Protetorado no Marrocos: crônica de um centenário esquecido
O Protetorado significou para o Marrocos a partilha entre um norte empobrecido, administrado pela Espanha, e um centro-sul sob domínio francês
Da Redação
Publicado em 24 de dezembro de 2012 às 10h15.
Rabat - O ano de 2012, no qual se lembra o centenário do Protetorado franco-espanhol sobre o Marrocos, passou quase despercebido no país norte-africano, a exceção de algumas iniciativas acadêmicas, apesar de ser considerada uma data crucial na história da nação.
O Protetorado, que se estendeu entre 1912 e 1956 (data da independência), significou para o Marrocos a partilha entre um norte empobrecido, administrado pela Espanha, e um centro-sul conhecido como "o Marrocos útil" sob domínio francês.
Costuma-se considerar o Protetorado como a versão mais "amável" do colonialismo, dado que não teve os níveis de violência da vizinha Argélia, também colonizada pela França mas com um regime de pura ocupação; no Marrocos, pelo contrário, se manteve a ficção de uma colonização "pactuada" e se manteve no trono a dinastia alauí.
Para o historiador marroquino Mustafa Buaziz, um dos fundadores da revista pioneira na divulgação histórica "Zamane", o Protetorado "trouxe ao país o modernismo, entendido em seu aspecto material: tecnologia, comunicações, urbanismo e infraestruturas".
"No entanto, não trouxe modernidade, ou seja, uma mudança nas mentalidades e uma concepção do Estado como contrato social, com uma legitimidade que emane do povo, uma educação universal e o sentido de uma cidadania que goza de igualdade de oportunidades", continua o historiador.
"O Protetorado significou em grande medida um atraso da modernidade, por ser esta identificada com o ocupante, o que paradoxalmente significou um passo atrás no processo de secularização do Estado", explica Buaziz.
Os colonizadores do Marrocos, e especialmente os franceses, não mudaram a relação de forças no país, mas sim deslocaram a hegemonia, que passou de ser religiosa, nas mãos de um sultão, a ser política, nas mãos de um rei, embora em ambos os casos se tratasse da mesma pessoa.
Buaziz admite que o julgamento dos historiadores marroquinos sobre essa época é necessariamente "ambíguo", pois por um lado reconhecem "as luzes" (a racionalidade) que trouxe a colonização, traduzida em uma nova abertura do país para a ciência, já que lhes "ensinaram a refletir".
Mas por outro lado, esta imposição da racionalidade a partir da metrópole fez-se a um custo muito alto: "A vassalagem de todo um povo e a consideração deste como menor de idade, que precisa da tutela (de um maior), o que é muito humilhante".
De toda forma, o historiador diz que houve diferenças de peso entre o colonialismo exercido pela Espanha e pela França, na medida em que os espanhóis - segundo ele - careciam de uma classe empresarial potente que necessitasse de novos horizontes de expansão.
A Espanha optou por um imperialismo "de caráter mais militar", e até o próprio Abdelkrim (o caudilho nacionalista marroquino) recriminou aquela Espanha que não exerceu um projeto de exploração econômica de sua região que teria representado pelo menos a criação de postos de trabalho e de vias de comunicação para os habitantes locais.
O historiador espanhol Bernabé López García também considera que houve grandes diferenças entre os dois países que impuseram o Protetorado: a Espanha tentou "conservar em formol" a parte do Marrocos que lhe coube administrar, sem atacar o "arcaísmo" daquela sociedade, o que explica em parte o conservadorismo que ainda se detecta no ex-Marrocos espanhol.
Mas ao mesmo tempo, a ocupação espanhola foi muito tolerante com a expressão do nascente nacionalismo marroquino, e não só deu cargos aos líderes nacionalistas do norte, mas não duvidou em dar cobertura aos lutadores antifranceses chegados do sul do Protetorado.
Em geral, López García acredita que o Protetorado supôs antes de tudo "uma intervenção muito egoísta das potências", que se traduziu em "um processo acelerado de abandono do arcaísmo e de incorporação ao mundo capitalista", e este último se traduziu - reconhece no capítulo de conquistas - em um desenvolvimento inédito em regiões como a atlântica.
O professor espanhol compreende que um país como o Marrocos não queira comemorar "um fato de luto" como o início da aberta ocupação europeia, mas lamenta que se tenha desperdiçado a ocasião para olhar para trás e refletir sobre a vida do país e sua identidade.
"De toda forma, cem anos depois, a França continua se mantendo como potência no Marrocos; finalmente não saíram tão mal de sua experiência", conclui López García, em alusão ao enorme peso que os interesses franceses ainda têm no país norte-africano.
Rabat - O ano de 2012, no qual se lembra o centenário do Protetorado franco-espanhol sobre o Marrocos, passou quase despercebido no país norte-africano, a exceção de algumas iniciativas acadêmicas, apesar de ser considerada uma data crucial na história da nação.
O Protetorado, que se estendeu entre 1912 e 1956 (data da independência), significou para o Marrocos a partilha entre um norte empobrecido, administrado pela Espanha, e um centro-sul conhecido como "o Marrocos útil" sob domínio francês.
Costuma-se considerar o Protetorado como a versão mais "amável" do colonialismo, dado que não teve os níveis de violência da vizinha Argélia, também colonizada pela França mas com um regime de pura ocupação; no Marrocos, pelo contrário, se manteve a ficção de uma colonização "pactuada" e se manteve no trono a dinastia alauí.
Para o historiador marroquino Mustafa Buaziz, um dos fundadores da revista pioneira na divulgação histórica "Zamane", o Protetorado "trouxe ao país o modernismo, entendido em seu aspecto material: tecnologia, comunicações, urbanismo e infraestruturas".
"No entanto, não trouxe modernidade, ou seja, uma mudança nas mentalidades e uma concepção do Estado como contrato social, com uma legitimidade que emane do povo, uma educação universal e o sentido de uma cidadania que goza de igualdade de oportunidades", continua o historiador.
"O Protetorado significou em grande medida um atraso da modernidade, por ser esta identificada com o ocupante, o que paradoxalmente significou um passo atrás no processo de secularização do Estado", explica Buaziz.
Os colonizadores do Marrocos, e especialmente os franceses, não mudaram a relação de forças no país, mas sim deslocaram a hegemonia, que passou de ser religiosa, nas mãos de um sultão, a ser política, nas mãos de um rei, embora em ambos os casos se tratasse da mesma pessoa.
Buaziz admite que o julgamento dos historiadores marroquinos sobre essa época é necessariamente "ambíguo", pois por um lado reconhecem "as luzes" (a racionalidade) que trouxe a colonização, traduzida em uma nova abertura do país para a ciência, já que lhes "ensinaram a refletir".
Mas por outro lado, esta imposição da racionalidade a partir da metrópole fez-se a um custo muito alto: "A vassalagem de todo um povo e a consideração deste como menor de idade, que precisa da tutela (de um maior), o que é muito humilhante".
De toda forma, o historiador diz que houve diferenças de peso entre o colonialismo exercido pela Espanha e pela França, na medida em que os espanhóis - segundo ele - careciam de uma classe empresarial potente que necessitasse de novos horizontes de expansão.
A Espanha optou por um imperialismo "de caráter mais militar", e até o próprio Abdelkrim (o caudilho nacionalista marroquino) recriminou aquela Espanha que não exerceu um projeto de exploração econômica de sua região que teria representado pelo menos a criação de postos de trabalho e de vias de comunicação para os habitantes locais.
O historiador espanhol Bernabé López García também considera que houve grandes diferenças entre os dois países que impuseram o Protetorado: a Espanha tentou "conservar em formol" a parte do Marrocos que lhe coube administrar, sem atacar o "arcaísmo" daquela sociedade, o que explica em parte o conservadorismo que ainda se detecta no ex-Marrocos espanhol.
Mas ao mesmo tempo, a ocupação espanhola foi muito tolerante com a expressão do nascente nacionalismo marroquino, e não só deu cargos aos líderes nacionalistas do norte, mas não duvidou em dar cobertura aos lutadores antifranceses chegados do sul do Protetorado.
Em geral, López García acredita que o Protetorado supôs antes de tudo "uma intervenção muito egoísta das potências", que se traduziu em "um processo acelerado de abandono do arcaísmo e de incorporação ao mundo capitalista", e este último se traduziu - reconhece no capítulo de conquistas - em um desenvolvimento inédito em regiões como a atlântica.
O professor espanhol compreende que um país como o Marrocos não queira comemorar "um fato de luto" como o início da aberta ocupação europeia, mas lamenta que se tenha desperdiçado a ocasião para olhar para trás e refletir sobre a vida do país e sua identidade.
"De toda forma, cem anos depois, a França continua se mantendo como potência no Marrocos; finalmente não saíram tão mal de sua experiência", conclui López García, em alusão ao enorme peso que os interesses franceses ainda têm no país norte-africano.