Protestos em Beirute são reprimidos com gás lacrimogêneo pela polícia
Manifestantes jogavam pedras no Parlamento exigindo respostas do govern do Líbano sobre a explosão do porto que matou mais de 150 pessoas
Ivan Padilla
Publicado em 8 de agosto de 2020 às 11h51.
Última atualização em 8 de agosto de 2020 às 11h57.
Protestos em Beirute contra o governo do Líbano foram reprimidos pela polícia nesta amanhã de sábado, 8 de agosto. Os policiais lançaram bombas de gás lacrimogêneo na direção dos manifestantes, que criticam a forma como a administração pública tem lidado com as explosão no porto da cidade, no começo da semana.
Uma multidão se reuniu na praça dos Mártires, em Beirute. Parte dos manifestantes jogava pedras e tentava bloquear a entrada do Parlamento, quando a polícia entrou em ação.
Milhares de pessoas invadiram a praça principal da cidade pendurando laços que simbolizam o pedido de enforcamento de autoridades. A população responsabiliza o governo pela a explosão no porto de Beirute que deixou ao menos 150 mortos .
Os protestos já eram aguardados, segundo a agência AFP. Milhares de libaneses se preparavam para uma grande manifestação contra a classe política que eles culpam pelas terríveis explosões que devastaram parte de Beirute.
Dois dias após a visita histórica do presidente francês Emmanuel Macron, a atividade diplomática se intensifica em Beirute para organizar o apoio internacional ao país, na véspera de uma conferência de doadores.
Pelo quarto dia consecutivo, Beirute acordou ao som de vidro quebrado recolhido nas ruas pelos moradores e um exército de voluntários, equipados com vassouras e mobilizados desde o amanhecer.
O incidente de terça-feira no porto, cujas circunstâncias ainda não estão claras, teria sido causado por um incêndio que afetou um enorme depósito de nitrato de amônio, um produto químico perigoso.
As imagens do momento da catástrofe mostram uma deflagração que muitos compararam às bombas atômicas sobre o Japão em 1945, enquanto as equipes de resgate comparavam as cenas de destruição às resultantes de um terremoto.
O desastre deixou pelo menos 154 mortos, mais de 5.000 feridos, incluindo 120 em estado crítico, de acordo com o ministério da Saúde libanês, além de quase 300.000 desabrigados.
A embaixada da Síria anunciou neste sábado que 43 de seus cidadãos estão entre as vítimas.
Por sua vez, a Holanda anunciou que a esposa de seu embaixador no Líbano Jan Waltmans faleceu em decorrência de ferimentos sofridos nas explosões.
Mais de 60 pessoas continuam desaparecidas, enquanto a esperança de encontrar sobreviventes diminui.
Ainda em estado de choque após as explosões de violência sem paralelo na história do país, muitos libaneses exigem prestação de contas de uma classe política que denunciam como negligente e corrupta.
Na Praça dos Mártires, epicentro da contestação popular desde outubro passado e onde está programado um protesto na parte da tarde, sob o lema "Dia do Julgamento", os ativistas já ergueram uma forca.
"Depois de três dias limpando os escombros e curando nossas feridas, é hora de deixar nossa raiva esvair e puni-los por matar pessoas", declarou Farès al-Hablabi, de 28 anos.
"Devemos nos levantar contra todo o sistema (...) a mudança deve ser compatível com a escala do desastre", acrescentou este militante que saiu às ruas no momento da eclosão do levante popular em 17 de outubro de 2019.
Se o movimento perdeu força nos últimos meses, especialmente devido à pandemia de coronavírus - que continua se agravando no Líbano - a tragédia pode reanimá-lo.
"Não temos mais nada a perder. Todos devem ir para as ruas", disse Hayat Nazer, uma militante por trás de muitas iniciativas de solidariedade.
O presidente Michel Aoun, cada vez mais criticado, deixou claro na sexta-feira que se opõe a uma investigação internacional, dizendo que as explosões poderiam ter sido causadas por negligência ou por um míssil.
Cerca de vinte funcionários do porto e da alfândega foram presos, segundo fontes judiciais e de segurança.
Moradora em seu apartamento em Beirute, em 6 de agosto de 2022. Dois dias após a visita de Macron, que criticou severamente a classe política, uma videoconferência de doadores em apoio ao Líbano acontecerá no domingo, co-organizada pela ONU e pela França, segundo informou a presidência francesa à AFP.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que participará. "Todo mundo quer ajudar!", tuitou.
O Líbano atravessa uma severa crise econômica, depois de não pagar sua dívida, e seus líderes não conseguiram chegar a um acordo sobre um resgate econômico com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, é esperado neste sábado em Beirute, para mostrar a "solidariedade" dos europeus. A UE já liberou 33 milhões de euros.
O chefe da Liga Árabe, Ahmad Aboul Gheit, junto com o vice-presidente turco, Fuat Oktay, e o ministro das Relações Exteriores, Mevlüt Cavusoglu, também visitarão Beirute para assegurar seu apoio.
Sem demora, vários países despacharam equipamentos médicos e sanitários, bem como hospitais de campanha.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está preocupada com a saturação dos hospitais, já em situação complicada pela pandemia de coronavírus, escassez crônica de medicamentos e de equipamentos médicos.
Enquanto as autoridades estrangeiras se sucedem e a ajuda internacional chega, os governantes do Líbano tentam claramente tirar vantagem da situação, segundo o analista Nasser Yassin, do Instituto Issam Fares.
"O temor é que as autoridades aproveitem este desastre e a atenção árabe e internacional para se manter na superfície", disse.
Neste contexto, o líder do partido Kataeb, Samy Gemayel, anunciou neste sábado sua renúncia junto com outros dois deputados do histórico partido cristão após o desastre no porto, dizendo que havia chegado a hora de construir um "novo Líbano".
Sua renúncia acontece após uma decisão semelhante por dois outros parlamentares nesta semana.