela trouxe consigo um mapa da antiga União Soviética, destacando os países que hoje Putin tenta exercer influência no Leste Europeu. “Azerbaijão, Armênia, Geórgia, Moldávia, Bielorrússia e Ucrânia. Ele está tentando trazer estes países de volta para seu lado e, se não for possível, ao menos ter certeza que eles não são atrativos para o Ocidente”, disse à revista Politico um oficial do governo alemão, familiar com a apresentação de Merkel. Os alemães disseram a Trump que o russo está lutando uma “Nova Guerra Fria”, embora o Ocidente ainda não esteja no mesmo rumo.

“O Kremlin tenta tirar a atenção de problemas internos buscando se tornar um grande poder na política internacional. Pode-se dizer que isso foi bem sucedido, mas que suas apostas inconsequentes trouxeram resultados indesejáveis. Quem diria que o establishment americano se consolidaria na plataforma anti-Rússia? Que os alemães passariam a ver a Rússia como um país hostil?”, afirma Lilia Shevtsova, estudiosa do Kremlin, pesquisadora da organização Chatham House de Londres e autora do livro A Rússia de Putin.

Putin já chegou a dizer que o fim da União Soviética “foi a maior catástrofe geopolítica do século 20”. Treinado pela agência soviética de inteligência, a KGB, o presidente entende a necessidade da onipresença, ainda mais numa época em que o mundo ocidental impõe diversas sanções econômicas sobre seu país, o que já começa a prejudicar a economia russa. O ministério de Finanças da Rússia projeta um crescimento de 2,1% no ano, um pouco mais otimista dos que o 1,7% previsto pelo Banco Mundial. É o primeiro ano de crescimento do país depois de uma recessão que começou em 2014.

“É possível argumentar que os apetites globais da Rússia criaram sérios problemas para o país, marginalizando-o e consolidando o Ocidente com a Rússia. O regime de sanções, por exemplo, já começou a cobrar sua cota, minando a economia. Putin, precisa agora de um novo acordo com o Ocidente sem perder sua aparência”, diz Shevtsova.

Eleições complicadas, para a oposição

Putin tem uma situação bem favorável frente em termos eleitorais. Além de ter uma alta taxa de aprovação, o presidente também não tem nenhum oponente à altura para as eleições agendadas para o dia 18 de março. Alexei Navalny, o nome mais forte da oposição, que recentemente afirmou que poderia ganhar de Putin em eleições justas, já foi preso três vezes este ano pelo governo e especialistas afirmam que ele pode até ser impedido de participar das eleições.

Em sua conferência de imprensa, ele também anunciou que estava se desvinculando do Partido Rússia Unida, ao qual é associado desde sua formação em 2011. “Eu espero ser apoiado por movimentos populares, partidos e quaisquer outros grupos que compartilham de minhas visões. Assim posso ter apoio amplo da população”, disse Putin. Ele não deu maiores informações sobre o afastamento, mas acredita-se que Putin quer descolar sua popularidade, em alta, da do partido, que está bem atrás. De acordo com informações do centro de pesquisa russo Levada, a taxa de aprovação do presidente em novembro era de 81%. Em comparação, a do primeiro ministro Dmitry Medvedev é de 44% e a do governo, dominado pelo Partido Rússia Unida, de 42%.

“Putin vai tomar as devidas providências para ter certeza de que a oposição não tem a menor chance de vencer as eleições. Ele tem um sistema que já controla, um misto político de quasi-autoritarismo”, afirma Melvyn Levitsky, professor especialista em Rússia da Universidade de Michigan e que serviu como oficial do governo americano em Moscou, além de ter sido embaixador dos Estados Unidos no Brasil e na Bulgária.

Tomar providências contra a oposição é algo que o governo russo faz como ninguém. Em março, um desafeto do presidente, o deputado Denis Voronenkov foi assassinado em Kiev, na Ucrânia, onde estava exilado com sua esposa, também deputada Maria Maksakova, depois de uma entrevista ao jornal The Washington Post, dizendo que corria perigo e que só poderia retornar à Rússia com a saída de Putin. A lista de oponentes abatidos é maior: em 2015, o líder oposicionista Boris Nemtsov foi morto a tiros, perto Kremlin, por homens que passaram em um carro em plena luz do dia.

Em 2006, um ex-agente da FSB, agência que sucedeu a KGB, Alexander Litvinenko, foi envenenado em Londres com polônio, uma substância radioativa. Litvinenko havia acusado seus superiores no serviço secreto de executar o empresário Boris Berezovsky, um também opositor de Putin. A Scotland Yard provou a autoria de dois agentes russos no caso depois de rastrear a substância radioativa pela cidade.

A oposição a Putin está tão perdida que, em setembro, quando houve a suspeita de que havia uma alta concentração de um isótopo radioativo, chamado rutênio-106, no ar da região de Chelyabinsk, nenhum pretenso candidato tentou usar a situação a seu favor. Em um comício na região no final de novembro, Navalny afirmou que “em um país normal candidatos teriam enchido a cidade”. “Há uma campanha acontecendo, certo?”.

A atitude de Putin contra a oposição varia do cinismo ao desinteresse. Ele sequer chama Navalny, seu principal opositor, pelo nome. Ele se refere a Navalny como “aquele homem” ou “aquele líder do movimento de oposição”. Putin foi questionado durante sua coletiva do porquê de o governo não abrir espaço para Navalny ou ter medo da oposição. A resposta: “vocês querem dúzias desses Saakashvili correndo de uma praça para a outra? A oposição precisa preparar candidatos com programas positivos para o país”, associando Navalny desta vez ao ex-presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, que se tornou um líder oposicionista na Ucrânia, de quem Putin não esconde seu desgosto.

“Nada pode acabar com as chances e prevenir que ele seja o novo velho presidente russo. Os russos apoiam-no não porque o amam ou o adoram, mas porque não há qualquer alternativa viável e há um medo de instabilidade”, afirma Shevtsova. “Este é na realidade o quinto mandato de Putin, porque era ele quem comandava o país durante o interregno de [Dmitry] Medvedev, enquanto era o primeiro ministro”.

Questionados sobre eventuais atentados durante a realização da Copa do Mundo por oposicionistas russos ou de países da região, os especialistas consultados para esta reportagem preferiram não arriscar um palpite.

Expansionismo internacional

Com a crise econômica dos últimos anos e sanções vindas do Ocidente, a Rússia tem tentado diversificar sua economia, apostando em países do Norte da África e do Oriente Médio.

Além de sua posição na Síria, ao lado do regime de Bashar al-Assad, Putin tem exercido influência em países da região. Só este ano ele recebeu em Moscou o rei Abdullah, da Jordânia, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Quando Donald Trump anunciou que mudaria a embaixada americana para Jerusalém, o russo tratou de viajar para a Turquia e para o Egito, onde se encontrou com o presidente Abdel Fattah el-Sissi. Os três criticaram a postura diplomática de Trump.

Moscou, que retomou as relações com a Ankara este ano, depois que um caça russo foi abatido em território turco, iniciou conversas com Cairo. Por enquanto, os acordos incluem a permissão de que caças russos possam utilizar bases aéreas no Egito, que também tem interesse em comprar armas russas. O país, localizado no norte da África é demasiado estratégico para a Rússia, tanto por sua proximidade com o Oriente Médio, quanto localização privilegiada no continente. Há também uma questão econômica: a Rússia está negociando a venda de aparelhos para iniciar a construção da primeira usina nuclear no Egito.

“A Rússia tem trabalhado para ser um ator influente no Oriente Médio. O ex-presidente Barack Obama cometeu alguns erros na Síria e Trump não determinou ao certo sua política no Oriente Médio. Isso gerou um vácuo de poder na região, além do fato de o governo americano ter perdido credibilidade em termos internacionais. Podemos esperar que a influência da Rússia aumente na região ainda mais”, afirma o professor Levitsky.

Uma parceria com o Egito abre o caminho também para o Norte da África, onde a Rússia já trava relações com a Líbia. A gigante estatal do petróleo russa Rosneft assinou cooperação com a NOC, estatal Líbia.

“A Rússia definitivamente irá permanecer na Síria, onde a guerra está longe de acabar. Os interesses de Moscou também abrangem a Líbia, no Norte da África, e possivelmente bases militares no Sudão. No entanto, a posição da Rússia é reduzida: os recursos são mais escassos do que outras potências e a população pede por paz, o que limita a habilidade expansionista do Kremlin”, explica a professora Shevtsova.

A Rússia ainda tem o terceiro maior orçamento militar do planeta, 70 bilhões de dólares em 2017. É uma fração do americano, mas o suficiente para Putin continuar estendendo seus tentáculos. 

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