Mundo

Primeiras mulheres a entrarem em templo na Índia: “Quebrem o sistema”

Indianas em "idade de menstruação" entraram pela 1ª vez em um dos santuários mais sagrados da religião hindu, desafiando uma tradição de centenas de anos

Mulheres participam de cordão humano contra discriminação de gênero em templo. (Vivek R Nair / Hindustan Times/Getty Images)

Mulheres participam de cordão humano contra discriminação de gênero em templo. (Vivek R Nair / Hindustan Times/Getty Images)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 8 de janeiro de 2019 às 06h17.

Última atualização em 8 de janeiro de 2019 às 06h17.

São Paulo - Não há tradição que não possa ser revista. Graças à mobilização de dezenas de milhares de mulheres, duas indianas fizeram história na semana passada ao entrarem pela primeira vez em um dos santuários mais sagrados da religião hindu, o templo de Sabarimala. 

Situado em Kerala, no sul da Índia, o templo era um dos poucos do país que ainda proibia a entrada de mulheres em "idade de menstruação", definida entre os 10 e os 50 anos.

Pela crença hinduísta, mulheres menstruadas não devem participar de rituais religiosos ou entrar nos templos, pois são consideradas "impuras" e capazes de "distrair" os deuses. Em Sabarimala, a divindade homenageada, Ayyappa, é ainda por cima considerado celibatário.  

Mas essa proibição mudou quando em setembro de 2018 uma decisão do Supremo Tribunal indiano permitiu o acesso de mulheres de qualquer idade ao templo em Kerala, após uma petição apoiada por milhares de mulheres argumentando que o costume violava a igualdade de gênero.

Sem surpresas, a vitória feminina foi vista como uma afronta aos tradicionalistas hindus que, de lá para cá, travaram diversas tentativas de mulheres que quiseram entrar no templo.

Na madrugada da última quarta-feira, porém, elas conseguiram. Na noite anterior, um cordão humano de 620 km ao longo de Kerala, formado por mulheres e homens em defesa da igualdade de gênero, foi o apoio que faltava para as duas indianas  furarem a resistência dos radicais e entrarem pela primeira vez no templo de Sabarimala, desafiando uma tradição de centenas de anos. 

Bindu Ammini, de 42 anos, e Kanaka Durga, de 44, já tinham tentado entrar no templo em dezembro, altura em que, como outras dezenas de mulheres, foram impedidas por manifestantes hindus contrários à permissão. 

Vestidas de preto e com as cabeças cobertas com lenços, elas foram acompanhadas de escolta policial para entrar no templo em meio a uma multidão de homens na última quarta-feira.

Quando as mulheres deixaram o espaço, o sumo sacerdote de Sabarimala fechou o santuário para realizar rituais de "purificação". Na sequência do feito histórico, irromperam protestos violentos e confrontos entre a polícia e manifestantes enfurecidos com a decisão, que terminaram com a detenção de mais de mil pessoas e pelo menos uma morte.

Furiosos: protesto de hindus tradicionalistas contrários à entrada de mulheres em templo de Kerala. (Sivaram V/Reuters)

Temendo ameaças de manifestantes ortodoxos, Bindu Ammini e Kanaka Durga se esconderam e, com ajuda de um grupo de voluntários que apoiam a causa, se mudam de um lugar para outro para evitarem retaliação.  Há dias longe de suas casas, famílias, filhos e trabalho, elas concederam uma breve entrevista à rede americana CNN em um ponto de encontro secreto.

"Não estou preocupada com minha segurança, mas com a segurança da sociedade", disse Bindu Ammini. "Muitas pessoas estão lutando nas ruas e estou muito preocupada com isso", destacou.

A batalha judicial também continua: no final do mês, a Suprema Corte da Índia avaliará petições que pedem a revisão do julgamento de setembro.

Há ainda uma forte resistência política: a pressão para abrir o templo para mulheres e meninas de todas as idades foi combatida por líderes de todo o espectro político indiano, tanto do Congresso, a principal oposição ao primeiro-ministro Narendra Modi e seu partido nacionalista hindu Bharatiya Janata quanto pelo próprio Modi, observa a CNN. 

Kanakadurga diz que os políticos deveriam parar de opinar e trabalhar para acabar com a discriminação. "Os políticos devem obedecer ao julgamento da Suprema Corte e dar igualdade às mulheres na sociedade", disse.

"Minha mensagem para as mulheres da Índia é, por favor, quebrem o sistema e, por favor, rompam com os maus costumes. Essa é a mensagem", complementa Bindu Ammini.

No dia seguinte à vitória da dupla, mais uma mulher conseguiu furar o bloqueio e entrar no templo Sabarimala.

Acompanhe tudo sobre:ÍndiaMulheresReligião

Mais de Mundo

Coreia do Norte lança mais balões de lixo e Seul diz que tocará k-pop na fronteira como resposta

Com esgotamento do chavismo, Maduro enfrenta desafio mais difícil nas urnas desde 2013

Dinastia Trump S.A.: Influência de família em campanha sinaliza papel central em possível governo

Após mais de 100 mortes em protestos, Bangladesh desliga internet e decreta toque de recolher

Mais na Exame