Quando a Justiça ajuda adolescentes a se casar
O casamento de garotas adolescentes, um fenômeno que nos últimos anos afeta mais de 40 mil marroquinas, está sendo promovido pelos tribunais
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2013 às 09h43.
Rabat - O casamento de garotas adolescentes, um fenômeno que nos últimos anos afeta mais de 40 mil marroquinas, está sendo paradoxalmente promovido pelos tribunais itinerantes, uma iniciativa nascida para levar a Justiça aos lugares mais remotos onde o Estado não consegue chegar.
Foi a rede feminista Anaroz que denunciou o caso após um estudo realizado na região central do Marrocos, nas zonas rurais de Fez, Meknés e Jenifra.
Os resultados, como advertiu o responsável pela pesquisa, Ilham Cherkaui, não são "científicos" por só observarem uma região, mas podem ser representativos de um problema: como a lei está sendo distorcida para legalizar a poligamia e o casamento precoce.
O Código da Família, aprovado no Marrocos em 2004, representou um avanço nos direitos das mulheres, ao estabelecer exceções e condições restritas a fenômenos legitimados pelo Corão (como a poligamia) ou a tradição (como o casamento de garotas, muito comum no meio rural).
Esse código contempla no artigo 16 um período transitório, prorrogado até fevereiro, no qual legalizaria excepcionalmente como casamentos casos de parceiros em que fosse constatada a "existência de crianças ou de gravidez", a fim de dotar essas crianças de documentos que as permitam algo tão simples como ir à escola e serem atendidas no hospital.
O Ministério da Justiça, ajudado por ONGs e organismos internacionais coma ONU-Mulheres, utilizou para essa tarefa os chamados tribunais itinerantes que levam a Justiça a lugares remotos e que nos últimos anos se focaram em legalizar estas uniões conjugais.
A tarefa dos tribunais itinerantes foi louvada e mostrada como exemplo. No entanto, a rede Anaroz fez soar o alarme após o estudo.
Em 2011, os tribunais itinerantes legalizaram 45.122 casamentos, de acordo com números do Ministério da Justiça. Naquele ano, o Conselho Econômico e Social detectou em todo o país 46.927 casamentos precoces, de meninas em 99% dos casos.
O Ministério da Justiça é reticente em dar detalhes sobre as idades das menores que são dadas em casamento, mas a rede Anaroz disse que em sua amostragem 25% das casadas nesses tribunais móveis eram meninas com menos de 15 anos.
Como explicou Cherkaui, os juízes dos tribunais itinerantes se encontram com frequência diante de fatos consumados: homens que se aproximam com meninas mães ou segundas esposas e pedem para legalizar as uniões apesar de não reunirem as condições: no caso da poligamia, permissão explícita da primeira esposa; no caso das adolescentes, uma "avaliação médica ou social" e permissão dos pais.
Existia a impressão de que os juízes colocavam na frente o interesse da criança e por isso autorizavam os casamentos; no entanto, o estudo de Anaroz demonstrou que em 61% dos casos as meninas casadas não tinham filhos.
A rede Anaroz se mobiliza agora para exigir um estudo geral em todo o país que desmascare a realidade dos casamentos precoces e para pedir uma mudança no polêmico artigo 16 que deixe mais claras as proibições e não permita tal grau de discricionariedade entre os juízes.
"Um país que se diz democrático não pode ter leis contrárias aos direitos humanos", se queixou Cherkaui, que sugere que os juízes devam passar por sessões de formação complementar para que suas sentenças estejam de acordo com as convenções internacionais.
A ativista admite que no Marrocos rural a consideração de "casável" para uma mulher se adquire muito antes dos 18 anos e está associada À puberdade. Essa é a razão que deixa inclusive a classe política reticente de proibir taxativamente este fato; no entanto, Cherkaui acredita que já está na hora de mudar as leis para que acompanhem as campanhas educativas.
Alguns políticos já sugeriram de forma discreta que talvez fosse melhor deixar a proibição taxativa de casamento apenas para as menores de 15 anos.
Rabat - O casamento de garotas adolescentes, um fenômeno que nos últimos anos afeta mais de 40 mil marroquinas, está sendo paradoxalmente promovido pelos tribunais itinerantes, uma iniciativa nascida para levar a Justiça aos lugares mais remotos onde o Estado não consegue chegar.
Foi a rede feminista Anaroz que denunciou o caso após um estudo realizado na região central do Marrocos, nas zonas rurais de Fez, Meknés e Jenifra.
Os resultados, como advertiu o responsável pela pesquisa, Ilham Cherkaui, não são "científicos" por só observarem uma região, mas podem ser representativos de um problema: como a lei está sendo distorcida para legalizar a poligamia e o casamento precoce.
O Código da Família, aprovado no Marrocos em 2004, representou um avanço nos direitos das mulheres, ao estabelecer exceções e condições restritas a fenômenos legitimados pelo Corão (como a poligamia) ou a tradição (como o casamento de garotas, muito comum no meio rural).
Esse código contempla no artigo 16 um período transitório, prorrogado até fevereiro, no qual legalizaria excepcionalmente como casamentos casos de parceiros em que fosse constatada a "existência de crianças ou de gravidez", a fim de dotar essas crianças de documentos que as permitam algo tão simples como ir à escola e serem atendidas no hospital.
O Ministério da Justiça, ajudado por ONGs e organismos internacionais coma ONU-Mulheres, utilizou para essa tarefa os chamados tribunais itinerantes que levam a Justiça a lugares remotos e que nos últimos anos se focaram em legalizar estas uniões conjugais.
A tarefa dos tribunais itinerantes foi louvada e mostrada como exemplo. No entanto, a rede Anaroz fez soar o alarme após o estudo.
Em 2011, os tribunais itinerantes legalizaram 45.122 casamentos, de acordo com números do Ministério da Justiça. Naquele ano, o Conselho Econômico e Social detectou em todo o país 46.927 casamentos precoces, de meninas em 99% dos casos.
O Ministério da Justiça é reticente em dar detalhes sobre as idades das menores que são dadas em casamento, mas a rede Anaroz disse que em sua amostragem 25% das casadas nesses tribunais móveis eram meninas com menos de 15 anos.
Como explicou Cherkaui, os juízes dos tribunais itinerantes se encontram com frequência diante de fatos consumados: homens que se aproximam com meninas mães ou segundas esposas e pedem para legalizar as uniões apesar de não reunirem as condições: no caso da poligamia, permissão explícita da primeira esposa; no caso das adolescentes, uma "avaliação médica ou social" e permissão dos pais.
Existia a impressão de que os juízes colocavam na frente o interesse da criança e por isso autorizavam os casamentos; no entanto, o estudo de Anaroz demonstrou que em 61% dos casos as meninas casadas não tinham filhos.
A rede Anaroz se mobiliza agora para exigir um estudo geral em todo o país que desmascare a realidade dos casamentos precoces e para pedir uma mudança no polêmico artigo 16 que deixe mais claras as proibições e não permita tal grau de discricionariedade entre os juízes.
"Um país que se diz democrático não pode ter leis contrárias aos direitos humanos", se queixou Cherkaui, que sugere que os juízes devam passar por sessões de formação complementar para que suas sentenças estejam de acordo com as convenções internacionais.
A ativista admite que no Marrocos rural a consideração de "casável" para uma mulher se adquire muito antes dos 18 anos e está associada À puberdade. Essa é a razão que deixa inclusive a classe política reticente de proibir taxativamente este fato; no entanto, Cherkaui acredita que já está na hora de mudar as leis para que acompanhem as campanhas educativas.
Alguns políticos já sugeriram de forma discreta que talvez fosse melhor deixar a proibição taxativa de casamento apenas para as menores de 15 anos.