Anéis olímpicos em Tóquio: custo dos jogos pode ficar três vezes maior que o previsto (Kyodo News/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 13 de setembro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 14 de setembro de 2020 às 12h30.
Quanto custa e qual é o risco de sediar uma Olimpíada? Uma cidade disposta a se candidatar para ser sede deve calcular um valor parecido ao que custaria combater desastres naturais, pandemias e até uma guerra, segundo novo estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford.
Isso porque, segundo os dados das últimas Olimpíadas analisados pelos autores, os custos da preparação olímpica podem aumentar amplamente ao longo da cerca de uma década durante a qual o país-sede se prepara. E, muitas vezes, essas altas são difíceis de prever ou controlar, por melhor que seja a organização -- justamente como em uma guerra ou em um desastre.
O estudo Regression to the tail: why the Olympics blow up foi publicado na semana passada pelos pesquisadores Bent Flyvbjerg e Alexander Budzier, da Escola de Negócios de Oxford, e Daniel Lunn, do Departamento de Estatística.
Toda Olimpíada desde 1960 estourou o orçamento. Em média, foram gastos 172% a mais do que o previsto inicialmente, calculam os pesquisadores. Se levados em conta só os jogos de verão, a alta seria acima de 200%.
O custo do Rio em 2016 foi 352% maior do que o estimado, e o de Londres, em 2012, foi 76% maior. O maior até agora é o de Montreal, em 1976, que foi além do orçamento em mais de 700%. Os valores são em termos reais, sem ajuste pela inflação. Os pesquisadores afirmam que, se a inflação fosse levada em conta, os estouros do orçamento inicial seriam ainda maiores.
As últimas cinco Olimpíadas, entre 2007 e 2016, custaram em média 12 bilhões de dólares cada. O valor ainda não inclui a infraestrutura urbana eventualmente construída para acomodar o evento, como hotéis, estradas e aeroportos.
A Olimpíada que deveria ter acontecido há alguns meses, a de Tóquio 2020, é um exemplo claro de o quão caro e imprevisível é sediar o evento. O evento em Tóquio estava marcado para começar em 24 de julho deste ano. Por causa da pandemia, precisou ser adiado, o que aconteceu pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos modernos (até então, jogos só haviam sido cancelados).
A nova data dos jogos de Tóquio é julho de 2021. Mesmo assim, ainda é pouco certo como o mundo estará até lá. A projeção é que algumas vacinas comecem a ser aprovadas ainda neste ano ou no ano que vem, mas daí a realizar um evento que envolve mais de 1 milhão de pessoas, entre atletas e espectadores, é outro passo.
Com os desafios extras da pandemia, os jogos de Tóquio já estão entre os mais caros da história. O orçamento inicial previa 7,3 bilhões de dólares, mas auditorias japonesas já mostram que os custos podem ser o triplo do valor.
Dentro do Japão, o apoio aos jogos diminuiu. Uma pesquisa do Tokyo Shoko Research com 13.000 empresas japonesas concluiu que mais de metade era agora contra o evento ser realizado no ano que vem.
A pandemia do novo coronavírus pode ser considerada um caso atípico, mas os dados históricos de outros Jogos Olímpicos mostram que os imprevistos orçamentários não são raros. Nos modelos estatísticos, há os impactos que, com o tempo e ao fazer o mesmo projeto repetidas vezes, podem ser previstos e reduzidos.
Nas Olimpíadas, os imprevistos vem sendo pouco controláveis, o que faz os pesquisados concluírem que o modelo estatístico de custo a ser usado pelos governos deve ser o mesmo de grandes desastres e guerras.
O estudo também critica o formato de gestão do Comitê Olímpico Internacional, que deixa a cargo das cidades-sede todos os custos e desafios da organização do evento -- mesmo que os custos aumentem absurdamente e tornem a realização dos jogos quase financeiramente inviável para os países.
Os pesquisadores usam o Rio e a Grécia, em 2004, como exemplos recentes dos impactos econômicos de sediar os jogos. O estudo lembra como, dois meses antes dos jogos do Rio, o governo declarou estado de emergência para ter fundos adicionais, ou não conseguiria arcar com os jogos.
"Quando o Rio decidiu fazer uma proposta pelas Olimpíadas, a economia brasileira estava bem. Quase uma década depois, os custos estavam aumentando e o país estava em sua pior crise econômica desde 1930", diz um trecho do estudo.
De acordo com a análise dos jogos anteriores, o que aconteceu no Brasil é um padrão comum: no geral, quando um país se inscreve para sediar os jogos, a economia está bem. O cenário tende a mudar entre os 7 e 11 anos que transcorrem até a realização dos jogos de fato -- a culpa não é necessariamente da organização dos jogos, mas os gastos extras, certamente, não colaboram em momento de crise e austeridade.
Já na Grécia, com custo estimado em 9 bilhões de euros (pouco mais de 31 bilhões de reais), os jogos de Atenas foram os mais caros já realizados até então. E para muitos especialistas, sediar as Olimpíadas de 2004 foi um péssimo negócio para a Grécia, desencadeando o colapso econômico que explodiria no país a partir de 2008.
A organização dos jogos levou os gregos a aumentarem seu déficit público – que chegou, à época, a mais de 110% do PIB. Para além dos custos em si, muitos avaliam que o alto custo da organização trouxe de volta à gestão grega uma cultura de gastos públicos desenfreados, após anos de uma política mais austera e equilibrada exigida pela União Europeia. O cenário desembocou em um colapso após a crise financeira de 2008.
Mesmo se a média de alta no orçamento inicial fosse menos da metade da média histórica, um risco de ter gastos 50% maiores que o estimado já seriam significativos para um investimento multibilionário como é o olímpico.
"O risco médio alto de estourar o orçamento dos jogos, combinado com a existência de valores extremos, deve ser motivo para cautela de qualquer um considerando sediar os jogos, e especialmente para economias frágeis com pouca capacidade de absorver os custos galopantes e a dívida relacionada", escrevem os autores.